A expressão Filosofia Africana é usada de múltiplas formas por diferentes filósofos. Embora diversos filósofos africanos tenham contribuído para diversas áreas, com a metafísica, epistemologia, filosofia moral e filosofia política, uma grande parte dos filósofos discute se a filosofia africana de fato existe.
Um dos mais básicos motivos de discussão sobre a filosofia africana gira em torno da aplicação do termo “africano”, ou seja, se o termo se refere ao conteúdo da filosofia ou à identidade dos filósofos.
Na primeira visão, a filosofia africana seria aquela que envolve temas africanos ou que utiliza métodos que são distintamente africanos. Na segunda visão, a filosofia africana seria qualquer filosofia praticada por africanos ou pessoas de origem africana.
A fim de ajudar entender melhor como se configura alguns dos principais campos que compõe o universo da Filosofia Africana separei uma pequena coletânea para descobrimos um pouco mais sobre este tema tão vasto.
Joseph I. Omoregbe define um filósofo como “aquele que dedica boa parte de seu tempo refletindo sobre questões fundamentais sobre a vida humana ou sobre o universo físico, e que faz isso de maneira habitual”, e diz que não existe nenhuma filosofia africana articulada e documentada, ainda que exista uma tradição filosófica africana. Simplificando, mesmo que não existissem filósofos africanos conhecidos, a filosofia foi, de fato, praticada na África. Uma forma de filosofia natural sempre esteve presente na África desde tempos muito antigos. Se tomarmos a filosofia como sendo um conjunto coerente de crenças, mas não como um sistema de explicar a unidade do entendimento de todos os fenômenos, então praticamente todas as culturas possuem filosofia.
A visão padrão da ascensão do pensamento filosófico (e científico) é a de que, provavelmente, ela exigiu um certo tipo de estrutura social, mas que, mesmo dada essa condição, existiria mais um conjunto de fatores necessários. A filosofia na África tem uma história rica e variada, que data do Egito pré-dinástico, continuando até o nascimento do cristianismo e do islamismo. Sem dúvida, foi fundamental a concepção do “Ma’at“, que, traduzido, significa, aproximadamente, “justiça”, “verdade” ou, simplesmente, “o que é certo”. Uma das maiores obras de filosofia política foi o Ensinamento de Ptah-hotep, que foi empregado nas escolas egípcias durante séculos.
Filósofos egípcios antigos deram contribuições extremamente importantes para a filosofia helenística, filosofia cristã e filosofia islâmica. Na tradição helênica, a influente escola filosófica do neoplatonismo foi fundada pelo filósofo egípcio Plotino, no terceiro século da era cristã. Na tradição cristã, Agostinho de Hipona foi uma pedra angular da filosofia e da teologia cristã. Ele viveu entre os anos 354 a 430, e escreveu a sua obra mais conhecida De Civitate Dei (A Cidade de Deus) em Hipona, atual cidade argelina de Annaba. Ele desafiou uma série de ideias de sua idade incluindo o arianismo, e estabeleceu as noções básicas do pecado original e da graça divina na filosofia e na teologia cristãs.
Na tradição islâmica, Ibn Bajjah filosofou junto com linhas neoplatônicas no século XII. O sentido da vida humana, de acordo com Bajjah, era a busca da felicidade, e essa felicidade verdadeira só é atingida através da razão e da filosofia, até mesmo transcendendo os limites da religião organizada. Ibn Rush filosofou segundo as linhas aristotélicas, estabelecendo a escolástica do averroísmo. Notavelmente, ele argumentou que não havia conflitos entre a religião e a filosofia, uma vez que existem diversos caminhos para Deus, todas igualmente válidas, e que o filósofo está livre para tomar o caminho da razão, enquanto que as pessoas comuns só eram capazes de tomar o caminho dos ensinamentos repassados a eles. Bom, em contrapartida
Ibn Sab’in discordou dessa ideia, alegando que os métodos da filosofia aristotélica eram inúteis na tentativa de entender o universo, porque elas não refletiam a unidade básica com Deus e consigo mesma, de modo que o verdadeiro entendimento necessário requereria métodos diferentes de raciocínios.
Em termos de filosofia política, a independência da Etiópia e o exercício da independência dos nativos africanos frente ao colonialismo europeu serviram como gritos de guerra no final do século XIX e início do século XX, e foram determinantes para os movimentos de independência de grande parte dos países africanos durante o século XX.
