Peter Scheier, alemão de origem judaica que fez carreira fotográfica no Brasil, retratou dezenas de imagens de São Paulo entre 1940 e 1960. Ele chegou na cidade em 1937, fugindo da perseguição aos judeus na Alemanha nazista.
Em sua terra natal era comerciante e contador, mas chegou aqui com uma carta de recomendação para trabalhar em um açougue; depois foi vendedor de cúpulas de abajur.
A construção do Museu de Arte de São Paulo (Masp), em 1966, foi um dos muitos temas arquitetônicos presentes nos ensaios do fotógrafo. A convite do colecionador Pietro Maria Bardi, que junto com Assis Chateaubriand foi o responsável pela criação do museu, Sheier registrou a construção do que viria a ser um dos principais cartões postais da cidade.
No ensaio, há fotos das paredes subindo, dos andaimes, do piso e do teto ainda sem as enormes janelas de vidro, das colunas ainda sem a característica cor vermelha e dos trabalhadores trazendo à vida o projeto da arquiteta Lina Bo Bardi.
Fotógrafo amador, ele começou a fazer do hobby uma profissão, e conseguiu abrir um estúdio de fotografia nos anos 1940.
Começou fazendo retratos e fotos de eventos sociais, como casamentos e batizados. Depois ficou conhecido como fotógrafo de arquitetura, trabalhando como nomes que marcaram o modernismo no Brasil: Gregori Warchavchik, Rino Levi, Carlos Bratke e Lina Bo Bardi.
Também registrou cenas do cotidiano para a revista O Cruzeiro, mostrando a vida nos bairros do Brás e de Santo Amaro.
Separamos 10 imagens tiradas pelo artista que constam no acervo Instituto Moreira Salles.
Chamado para montar um livro que promoveu São Paulo no exterior — São Paulo, a Cidade que Cresce Mais Rápido no Mundo — Scheier mostra uma visão de São Paulo como uma cidade que está crescendo, se expandindo e que pode gerar muitos negócios, segundo Heloisa Espada, curadora da exposição do IMS e que pesquisou durante dois anos o acervo do fotógrafo.
“Há um otimismo com o crescimento, (a obra) registra a euforia dos anos 1950”, diz Espada.
“Um dos motivos pra ele ter sido escalado provavelmente é porque ele realmente achava isso sobre a cidade”, diz Lucas Lenci, neto do fotógrafo.
“Ele tinha uma visão positiva, primeiro de ter sido uma cidade que o recebeu quando ele precisou fugir da perseguição. Depois, chegando aqui, ele se encantou com a cidade, ficou contente que foi bem recebido, que ninguém se importava que ele era judeu.”
“Dá para ver que ele tinha ele encantamento, esse desejo de explorar. Ele era um cara muito sensível, tinha um fascínio muito grande por uma terra que era mto diferente da onde ele veio”, diz o neto.
No entanto, ao mesmo tempo em que mostrava a São Paulo otimista com o crescimento, ele também registrou a pobreza e os problemas para a revista O Cruzeiro, explica Heloisa Espada.
“O trabalho dele mostra vários aspectos da cidade”, afirma a curadora. “O trabalho para a Cruzeiro passa muito pelo tipo de jornalismo que tentatava chamar atenção para curiosidades, uma coisa mais sensacionalista que via a classe média branca e urbana como padrão.”
“Ele mostra muita pobreza, crianças com deficiência, pessoas doentes, trabalhadores do circo, sempre de um jeito sensacionalista”, diz ela. “Ele acaba revelando meio involuntariamente essa contradição entre o crescimento da cidade, o nascimento das instituicões modernas, e esse outro lado mais pobre e com problemas.”
Para a revista O Cruzeiro, Scheier registrou trabalhadores do circo Piolin em 1945, paulistanos passeando no bairro de Santo Amaro — que ainda era bastante campestre — em 1948, lutadoras de luta livre em 1950 e os cortiços do bairro do Brás.
Seu trabalho ficou conhecido também pelo registro da construção de Brasília nos anos 1950.
Mesmo com o sucesso na carreira, Scheier se aposentou cedo. Aos 58 anos voltou para a Alemanha para morar em um prédio preparado para pessoas idosas — que tinha rampas, farmácia e supermercado no condomínio para os idosos não precisarem sair na rua no inverno.
“Era muito diferente. Imagina que, aos 60 anos, ele já achava que estava no final, que já tinha feito o que tinha que fazer”, diz Lucas.
Ao chegar no Brasil, em 1937, Scheier tinha abdicado de sua cidadania alemã.
“Ele ficou muito muito triste, muito chateado, muito decepcionado, acho que até envergonhado (da situação na Alemanha antes da Segunda Guerra)”, conta o neto Lucas, que soube de tudo pelos relatos de sua avó.
Mas, 30 anos depois, abriu mão da cidadania brasileira e virou alemão de novo.
“Acho que foi um período para ele curar a ferida”, diz Lucas. “Ele morreu na Alemanha, junto com a minha avó, onde ficou fazendo trabalhos audiovisuais no fim da vida.”
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