Opinião

A gravura como expressão maior

O Instituto Tomie Ohtake apresenta uma excepcional mostra “O Rinoceronte: Cinco Séculos de Gravuras” reunindo 154 obras de 41 mestres, provenientes do Museu Albertina de Viena, uma instituição fundada 1776 pelo Duque Albert von Sachsen-Teschen, o seu acervo é formado por 50 mil desenhos e em torno de um milhão de gravuras.

O Museu Albertina se destaca pelo seu precioso acervo gráfico, que se originou de uma doação do embaixador italiano Giacomo Durazzo, em 1776 ao Duque Albert, inicialmente a coleção era formada por mil obras, tendo se ampliando com o decorrer dos anos pelos sucessores que incluíram uma infinidade de peças abrangendo vários períodos da arte do clássico ao moderno e contemporâneo.

A aquisição de obras foi intensificada depois da estatização da instituição, em 1919, mas após 1945, a arte contemporânea se destaca com o Expressionismo Alemão e Austríaco, a arte norte-americana e alemã da segunda metade do século XX e a arte austríaca do final dos anos 40 em diante. Atualmente as aquisições se concentram em personalidades marcantes das artes como Jim Dine, Georg Basilitz, Andy Warhol e Kiki Smith.

A peça iconográfica da mostra é a xilogravura O Rinoceronte – Rhinocerus (1515) de Albrecht Dürer (1471-1528), que utilizava de forma pioneira esta técnica de impressão para divulgar fatos diários em palavras e imagens.

Justamente o mais popular “jornal” como os informativos da época eram denominados, características próprias dessa importante peça. Como curiosidade deve-se salientar que tal animal foi enviado, em 1515, de presente a Sua Santidade em Roma pelo rei português Dom Manuel I, mas acabou naufragando durante uma tempestade antes de chegar em Genova. No continente europeu, esse animal só era conhecido por meio de antigos relatos, narrativas escritas. A fim de garantir destaque ao fato, um relatório detalhado com imagens foi enviado de Lisboa a comerciantes alemães, logo após a chegada do rinoceronte levada dos trópicos à Europa. Surgiu assim a base da obra de Dürer. Na parte superior, lê-se uma passagem do relatório lisboeta; embaixo, Dürer, criou sua própria imagem da besta descrita no texto: uma máquina de combate, o corpo blindado com escudos poderosos, pernas escamosas: no nariz, um chifre poderoso e pontiagudo; na nuca, outro chifre menor; o olhar sorrateiro e os beiços pendentes. Embora Dürer não tenha criado a imagem da besta a partir da observação, mas sim da pura imaginação, a imagem concebida determinou até o século XIX, uma projeção mítica da aparência do animal raramente visto. Nos século XVI e XVII, a obra de Dürer já estava se espalhando pelo mundo, até mesmo os mais longínquos locais da Ásia, onde o animal era originário e na América do Sul. As técnicas da gravura possibilitaram a difusão de palavras e imagens, aproximando as pessoas às obras de arte. Entre os mais exponenciais artistas da época, Ticiano (1488-1576) foi o primeiro a permitir a reprodução de suas obras em xilogravura por gravadores profissionais, propondo ampla visualização de suas incursões criativas.

A exposição atual é a primeira do Museu Albertina na América do Sul, uma história de 250 anos, que possui um dos maiores acervos de arte gráfica do mundo.

Uma panorâmica bem representativa da Albertina desde os notáveis gravadores alemães como Martin Schongauer e Albrecht Dürer passando pelos renascentistas e barrocos Andrea Mantegna e Rembrandt e por modernos como Henri Matisse, Picasso, Marc Chagall e Joan Miró, expressionistas como Edvard Munch, Ernst Ludwig Kirchner e Karl Schmidt-Rottluff. Do pós-modernismo ao contemporâneo com Andy Warhol e Kiki Smith, a mostra traça uma visão da gravura, suas técnicas, usos e transformações ao largo de 500 anos da história da arte.

Pontos cruciais como o advento da xilogravura no início do século XV, da calcogravura em meados do mesmo século e da água-forte no fim desse período contribuíram para o desenvolvimento da gravura, mas no início do século XIX, a descoberta da litografia ocupou lugar de destaque possibilitando a difusão da arte no seu senso pleno. Outras técnicas com o correr do tempo foram desenvolvidas como a cromolitografia, a heliogravura, a linoleogravura, a meia-tinta (mezzotinto, maneira negra), a monotipia, a ponta-seca, a serigrafia, o verniz mole, a xilogravura colorida e a xilogravura em chiaroscuro. Praticamente todas as técnicas estão representadas nas obras expostas dando ao visitante um deleite em cada detalhe.

Deve-se observar que a gravura em ponta-seca desenvolve um trabalho bem característico, utilizando pincel mergulhado nas substancias corrosivas propicia o realce do desenho atingindo um alto empenho como pode ser admirado nas obras de Rembrandt (1606-1669) acrescentando um frescor renascentista notadamente nas sombras.

Interessante notar que nos séculos XVII e XVIII, a meia-tinta (mezzotinto) possibilitou o sfumato e com a água-tinta a impressão de diversos tons de cinza sobre superfícies amplas. O mestre desta técnica foi Francisco José de Goya Y Lucientes (1746-1828), aprofundando a questão da sombra em temas dramáticos como a peste e a loucura. Por outro lado, Giovanni Battista Piranesi (1720-1778) tem a arquitetura como foco principal de suas gravuras em água-forte, na mesma técnica Canaletto (1697-1768) constrói surpreendentes panoramas de Veneza.

A mostra é extremamente elucidativa para os apreciadores da gravura como expressão artística de alto nível, onde a técnica e a criatividade se completam proporcionando o aprimoramento do requinte estético, tanto nos temas propostos como nos detalhes.


Leia também:
O papel da gravura no Brasil

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José Henrique Fabre Rolim

Jornalista, curador, pesquisador, artista plástico e crítico de arte, formado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Unisantos (Universidade Católica de Santos), atuou por 15 anos no jornal A Tribuna de Santos na área das visuais, atualmente é presidente da APCA (Associação Paulista de Críticos de Artes), colunista do DCI com matérias publicadas em diversos catálogos de arte e publicações como Módulo, Arte Vetrina (Turim-Itália), Arte em São Paulo, Cadernos de Crítica, Nuevas de España, Revista da APCA e Dasartes.

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