No mundo secular em que vivemos, cada extensão de conhecimento e atividade humana é arquivado em pastas separadas, onde não há espaço para uma interdisciplinaridade, nem lugar para uma harmoniosa relação entre razão e sentimento. A ciência especializou-se e a religião busca constantemente homogeneizar. Mas há ainda o lugar da arte, que se fundou num espaço híbrido, onde um possível intercâmbio entre a razão e a sensibilidade se desenvolve, abrindo espaço para uma rede de conexões inesgotáveis, entre diversas áreas do conhecimento e das atividades humanas.
Porém, há muito mais do que se dizer sobre arte…
Durante toda a História, a religião foi o monopólio das atividades voltadas à mente e à alma. E a arte, por sua vez, seguia a serviço da Igreja. Na pintura e na escultura, os temas representados eram Deus, os anjos, os santos e, de modo geral, as cenas que instruíssem os fiéis a respeito dos conhecimentos morais e espirituais da doutrina cristã. Mas as atividades artísticas foram aos poucos se libertando e ganhando seu próprio espaço, não mais prestando serviço à Igreja. As religiões não tiveram problema em nos dizer qual é a função da arte: de nos lembrar de quem devemos amar, temer e odiar. Mas e agora, qual seria a função da arte se não orientar nossa fé?
Em pleno século XXI há quem diz que os museus se tornaram as catedrais contemporâneas, que é na cultura que deveríamos buscar por orientação, consolação e moralidade…
É verdade que a sociedade contemporânea coloca a Arte em um pedestal acima de todas as outras ocupações, agregando valores como glamour, status econômico, sabedoria e alta cultura, desconectando-a de todas as suas funções primárias. Mas por uma série de relações e concepções que foram estabelecidas nos últimos séculos (depois da liberdade expressiva adquirida pela separação da Igreja), a arte se tornou uma atividade voltada aos especialistas.
Além de se direcionar a este público específico, há também duas concepções ruins que pairam sobre o mundo contemporâneo que inibem nossa capacidade de extrair a força da arte: a primeira delas é a ideia de que a arte deve ser auto expressiva e exclusiva – o que a mantém numa bolha hermética, não se relacionando com nada e nem atuando diretamente sobre o mundo. A outra concepção é que a arte deve ser autoexplicativa, que os artistas não deveriam revelar o que fazem, pois se o fazem, a magia da obra de arte se quebra, banalizando-a. Então temos que nos condicionar a “ler” esta linguagem específica sozinhos, desvendando-a para somente depois nos relacionarmos com a obra.
Por isso uma experiência bem comum quando estamos num museu é a constante indagação; “O que isso significa?”. Mas pela mística do objeto artístico, não devemos jamais questioná-lo, ao contrário somos ridicularizados. Este senso de perplexidade é estrutural quando se trata da arte contemporânea.
Arte é um encontro visceral de nossas ideias mais importantes com a fé. Os museus deveriam aprender com os livros de religião e assegurar que quando entramos num museu, nos deparemos com uma sala reservada ao amor, uma à generosidade, etc. Todas as obras de arte falam sobre alguma coisa e se fôssemos capazes de aumentar os locais onde pudéssemos ver trabalhos que realmente nos dissessem algo, aprenderíamos muito mais com ela. A arte cumpriria a obrigação que costumava ter, que negligenciamos devido a certas ideias mal fundadas. Em sua capacidade plena, ela nos torna atentos ao mundo, às realidades dele. Portanto a arte deveria ser uma das ferramentas para melhorarmos a sociedade, mas para isso, ela deve parar de ser auto-explicativa, de exigir do espectador um grau de familiaridade com a linguagem! Para isso ela deve ser também, didática.
A linguagem da arte não é universal, pois vive no campo da sensibilidade, e a sensibilidade é algo subjetivo. Os artistas e as instituições de arte só conseguirão devolver sua função primária, se pararem de considerar que sua linguagem é falada universalmente, como deveria ser o Esperanto. Porém, quem é fluente neste idioma criado para ser universal?
Devemos parar de considerar que a obra de arte fala por si só. O contexto, as ideias e as relações devem ser expostas, e não com um linguagem especializada que só curadores, artistas e experts entendam, mas de maneira com que o público geral ganhe instrumentos e ferramentas que acrescentem em sua experiência estética. Devemos retornar ao papel didático da arte.
por Clarissa Ximenes
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