Gente de Arte

Entrevista realizada por Luiza Testa com cenógrafo do Castelo Rá-Tim-Bum

Alexandre Suárez, 49, entrou na TV Cultura em 1990, recém-formado em Arquitetura e Urbanismo pela FAU-PUCC e logo encarou desafios como a cenografia do programa O Mundo da Lua e do popular Castelo Rá-Tim-Bum, cuja exposição no Museu da Imagem e do Som, em São Paulo, foi sucesso absoluto de público e teve sua temporada estendida.

Atualmente, é professor com dedicação exclusiva na UNESP, onde realiza pesquisas e dá aulas no curso de Arquitetura e Urbanismo, além de coordenar o Curso de Extensão em Cenografia.

Alexandre Suárez

Nesta entrevista realizada em outubro de 2014, Alexandre fala sobre o poder da cenografia, as expectativas iniciais acerca do programa e conta curiosidades dos bastidores do Castelo, como sua assinatura escondida em elementos do cenário e as desconhecidas chaves do Castelo.


Entrevista com Alexandre Suárez:

[Luiza Testa]: A exposição em cartaz no MIS possibilitou que as crianças da década de 1990 tivessem um contato maduro com seu programa de infância. Ao rever o cenário, ficam muito claras as diversas referências que influenciaram o programa, mas que reforçam uma estética inconfundível e muito própria do Castelo. Como foi este processo de criação?


[Alexandre Suárez]: É verdade! Era tudo muito colorido e com muita brincadeira. Tinha muita referência às máquinas, por ser o castelo de um inventor, o Dr. Victor. Então, qualquer encomenda que vinha para a gente, por exemplo, “tem que ter uma máquina que toque músicas do mundo todo”, não seria uma máquina convencional. Tínhamos que pensar em como o Dr. Victor, um cientista maluco, faria isso. Aí, vinham referências como Jetsons, Scooby Doo, Vila Sésamo, Corrida Maluca e o próprio Rá-Tim-Bum [programa educativo infantil apresentado de 1990 a 1994 na TV Cultura]. Nós buscávamos referências em programas infantis, traquitanas, invenções. Depois, na hora em que estava pronto, tinha um profissional que vinha envelhecer tudo; passava betume, sujava as coisas e tirava o frescor daquilo que estava lá, afinal, era um castelo de 3.000 anos, com coisas de várias épocas: atuais e antigas.

[Luiza]: Que grau de liberdade vocês tinham?


[Alexandre]: Nós tínhamos uma liberdade legal. O grupo de cenógrafos definiu, com o Cao Hamburger [diretor da atração] e os outros núcleos, que a linha geral seria inspirada no Antoni Gaudí [arquiteto catalão]. Na época, não tinha o Google, então a TV Cultura disponibilizou uns quatro livros sobre o Gaudí e era o que tínhamos para pesquisar. Mas acho que funcionou, porque outro dia li que alguém entrou na Casa Batló [um dos prédios projetados por Gaudí] e disse que não parecia que estava entrando na casa do Gaudí; parecia que estava entrando no Castelo Rá-Tim-Bum!

[Luiza]: Durante a produção do programa, vocês tinham uma verba interessante para a cenografia?


[Alexandre]: Tínhamos, sim. Lembro que, na época, trabalhei no orçamento e era algo bem interessante para a montagem. Tinha a FIESP por trás, que já tinha bancado também o primeiro Rá-Tim-Bum, que ganhou o prêmio de melhor programa infantil do mundo em Nova York. Quando apresentamos o projeto do Castelo, a FIESP falou: “vamos bancar, mas queremos um programa de sucesso como foi o Rá-Tim-Bum. Vamos usar o mesmo nome”. Então por exigência da FIESP, usamos o Rá-Tim-Bum, como se fosse uma continuação do primeiro programa. No começo, ia se chamar Rá-tim-bum 2, pra dar um ar de continuação mesmo. Mas daí, a questão do castelo se impôs e ficou Castelo Rá-tim-bum. O primeiro ganhou medalha de ouro em NYC, e a gente ganhou a medalha de prata.

[Luiza]: Quais eram as outras exigências?

