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“Raízes: Começo, Meio e Começo” traz vanguardas da ancestralidade africana ao Muncab, em Salvador

Megaexposição reúne mais de 200 obras de arte assinadas por 80 artistas negros, no Museu Nacional da Cultura Afro-Brasileira, em Salvador

Por Equipe Editorial - agosto 13, 2024
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O Muncab (Museu Nacional da Cultura Afro-Brasileira), situado em Salvador, apresenta a megaexposição “Raízes: Começo, Meio e Começo”, que entra na disputa das atrações mais visitadas do circuito brasileiro do turismo histórico em 2024. O trabalho, que reúne mais de 200 obras da arte clássica à contemporânea assinadas por 80 artistas negros, emerge pelas tecnologias ancestrais, a partir do retorno às origens africanas.

Para as cosmovisões africanas, o tempo é sagrado com eventos recorrentes, como a infinitude associada ao algarismo “8” deitado, a soma dos números que formam o ano de 2024. O percurso da exposição, dividido nos cinco eixos temáticos “Origens”, “Sagrado”, “Ruas”, “Afrofuturismo” e “Bembé do Mercado”, transcende a lógica ocidental do tempo irreversível com início, meio e fim, e a cronologia progressiva do ano, mês e dia. Ao invés disso, a narratologia artística reconhece a ancestralidade fundamental para a compreensão e construção do presente e do futuro.

Baobá

A centralidade da exposição é o Baobá, considerado a árvore da vida pela cultura africana, personagem dos filmes “Rei Leão”, “Avatar” e “Madagascar”, bem como do livro “O Pequeno Príncipe”. Suas raízes profundas simbolizam os ancestrais e a memória da comunidade, enquanto o tronco representa as novas gerações enraizadas sob uma base sólida, para sobreviver às adversidades em direção ao ápice da vida. Os galhos, por sua vez, carregam o amadurecimento, e as folhas que caem retornam ao chão, para alimentar o ciclo da renovação contínua, já que fertilizam o solo para dar origem a novas espécies.

Muncab
Exposição “Raízes: Começo, Meio e Começo” no Muncab, em Salvador. Crédito: Luan Teles / SecultBA

Na história das populações negras escravizadas entre os séculos XV e XIV, o Baobá também carrega o doloroso simbolismo da árvore do esquecimento. Antes de serem forçados a atravessar o Atlântico em navios negreiros rumo às Américas, os africanos eram obrigados a realizar um ritual de desenraizamento ao redor do Baobá, como uma tentativa de cortar seus vínculos com a terra de origem e suas memórias. A iniciativa garantia a submissão, despojando-os de sua identidade e pertencimento.

Esse fato lamentável embasa a cosmovisão africana, também decupada na exposição, sobre o qual os acontecimentos se desenrolam simultaneamente em espaços paralelos; na dimensão dos vivos e dos ancestrais; no Òrun, o universo espiritual, e no Àiyé, o mundo físico. Todo o processo doloroso do desenraizamento foi testemunhado e amparado pelos espíritos sagrados, que habitam os troncos das árvores.

Na contemporaneidade, o Baobá transmite a visão do ser humano, que se constitui a partir do “nós” ao invés do “eu”, a individualidade ocidental. Enraizar-se, na cultura africana, é um direito inviolável. Ao redor dessa árvore sagrada, as gerações se reúnem para compartilhar conhecimentos do interesse coletivo, a partir dos quais cada indivíduo se sedimenta no mundo. Preservar as memórias significa honrar e ser honrado pelos saberes que habitam os indivíduos.

Vanguarda

A exposição “Raízes: Começo, Meio e Começo” celebra, portanto, essas raízes profundas e a resistência africana . Com curadoria dos gestores culturais Jamile Coelho, diretora do Muncab, e Jil Soares, a mostra transita pelas vanguardas, que moldaram as sociedades contemporâneas: a habilidade para registrar acontecimentos e narrar histórias; a intersecção com o misticismo; as expressões artísticas e a resistência sociopolítica dos grupos identitários.