O filósofo queniano Henry Odera Oruka (1944-1995) distinguiu o que ele chama de quatro tendências na filosofia africana contemporânea: Etnofilosofia, Sagacidade Filosófica, Filosofia Ideológica Nacionalista e Filosofia profissional. Mais tarde, Oruka adicionaria mais duas categorias: a Filosofia Literária – Artística, que teve representantes como Ngugi wa Thiongo, Wole Soyinka, Chinua Achebe, Okot p’Bitek, e Taban Lo Liyong; e a Filosofia Hermenêutica na qual Maulana Karenga destaca-se como um dos principais filósofos. Ele escreveu um livro de 803 páginas intitulado “Maat, o ideal moral no Egito Antigo”. Vale destacar, também, o movimento da Black Philosophy (“filosofia negra”), que estuda a cultura africana e seus reflexos por exemplo na crítica literária.
O termo “etnofilosofia” tem sido usado para designar as crenças encontradas nas culturas africanas. Tal abordagem trata a filosofia africana como consistindo em um conjunto de crenças, valores e pressupostos que estão implícitos na linguagem, práticas e crenças da cultura africana. Um dos defensores desta proposta é Placide Tempels, que argumenta que a metafísica do povo Bantu está refletida em sua linguagem. Segundo essa visão, a filosofia africana pode ser melhor compreendida a partir a realidade refletida nas línguas da África.
Um exemplo deste tipo de abordagem é a defendida por E. J. Algoa, da universidade nigeriana de Port Harcourt, que defende a existência de uma filosofia da história decorrente dos provérbios tradicionais do Delta do Níger, em seu artigo “Uma Filosofia da História Africana na Tradição Oral”. Algoa argumenta que, na filosofia africana, a idade é vista como um fator importante na obtenção de sabedoria e de interpretação do passado. Em apoio dessa tese, ele cita provérbios como “Mais dias, mais sabedoria” e “O que um velho vê sentado, o jovem não vê em pé“. A verdade é vista como eterna e imutável (“A verdade nunca apodrece”), mas as pessoas estão sujeitas ao erro (“Mesmo um cavalo de quatro patas tropeça e cai”), por exemplo.
Outra aplicação mais controversa dessa abordagem está incorporada no conceito de negritude. Léopold Sédar Senghor, um dos criadores desse conceito, argumentou que a abordagem nitidamente africana para a realidade é baseada mais na emoção do que na lógica, se manifestando através das artes e não através da ciência e da análise. Cheikh Anta Diop e Mubabinge Bilolo, por outro lado, embora concordem que a cultura africana é única, contestam essa opinião, destacando que o Antigo Egito estava inserido na cultura africana quando deu grandes contribuições para as áreas da ciência, matemática, arquitetura e filosofia, fornecendo uma base para a civilização grega.
Os críticos dessa abordagem argumentam que o verdadeiro trabalho filosófico está sendo feito pelos filósofos acadêmicos, e que palavras de uma determinada cultura podem ser selecionadas e organizadas de muitas maneiras, a fim de produzir sistemas de pensamentos muitas vezes contraditórios.
A sagacidade filosófica (Sage Philosophy, literalmente “filosofia do sábio”) é uma espécie de visão individualista da etnofilosofia, foi criada na década de 1970 por Henry Odera Oruka e consiste no registro das crenças dos “sábios” das comunidades tradicionais africanas. A premissa aqui é que, embora a maioria das sociedades exija algum grau de conformidade de crença e comportamento de seus membros, alguns desses membros (os sábios) chegam a níveis superiores de conhecimento e entendimento de suas culturas e visão de mundo. Em alguns casos, o sábio vai além do mero conhecimento e compreensão, atingindo a reflexão e o questionamento – tornando-se, então, exemplo de sagacidade filosófica. Os críticos dessa abordagem argumentam que nem todos os questionamentos e reflexões são filosóficos. Além disso, se a filosofia africana for definida apenas em termos de sagacidade filosófica, então os pensamentos dos sábios não poderiam se enquadrar na filosofia africana, pois não foram obtidos de outros sábios. Também, por esse ponto de vista, a única diferença entre os antropólogos não africanos e os filósofos africanos seria apenas a nacionalidade do pesquisador.
Rastreando um pouco mais para saber o que tinha de recente no cenário acadêmico brasileiro no sentido de coletânea de informações sobre estudos que envolvem a Filosofia Africana, descobri que em 2015 foi criado por Wanderson Flor do Nascimento um site chamado Filosofia Africana, que traz como objetivo pilar a criação de um espaço virtual que disponibiliza materiais em língua portuguesa que possam subsidiar pesquisas sobre a filosofia africana e afro-brasileira, assim como auxiliar na tarefa de docentes do ensino fundamental e médio em acessar recursos ainda pouco conhecidos em nossa língua.
Este projeto de Wanderson vem contribuir com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (art. 26-A), lei esta que determina que em todo o currículo dos ensinos fundamental e médio brasileiros estejam presentes conteúdos de história e cultura africana e afro-brasileira, em todos os componentes curriculares incluindo, dessa forma, a filosofia.
O site atualmente armazena mais de 30 livros escritos por escritores do continente africano e mais outras 40 obras que trabalham o tema.
FONTES:
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