[Alexandre]: Tínhamos o prazo. Acertado o programa, em cerca de 2 meses definimos o projeto, fizemos umas duas ou três maquetes de estudo, discutimos com o Cao Hamburger, ele fez  as observações e corrigiu. Então, fizemos o projeto detalhado, que começou a ser construído. Imagine entregar aquele castelo todo em 4 meses. Uma equipe de 200 pessoas trabalhando 7 dias por semana, em uma média de 12 horas por dia! E, para piorar, teve uma enchente no Rio Tietê, que inundou em 10 centímetros de água o estúdio da Fundação Padre Anchieta e estourou todo o piso. Por conta disso, atrasamos em dois dias a entrega do cenário. Mas perto do desastre que foi, até que cumprimos bem o prazo.

[Luiza]: E esta equipe de 200 pessoas funcionava bem?


[Alexandre]: O mais legal é que éramos uma equipe mesmo. Todo mundo palpitava no trabalho de todo mundo. Então não teve nada inteiramente autoral lá. Porque tudo o que projetávamos, discutíamos com a equipe de cenógrafos. Por exemplo, a escada foi a Luciene [Grecco] e o Antônio [de Freitas] que definiram, mas quem desenhou a escada fui eu, é da equipe. Outro exemplo: o Antônio fez a biblioteca, a sala de música e a sala da lareira, mas eu fiz a lareira em si. E tem uma curiosidade, que eu nunca contei para os colegas, que era uma assinatura minha escondida. Na lareira você vê claramente um S [de Suárez], assim como na caixa de fusível que tinha logo na entrada do castelo. Falavam: “faz aí, Alex! Tem que fazer rápido, é pra amanhã”, aí eu punha o S! E também, o primeiro degrau pra você entrar no Castelo, é um S. Ele não aparece na exposição, nem na maquete. Mas é muito sutil, uma brincadeira minha!
Já a porta do quarto do Nino surgiu para mim em um sonho! E tem uma coisa linda que, infelizmente, nunca foi mostrada nesta porta que gira: na parte de cima, tinha um desenho que mostrava as entranhas dela, os mecanismos que faziam com que girasse, que a equipe fez. Ficou lindo, mas o ângulo da câmera não mostra!

[Luiza]: Em uma entrevista recente, o Cassio Scapin revelou que ninguém esperava tamanho sucesso [o Castelo teve média de 12 pontos na audiência, o maior da história dos programas educativos da TV Cultura]. Vocês pensavam sobre isso enquanto concebiam a cenografia?


[Alexandre]: Não pensávamos. Queríamos fazer bem feito e estávamos nos divertindo. A gente queria agradar a nós mesmos! Eu discutia com o Silvio Galvão [da seção de Efeitos Especiais], porque ele queria fazer uma árvore maravilhosa e eu falava: “Silvio, a gente tem que por a árvore no estúdio, lá dentro!” e ele dizia que faltava um detalhezinho mínimo da decoração, queria fazer a árvore perfeita. E eu queria fazer as minhas coisas perfeitas! Estávamos brincando de fazer a coisa. Bom para a gente! Mas não tínhamos noção alguma do sucesso que viria a ser, até porque eu tinha feito antes [o programa da TV Cultura] O Mundo da Lua e foi maravilhoso! Fez sucesso, mas não como o Castelo. Quando fiz o Castelo, estava empolgado, achei que seria como O Mundo da Lua, um sucesso médio. Só com o tempo eu fui percebendo, quando começaram a chegar nas salas onde dou aula, alunos que tinham assistido ao Castelo Rá-tim-bum. Aí que fui perceber que a coisa era poderosa.

[Luiza]: A Rosi Campos contou que tiveram que suspender uma determinada visita de crianças ao estúdio do programa, porque elas achavam que iriam encontrar um enorme castelo no meio da cidade de São Paulo…