Uma instalação, idealizada pelos curadores, transporta os visitantes para um gigante Baobá já na abertura. Projetada no eixo “Origens”, a obra é rodeada por narrativas visuais que reproduzem o inquebrável cordão umbilical do continente-mãe com os quilombos no Novo Mundo. O culto aos espíritos originários, entre eles orixás, nkisis e voduns, juntados aos caboclos encantados do Brasil, ocupam o território “Sagrado”, onde artefatos, músicas e danças ritualizam a força e a presença dos antepassados.

O ambiente “Ruas” enaltece o “pretuguês”, o neologismo sobre a influência da linguística dos povos pretos nas cidades de Salvador, Luanda, Montevidéu, Porto Novo, Havana e Lagos. A pintura do compositor também responsável pelo desenvolvimento do samba Heitor dos Prazeres (Rio de Janeiro, 1898-1966) captura a formação dos subúrbios no Rio de Janeiro ocupados população marginalizada, a partir da urbanização das cidades durante o intenso processo de industrialização do Brasil no governo do presidente Getúlio Vargas (1930-1945). Quadros do artista ilustram grupos de pessoas em rodas de samba em periferias, que evocam as memórias dos rituais religiosos na África.

Muncab
Exposição “Raízes: Começo, Meio e Começo” no Muncab, em Salvador. Crédito: Luan Teles / SecultBA

O espaço “Afroturismo” promove o encontro entre ficção científica, tecnologia, realismo fantástico e mitologia para retratar a vida plena da população negra nas artes visuais. O eixo “Bembé do Mercado” emula as manifestações de resistência cultural e afirmação identitária afrodescendente. Celebrado desde o século XIX por conta da Abolição da Escravatura, o “Bembé do Mercado” é uma festividade que mescla elementos da religião católica com práticas e rituais de matriz africana, especialmente ligados ao culto aos orixás.

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Exposição “Raízes: Começo, Meio e Começo” no Muncab, em Salvador. Crédito: Luan Teles / SecultBA

“Raízes: Começo, Meio e Começo” também reverencia o princípio dinâmico de todas as coisas de Exu, o orixá regente de 2024. A produção é assinada pelo Museu Nacional da Cultura Afro-Brasileira (Muncab) em parceria com a RCD Produção de Arte e apoio do Instituto Ibirapitanga. O projeto expográfico é da cenógrafa Gisele de Paula e a identidade visual é do urbanista M.Dias Preto.

Demanda

A exposição “Raízes: Começo, Meio e Começo” atende à demanda do circuito brasileiro do turismo histórico pelo consumo da estética negra nas artes contemporâneas. Prova disso, o Muncab recebeu cerca de 150 mil visitantes entre novembro de 2023, quando foi reinaugurado, e março de 2024, com a itinerância temporária das exposições “Um defeito de cor” e “Reverberações: refletindo a impressão da memória africana”. Um marco simbólico para os afrodescendentes que desejam enxergar suas heranças identitárias em espaços nobres.

Sobre o Muncab

O Museu Nacional da Cultura Afro-Brasileira (Muncab) é dedicado à preservação, documentação, difusão e valorização das culturas de matrizes africanas, que influenciam o Brasil e as Américas. O acervo permanente é composto por mais de 400 obras de arte raras e históricas, modernas e contemporâneas de artistas negros. São pinturas, esculturas, gravuras, fotografias, jóias, arte sacra e documentos que testemunham a estética africana nas artes visuais. Os principais artistas que fazem parte do acervo são Yêdamaria (Bahia, 1932-2016), Mestre Didi (Bahia, 1917-2013), Rubem Valentim (Bahia, 1922-1991), Emanoel Araújo (Bahia, 1940-2022) e Agnaldo dos Santos (Bahia, 1926-1962).

Serviço

Exposição “Raízes: Começo, Meio e Começo”
Local: Museu Nacional da Cultura Afro-Brasileira (Muncab)
Endereço: Rua das Vassouras, 25, Centro Histórico de Salvador, Bahia
Período: Até 9 de março de 2025
Horário: Terça a domingo, das 10h às 17h (acesso até 16h30)
Ingressos: R$ 20,00 (inteira) e R$ 10,00 (meia)
Gratuidade: Quartas-feiras e domingos
Mais informações: (71) 3017-6722
Classificação indicativa: Livre

Leia também: Galeria 18 inaugura duas exposições individuais simultâneas em agosto

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