Opinião

A Bienal e suas implicações conceituais

A Bienal Internacional de São Paulo em sua 33º edição tem como título “Afinidades Afetivas”, inspirado no romance “Afinidades Eletivas”, obra publicada em 1809 pelo alemão Johann Wolfgang von Goethe e na tese “Da Natureza Afetiva da Forma na Obra de Arte” (1949) de Mário Pedrosa. O tema em si permite uma série de considerações, propondo uma infinidade de propostas artísticas vinculadas ao aprofundamento das reflexões sobre a própria energia da arte que espelha as suas potencialidades e os seus enigmas

O curador Gabriel Pérez-Barreiro tem o intuito de estimular o espectador na observação das obras sem oferecer um olhar curatorial. A ideia é em certo sentido inovadora outorgando a sete artistas curadores a participarem do evento indicando artistas para comporem a atual edição. Um detalhe porém chama a atenção, os artistas curadores expõem também suas obras confrontando com as propostas dos escolhidos preenchendo portanto duas posições curador e artista de suas obras e dos selecionados.

A atual edição é de certa forma bem compacta, com espaços vazios em demasia criando um clima de pouco impacto, dando a sensação de falta de ritmo e pouco conteúdo, mas com pontos cruciais de grande destaque como o espaço de Waltércio Caldas em que sutilmente confronta obras de Vicente do Rego Monteiro, Jorge Oteiza, Richard Hamilton, Sergio Camargo, José Resende, Milton Dacosta, Tunga e Vicente do Rego Monteiro com trabalhos extremamente requintados de sua autoria, que representa um primor nos resultados plásticos alcançados, arrojo e transparência. No mesmo terceiro andar, a curadoria de Mamma Anderson, artista sueca, se destaca com referências históricas que enaltecem o mistério do tempo com suas nuances reflexivas, vale observar atentamente as obras dos artistas selecionados pelo sensível olhar da artista escandinava.

No primeiro andar, Sofia Borges cria um clima extremamente impactante com um labirinto de cortinas aveludadas compondo uma conexão com obras de Tunga, Sarah Lucas, Leda Catunda, Antonio Malta Campos, Tal Isaac Hadad, Sara Ramo com artistas do Museu de Imagens de Inconsciente como Adelina Gomes e Carlos Pertuis. Caso o visitante sofra claustrofobia melhor não enfrentar o instigante confronto das obras no cortinado espaço, por ser denso e dramático.

Paralelamente, aos sete núcleos dos artistas curadores, o visitante se defronta com 12 projetos individuais propostos pelo curador Pérez-Barreiro que delineiam novas descobertas e alguns resgates oportunos. No mezanino, Alejandro Corujeira realiza uma obra em que a madeira e o cobre se conectam nas ondulações das formas e na envolvente contemplação do visitante. Bruno Moreschi, porém, trabalha com imagens de arquivo e interferências eletrônicas propondo novos questionamentos que se amoldam no passado e no presente visando o futuro.

Caminhando pelos amplos espaços, pode-se visualizar no segundo andar, as peças de Lucia Nogueira (1950-1998), artista brasileira, que desenvolveu sua carreira em Londres, pouco conhecida no Brasil, mas que teve grande destaque na cena londrina, criando obras com a utilização de objetos cotidianos, uma conotação de confronto e inquietude.

Um outro projeto que chama a atenção é de Aníbal Lopez (1964-2014) com uma incursão profunda pela situação política e social da Guatemala, seu país de origem.

Observando detalhadamente a obra de Denise Millan, que ocupa estrategicamente o terceiro andar, percebe-se a sutileza da pedra na essência de sua formação, a terra a dialogar com o ser humano numa dimensão teatral impactante. Um conjunto de peças que proporciona uma harmonia de formas e perfis a dimensionarem perspectivas reflexivas do homem frente à natureza com seus mistérios e poderes.

Vânia Mignone, artista campineira, se destaca por uma pintura vibrante no traço e nas cores a espelharem aspectos da vida cotidiana com extrema agilidade num ritmo musical inerente em cada detalhe.

Siron Franco apresenta uma série de obras calcadas no drama que ocorreu em Goiânia, ao ser encontrado num terreno baldio na rua 57, uma cápsula de césio 137, substancia altamente radioativa, ocasionando uma quarentena na cidade. A série Césio representou uma revolução na sua linguagem, marcando um novo olhar frente as questões sociais da realidade atual com seus dramas, a arte registrando a complexidade humana nas suas inúmeras facetas.

A Bienal traz em seu amago questões a serem discutidas e analisadas, proporcionando uma leitura das potencialidades da arte com suas implicações conceituais, a cada edição percebe-se que os enfoques são diversos refletindo as transformações da sociedade.

De um modo geral a 33º Bienal está bem longe das antigas edições dos anos 50, 60, 70, 80 e 90, em que o espectador podia aquilatar o fluxo artístico de forma ampla, com artistas dos mais diversos países, sem falar do núcleo histórico, um referencial marcante, as grandes bienais ficaram na bruma de um tempo perdido. Atualmente o tempo é bem tenebroso, notadamente com a tragédia do Museu Nacional da Quinta da Boa Vista, que demonstra a falência do sistema, sem educação e cultura o país não avança.

 

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José Henrique Fabre Rolim

Jornalista, curador, pesquisador, artista plástico e crítico de arte, formado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Unisantos (Universidade Católica de Santos), atuou por 15 anos no jornal A Tribuna de Santos na área das visuais, atualmente é presidente da APCA (Associação Paulista de Críticos de Artes), colunista do DCI com matérias publicadas em diversos catálogos de arte e publicações como Módulo, Arte Vetrina (Turim-Itália), Arte em São Paulo, Cadernos de Crítica, Nuevas de España, Revista da APCA e Dasartes.

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