[Alexandre]: É uma coisa de louco. Tive um aluno que queria me provar que existia um quarto do Dr. Victor, e falei que não existia, falei que só tinha o quarto da Morgana e ele continuou insistindo. Isso é muito legal da cenografia! Falando em Semiótica, a cenografia é uma dica para você poder montar a história na sua cabeça, preencher as lacunas. Por exemplo, você tem a escada que vai pro quarto da Morgana e ela só tem dois lances. Mas na maquete que ilustra a abertura do programa, aparece uma escada em caracol, que mostra a subida até a torre. Então, existem duas escadas: uma de maquete e a real, que tem apenas dois lances de escada. No final, cada um montou a sua escada na sua cabeça, sendo mais adequada àquilo que entende que é o Castelo. Ou seja, o Castelo tem alguns elementos, mas as pessoas completaram com o que é o seu próprio ideal do que é o Castelo. Por isso que ele é tão especial: porque você monta o que acha mais legal, a ponto deste aluno ter montado um novo ambiente, o quarto do Dr. Victor e querer me provar que existia. E é muito bonito que na cabeça dele exista. É mágico!

[Luiza]: Como você ficou sabendo da exposição montada pelo MIS, em São Paulo?


[Alexandre]: Descobri que iam montar a exposição porque comecei a ver na mídia o tempo todo. Então, o pessoal do MIS entrou em contato comigo e contei algumas coisas que eu sabia. Por exemplo, perguntei se eles sabiam que o Castelo tinha duas chaves e contei a história de quando estreou o programa, que teve uma solenidade de agradecimento à FIESP e encomendaram um presente para entregar ao presidente e pensamos “já que eles bancaram o Castelo, vão ter a chave de entrada”. Então, a equipe de efeitos especiais fez uma chave cheia de detalhes, em uma caixinha de madeira linda, que foi entregue ao presidente da FIESP. Esta é uma das chaves. Depois, em uma festa de final de ano da TV Cultura, o seu Antônio Monteiro, cenotécnico, que na época era um dos funcionários mais antigos da empresa, foi homenageado com outra chave do Castelo Rá-tim-bum. Falei para o pessoal do MIS, mas infelizmente, não acharam nenhuma das duas para colocar na exposição. No final, me convidaram para dar um depoimento que é transmitido com os outros na mostra.

[Luiza]: Qual foi a sua impressão sobre a exposição?


[Alexandre]: A exposição é uma bela homenagem. Ela recria todo o ambiente do que era o Castelo Rá-tim-bum. Lógico que as formas não são as mesmas, as proporções não são as mesmas, mas os elementos que estão lá lembram muito o que era o ambiente cenográfico do Castelo Rá-Tim-Bum.

[Luiza]: Qual foi o impacto de ter feito a cenografia do Castelo na sua carreira?


[Alexandre]: Eu ampliaria a pergunta para: “qual a contribuição do meu trabalho da TV Cultura para a minha carreira?” Tanto o meu mestrado, quanto o meu doutorado são produtos da discussão sobre a cenografia. No doutorado, faço uma análise de como você tem que adaptar o espaço público para realizar um evento espetacular. Uma praça, para se transformar numa quermesse de Festa Junina, precisa ser alterada. Precisa ter palco, camarim, bilheteria e banheiro… uma série de coisas que a praça normalmente não tem.  Quais são essas adaptações? Isso veio do que vivi na TV Cultura, de fazer adaptações para o espaço público. Quando tinha evento no Vale do Anhangabaú, eles me pediam para dar um apoio as equipes técnicas. Isso me enriqueceu, não só na cenografia, mas na relação cenografia-arquitetura e cenografia-cidade, que é o que eu faço até hoje. Viciei em cenografia!

[Luiza]: Como funcionaria a implantação de uma cenografia tão cuidadosa e manual para o público infantil atual, acostumado com animações 3D e cenários virtuais hiper-realistas?


