Opinião

André-Charles Armeilla: um fotógrafo esquecido

A cidade do Rio de Janeiro é uma das mais fotografadas do mundo desde o século XIX, proporcionando uma visão preciosa das transformações ocorridas no decorrer dos anos. O incrível cenário de montanhas emoldurando a Baia da Guanabara, considerada como uma das mais belas do mundo atraiu uma série de fotógrafos que desvendaram o Rio na sua exuberância com os seus contrastes marcantes. A sua malha urbana que esconde preciosidades arquitetônicas que fizeram a história do nosso país desde os tempos mais remotos aos mais recentes.

Dentre os inúmeros livros que foram publicados sobre o Rio, principalmente no que diz respeito à área da fotografia, um instigante estudo lançado recentemente com o sugestivo título “Armeilla, um mestre esquecido da paisagem carioca” pela Editora Capivara, chama atenção dos amantes da fotografia em geral, resultado de uma pesquisa bem alicerçada sobre o desconhecido fotógrafo André-Charles Armeilla, nascido na França, que se instalou no Rio em 1903, depois de ter exercido seu ofício no Uruguai, onde assinava seus negativos como A. Armeilla.


Arcos da Lapa: Armeilla ganhava a vida vendendo fotos para revistas da época,
como Kósmos e Careta

Tendo que sobreviver no Rio, o fotógrafo vendia as suas fotografias, grande parte sem assinatura para a imprensa daquela época, muitas das quais eram publicadas na revista Kosmos (outubro 1908) e Careta (novembro 1911), interessante notar que na Kosmos não teve o nome creditado, mas na Careta o crédito saiu Armaeilla. Posteriormente, em 1912, cinco fotos de sua autoria notadamente do Theatro Municipal, da Biblioteca Nacional e do Jardim Botânico entre algumas outras acabaram ilustrando o livro impresso na Alemanha intitulado “Brasilien, Ein Land Der Zukuwet” (Brasil, Um País do Futuro), mas não recebeu crédito. A sua preocupação era conseguir se manter, não estando interessado em divulgar seu nome.

Várias imagens de sua autoria viraram cartões postais, sendo que um dos mais ativos editores foi o tipógrafo e comerciante Antonio Caetano da Costa Ribeiro, que se identificava como A. Ribeiro, aliás uma das fotos de Armeilla que enfoca a Avenida Beira Mar, além de cartão postal, ilustrou a cédula de 10 mil réis que circulou de 1918 a 1950.


Bairros do Leme e de Copacaba: Muitos dos registros de Armeilla viraram cartões-postais – um deles estampou a cédula de 10 mil réis, em 1918

O belíssimo livro de autoria de Pedro Correa do Lago com a colaboração de Agenor Araújo Filho resgata o percurso do fotógrafo, resultado de profunda pesquisa nas bibliotecas e arquivos. Reunindo uma série 180 imagens impecáveis do Rio com um apuro técnico invulgar, algumas fotografias conseguem se alinhar numa linguagem pictórica sutil, realçando as nuvens e o mar de forma poética.

Os registros são extremamente envolventes abrangendo pontos icônicos da cidade partindo do Pão de Açúcar ao Jardim Botânico, do morro do Corcovado (sem o Cristo Redentor, inaugurado em 1931) à Floresta da Tijuca, da Avenida Central aos Arcos da Lapa, passando pela enseada de Botafogo, pela Gloria, pelo Catete e por Santa Teresa entre tantos outros recantos, além de Niterói, Ilha de Paquetá e Petrópolis.


Pedro Corrêa do Lago é o dono da maior coleção particular de manuscritos do mundo.

Sua obra apesar de pouco difundida, pode ser incluída no rol dos grandes fotógrafos que retrataram o Rio no final do século XIX e início do século XX como Marc Ferrez e Augusto Malta, além de Juan Gutierrez, Augusto Stahl, Revert Henrique Klumb, Theodor Preising, João Martins Torres, Carlos Bippus, Joaquim Insley Pacheco, José Ferreira Guimarães, Camillo Vedani, Alberto Henschel entre tantos outros consagrados mestres que se encantaram com a paisagem natural da cidade.

Infelizmente, Armeilla foi encontrado morto, no dia 15 de maio de 1913, na rua Bento Lisboa, no Catete, por um policial e sepultado como indigente no Cemitério de S. Francisco Xavier. Segundo o atestado de óbito, André-Charles Armeilla de 60 anos presumíveis, morreu de moléstia não determinada.


Bairros do Leme e de Copacabana: fotógrafo foi enterrado como indigente no cemitério do Caju

Sua obra que abrangeu um período de 10 anos, notadamente no Rio, ficou esquecida por nunca ter se preocupado em difundir seu nome, outro fator decisivo foi não ter deixado descendentes e/ou seguidores que poderiam perpetuar o seu inquestionável valor.

Os seus registros eram alicerçados num olhar aprimorado, que captava os tons da paisagem como ninguém. O presente livro preenche essa lacuna realçando o brilho de um grande fotógrafo que com sensibilidade registrou a cidade do Rio na plenitude de sua natureza e na magia da Belle Époque.


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José Henrique Fabre Rolim

Jornalista, curador, pesquisador, artista plástico e crítico de arte, formado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Unisantos (Universidade Católica de Santos), atuou por 15 anos no jornal A Tribuna de Santos na área das visuais, atualmente é presidente da APCA (Associação Paulista de Críticos de Artes), colunista do DCI com matérias publicadas em diversos catálogos de arte e publicações como Módulo, Arte Vetrina (Turim-Itália), Arte em São Paulo, Cadernos de Crítica, Nuevas de España, Revista da APCA e Dasartes.

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