É a partir do conhecimento da realidade de produção das obras do artista, ou seja, do contexto, da quantidade realizada, sua importância histórica, que podemos responder se Aleijadinho existiu ou não.
Há controvérsias sobre sua data de nascimento e detalhes de sua vida, porém, de acordo com grande parte de suas biografias e historiadores, Antônio Francisco Lisboa, conhecido como Aleijadinho, nasceu em Vila Rica, atual Ouro Preto (Minas Gerais), em 1730.
Maior nome do estilo artístico barroco brasileiro, o escultor, entalhador e arquiteto, tem como base em suas obras a questão da religiosidade, sendo algumas delas: esculturas do Santuário do Bom Jesus de Matosinhos, retábulos e projetos de fachadas de Igrejas. Filho de uma escrava com um imigrante português, Aleijadinho durante sua vida adulta, contraiu uma doença degenerativa e morreu em 1814, em sua terra natal.
Isso é o que a história nos contou durante décadas. É possível não seja verdade, pelo menos parte do que aprendemos.
Para entender a vida e a questão por trás da veracidade de sua existência, é necessário compreender inicialmente o contexto histórico e literário em que Aleijadinho esteve ligado. No fim do século XVI até meados do século XVIII, temos o período barroco na Europa; onde a arte passou a ser usada fortemente como forma de reafirmar o poder da fé católica ante o avanço do protestantismo e consolidar os poderes monárquicos. É importante lembrar que este estilo está inserido em um contexto de transformações políticas, econômicas e sociais, se situando “no meio” de:
Ao mesmo tempo em que a Igreja Católica buscava:
Assim, essa arte, que apresenta elementos estéticos de tendências advindas da França, Itália, Espanha e Portugal, tem como características marcantes o dualismo, forte apelo emocional e riqueza de detalhes.
É nesse contexto de transformações na Europa que o barroco brasileiro e Aleijadinho se inserem. Com a chegada dos portugueses ao Brasil, essa arte passa a ser desenvolvida a partir do século XVIII, sendo esse “atraso” justificado pela missão inicial do império português em assegurar a conquista do território nas esferas políticas, econômicas e geográficas. Ao longo desse tempo, a arte brasileira passou a incorporar elementos relacionados à sua realidade interna, tais como:
Portanto, por fazerem parte de realidades práticas e históricas distintas, o barroco brasileiro e o europeu possuem certas divergências plásticas. No caso do brasileiro, é no estilo rococó (desdobramento do barroco) mineiro que se encontra sua expressão mais original.
A extrema religiosidade popular se expressa em um espírito contido e elegante, gerando templos harmônicos e dinâmicos de arquitetura em planos circulares, decorados em pedra-sabão; as construções monumentais são substituídas por templos de menores dimensões e decoração requintada, mais apropriados à espiritualidade e às condições materiais do povo da região. Temos como expoente máximo desse estilo o Aleijadinho.
O barroco possui características intrinsecamente relacionadas ao contexto da Igreja Católica e com as mentalidades dos homens naquele período; os textos, quadros, a arquitetura desse estilo são resultados de expressões, emoções e vivências. Não podemos desvincular a vida da arte nem a arte da vida.
Tem-se, portanto, um debate extremamente interessante sobre a existência ou não de uma figura histórica de grande relevância com ótimos argumentos de ambos os lados. Isso não se limita ao Aleijadinho, figuras como Sócrates e Shakespeare, por exemplo, também possuem polêmicas no que tange esta questão da existência histórica. Assim, precisamos, muitas vezes, refletir sobre nossos posicionamentos e convicções. Por fim, ficam alguns questionamentos:
Se sim, por que você acredita mesmo com a ausência de documentações concretas sobre sua vida e autoria de boa parte de suas obras?
Se não, por que as biografias, obras com seu estilo único refletidas também pela sua doença, não te convencem?
A figura que nos foi passada representa um homem ou mito? Que implicações a escolha da imagem transmitida pode gerar na história e nos espectadores?
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Quem e o animal que contestaria a existencia de Aleijadinho se sabemos exatamento onde estao enterrados os restos mortais dele, que ate mesmo tivemos que realocar???... Nego viaja demais nas ideias
Aleijadinho pode sim, ser um Mito.. A teoria de que podem ter existido vários aleijadinhos não é descartada. Enfim.. As grandes transformações da época na Europa, somada aos interesses políticos e religiosos do pais, não seria inoportuno crer que tanto a Igreja quanto o Estado possam ter criado o Mito aleijadinho, historicamente, sempre que o poder religioso ou governamental estão em risco, cria-lo é sempre um boa opção.
Assim como o mito Aleijadinho, heroi das arte barroca popular brasileira, pode ter sido criado no Estado Novo na ditadura de GV, o Carnaval e suas escolas de samba também foi um artifício forjado pelo interesse político do ditador para criar essa importante aura de nacionalismo brasileiro, uma alegoria para trazer uma personalidade cultural ao Brasil. Mesmo caso de Carmem Miranda, uma branca europeia que foi forjada a assumir uma identidade tropicalmente brasileira para exportar uma imagem que beneficiaria o Brasil em sua crise de identidade genuína. Enquanto isso, capoeira, samba de roda e candomblé, realmente evoluídos ou desenvolvidos no Br, eram vistos como coisa proibida, pois depunham contra a imagem de eugenia que se pretendia construir. Aleijadinho é o próprio retrato do brasileiro, essa figura deficiente, até certo ponto limitada e ainda assim romantizada com as bençãos da igreja e da classe dominante. Não questiono sua existência, mas não me parece que tudo que é atribuído a ele de fato assim o seja.
Muito bom, Fabiano. Obrigado.