[Alexandre]: Acho que não deve ser muito diferente. Você tem uma ferramenta nova, as pessoas gostam sempre de antepor a informática à coisa mais analógica. Eu já acho que são complementares, que se somam. Quando a gente estava fazendo o Castelo, vislumbrou o que seria a Internet, o que seria o Google com o quadro do  Telekid [personagem interpretado por Marcelo Tas, que aparecia dentro de um computador resolvendo as dúvidas das crianças]. Dá para incorporar isso facilmente, o computador poderia entrar num programa assim. Acho que a tendência da TV é ser interativa. Esses canais públicos vão precisar ter essa interatividade, de assistir à TV e já ir dando a sua opinião.
Lembro que, já na década de 1990 na TV Cultura, sabíamos que, no futuro, o jornalismo ia ser transmitido direto da redação. Então, o SBT saiu na frente, com o Boris Casoy. Eles faziam de conta que o jornal era transmitido direto da redação. Enquanto o Boris falava, tinham 3 figurantes sentados atrás, batendo na máquina de escrever. Na verdade, aquilo tudo era cenário! Um dos últimos projetos de cenário que fiz foi uma mistura de arquitetura e cenografia, para o estúdio de onde seria feita a transmissão do Jornal da Cultura. Era um estúdio, onde iam estar todos os repórteres trabalhando. Era uma reforma do espaço físico do estúdio com característica de cenário. Aquilo que o SBT fingia que era redação, íamos fazer de verdade, dentro do espaço físico. Hoje, esta interação é inevitável e isso pode ser usado tanto para o bem quanto para o mal.

[Luiza]: Especialmente em programas educativos, certo?


[Alexandre]: Sim! Se quiserem usar para o bem em um programa educativo, vai ser ótimo! Acho que vai melhorar. Sou um otimista! Tecnologia nova tem que ser incorporada, fazer e trabalhar em cima disso!
Uma coisa muito legal no Castelo Rá-tim-bum é que todos estávamos cientes que era um programa educativo, que ia ajudar no aprendizado das crianças. Tinha a música do Arnaldo Antunes de ensinar lavar as mãos; era um programa que levantava bandeira contra o preconceito, por exemplo, tinha uma personagem azul que tinha que ser aceita da cor que ela fosse, falando sobre a tolerância e a aceitação do diferente. Tinha toda uma equipe de professores por trás de tudo. Lembro que a Dedolândia [quadro com dedos cantores que ensinavam a contar] teve que ser regravada: “vamos ter que gravar de novo. Está lindo o cenário, os bonequinhos são lindos, mas não ensina de fato a contar, porque a música é muito rápida! As luzes são muito rápidas, fica um showzinho que não cumpre seu propósito, que é o de ensinar a contar”. Tivemos que gravar tudo de novo, com a música mais lenta.
Dentro do estúdio, tinha um professor de português. Caso alguém mudasse uma frase, colocasse um caco [improvisação] ou adaptasse para ficar melhor, tinha um professor para atestar que não tinha concordância errada, verbo errado, palavra errada. É uma TV educativa, precisávamos seguir as normas. Mesmo na hora de qualquer brincadeira, sempre utilizavam o português correto e a direção perguntava para no estúdio “Continuidade, tudo bem? Cenografia, tudo bem? Luz, tudo bem? Professor, tudo bem?” e, só então, prosseguia.

[Luiza]: Como é a experiência de dar aula para esta geração de alunos que cresceu assistindo ao Castelo Rá-tim-bum?


[Alexandre]: Tenho muito orgulho e felicidade de ter feito parte desta equipe, deste trabalho e do reconhecimento que teve isso tudo. Foi uma oportunidade única poder trabalhar com educação infantil de massa. Fiz parte deste projeto e sei que, por trás da brincadeira toda, ajudei a dispersar um pouco mais de cultura, de arte. Estava ajudando a formar aquelas crianças, que hoje são meus alunos da Universidade. Muitos alunos falam: “Alex, você estava lá quando eu era criança. E agora você está aqui de novo!” Foi algo que impactou as pessoas positivamente. Tanta gente faz tanta porcaria e impacta negativamente, e tive  a oportunidade de fazer parte de um programa que impactou positivamente. Pode não ter dado grana, e a intenção nem era a de ficar rico, mas de fazer um trabalho bem feito. E acho que foi um trabalho bem feito.


LUIZA TESTA, formada em Letras Francês-Português pela USP e está se especializando em Curadoria e Crítica de Artes Visuais.

Luiza Testa

Agradeço aqui à Luiza (realizadora do rico texto acima) por ter nos enviado o material e ter se preocupado com a expansão do público do seu trabalho e com informação em nosso portal. É sempre bom quando outras pessoas se dispõe a participar de um processo que é para todos e que deve ser absorvido por esse todo. As perguntas carregam em si um grau elevado de conhecimento e trazem para os leitores questões certeiras do trabalho de Suárez.


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