“Spider” de Louise Bourgeois, a aranha mais famosa da coleção brasileira de arte contemporânea, foi arrematada no último dia 18 em Nova York, em um leilão da Sotheby’s, por U$ 32.805.500,00 causando uma verdadeira mistura de opiniões entre artistas, museólogos, críticos e curadores. Isso porque a obra, que pertencia à Fundação Itaú, ficou exposta no Museu de Arte Moderna de São Paulo por mais de 20 anos e representa um ícone da arte mundial.
“Spider”, da artista francesa naturalizada norte americana Louise Bourgeois, foi produzida em 1996. Com três metros de altura e mais de 5 metros de largura, a aranha tem membros em forma de agulha e era chamada de “Mamam” por Bourgeois, já que é uma homenagem às memórias de sua mãe, uma tecelã de tapeçaria “Porque minha melhor amiga era minha mãe e ela era cuidadosa, inteligente, paciente, calmante, razoável, delicada, sutil, indispensável, organizada e tão útil quanto uma aranha”.
Exibida na 23a Bienal de São Paulo, em 1996, Spider foi a peça central do chamado Salão de Bourgeois. A obra encantou o empresário Olavo Setúbal (1923-2008), patriarca da família controladora do grupo Itaú, que adquiriu a peça. Sua prima, Milu Villela, presidente do MAM-SP, pediu ao empresário que emprestasse a Aranha ao museu. Desde então, a Aranha tornou-se um ícone na coleção de arte global brasileira.
A obra foi exibida para mais 2,2 milhões de pessoas ao viajar para importantes exposições em instituições do Brasil e América Latina, incluindo Museu Oscar Niemeyer, Museu do Inhotim, Fundação Iberê Camargo e Museu de Arte do Rio. Em 2018, passou a ocupar a Sala de Vidro do MAM-SP, em comemoração aos 70 anos do museu, tornando-se parte integrante da paisagem das marquises do parque do Ibirapuera. Ali, a aranha ganhou seu ninho e era admirada por outros tantos milhões de pessoas que por ali circulavam.
Embora “Spider” tenha sido arrematada por um valor inferior ao esperado (U$ 40 milhões), sua venda por U$ 32 milhões configura um novo recorde de vendas para Bourgeois, cujo recorde anterior era de US$ 28 milhões, estabelecido na Christie’s em maio de 2019 por outra aranha desta série de 1996.
“Spider” passa a ser a mais valiosa escultura por uma mulher vendida em leilão, além de tornar-se a segunda obra de arte mais cara de uma mulher já vendida em leilão. O atual recorde pertence à pintura “Jimson Weed” (1936), de Georgia O’Keeffe, adquirida por $ 44,4 milhões em 2014.
Kelsey Leonard, chefe do leilão da Sotheby’s, disse que ver a peça “alcançar um preço recorde para Louise Bourgeois é um momento verdadeiramente especial. As aranhas de Bourgeois são, sem dúvida, verdadeiras obras-primas da arte do século 20. Amadas em todo o mundo, essas esculturas poderosas e delicadas têm uma presença marcante”, disse Leonard. A identidade do comprador não foi revelada.
Porém as conquistas numéricas que impressionam o mercado internacional não impressionam agentes do mercado nacional que enxergam a venda da obra como uma perda inestimável para a coleção brasileira. Considerada o grande destaque do acervo da Fundação Itaú e do MAM, a Aranha é considerada uma perda institucional, artística e cultural para o Brasil “É triste, parte o coração de quem quer que seja do meio da arte saber dessa venda. Estão todos chateados”, afirma a museóloga Marlise de Andrade Corsato, que trabalhava no MAM-SP no ano de sua chegada.
“Meu coração está partido. Nunca mais verei a casinha aonde fui tão feliz alegrando a vida de milhões de pessoas. O meu dono não me quer mais. Ele está me vendendo num leilão porque eu sou uma estrela e vou render um dinheirão. Quem vai me comprar? Um sheik, um oligarca? Será que eu vou parar num museu das Arábias ou no depósito de um aeroporto suíço? Hoje percebo que eu nunca passei de um investimento, que a vontade do meu dono era se livrar de mim assim que surgisse uma oportunidade. Eu sei que a grana que ele vai ganhar com a minha venda não se compara, nem de longe, com o lucro trimestral dos seus negócios. Mas o lema dele é ‘sempre em movimento’. E o movimento agora é fazer a Aranha dar retorno financeiro”, publicou a crítica de arte Magnólia Costa, que teve longa carreira no MAM-SP.
A Aranha da coleção da Fundação Itaú não era a única de Bourgeois. Trata-se de uma série de aranhas que também foram compradas por importantes instituições culturais e podem ser vistas em locais públicos em todo o mundo, como o Museu Guggenheim em Bilbao, a Dia Art Foundation em Nova York, a National Gallery of Canada em Ottawa e a Tate Modern em Londres.
David Galperin, chefe de arte contemporânea da Sotheby’s em Nova York, disse em um comunicado: “A aranha se tornou um ícone global. Todo mundo a conhece porque é muito conhecida em instituições culturais de todo o mundo. inteira”. “Não é apenas um exemplo brilhante da escultura moderna, mas também se tornou um símbolo importante da cultura moderna em todo o mundo.”
Artista visual, pintora e escultora francesa naturalizada norte americana, Louise Bourgeois (1911 – 2010) deixou uma enorme marca na história com seus escritos e obras que inspiram diversos artistas contemporâneos. Fortemente influenciada pelo surrealismo, pelo primitivismo e modernismo, seus trabalhos tendem a ser altamente simbólicos e estão presentes em várias coleções permanentes em museus ou galerias pelo mundo afora.
O amor de Louise Bourgeois por toda a natureza teve origem em sua infância. Nascida em Paris, cresceu em um jardim perto de árvores cercada por flores, plantas comestíveis e uma variedade de animais. A fauna e flora tornaram-se um dos temas basilares de seu trabalho, junto da família e emoções. “As metáforas na natureza são muito fortes … a natureza é um modo de comunicação”, disse ela certa vez.
A artista tem uma relação especial com as Aranhas. “Eu vejo a aranha como a salvadora”, explicou ela. “Ela nos salva de mosquitos…”. Louise via as aranhas como protetoras, inteligentes e inventivas, qualidades que ela amava em sua mãe.
As aranhas apareceram em seus desenhos e gravuras no início da década de 1940 e, na década de 1990, tornaram-se frequentes em todo o seu trabalho – inclusive como esculturas gigantes.
Bourgeois morreu de insuficiência cardíaca aos 98 anos, em 2010.
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