Opinião

Basquiat, da street art ao neoexpressionismo

A arte envolve o ser humano de forma vital, transpondo barreiras, inovando e perscrutando constantes desafios, proporcionando uma infinidade de leituras, de visões do mundo em suas complexas realidades.

A cidade como trama urbana extremamente contrastante, nos seus aspectos sociais e culturais reflete um universo dos mais empolgantes para decifrar os significados das influencias que geram criações artísticas de forte impacto. A dinâmica da urbe com as suas constantes transformações permite ao artista estímulos visuais essenciais para a realização de obras multifacetadas como incursões mais subjetivas, intimistas e provocadoras.

A retrospectiva de Jean-Michel Basquiat (1960-1988) no CCBB – Centro Cultural Banco do Brasil, possibilita ao visitante compreender o dinamismo da arte nas décadas de 70 e 80, na Big Apple. Reunindo 80 obras entre pinturas, gravuras, desenhos e pratos pintados, pertencentes ao colecionador israelense Jose Mugrabe, a mostra reflete a visão de um artista que viveu intensamente num período bem curto de vida.



A polêmica sempre cercou as suas incursões, alguns desprezam outros o idolatram, posições diametralmente opostas que se desfazem a uma análise mais detalhada de seu percurso.

Tendo começado em 1977, a grafitar prédios abandonados em Manhattan, juntamente com seu amigo Al Diaz, a sua vida se pontuou como um desafio contínuo, num diálogo constante com a cidade. A assinatura dos grafites chamava a atenção: SAMO ou SAMO shit (Same old shit) sempre a mesma merda. Essa fase terminou com a frase “SAMO is Dead” escrito nas paredes das construções decadentes do SoHo nova-iorquino, prevendo a explosão da arte urbana. ( SoHo – South of Houston)

Em 1979, Basquiat com seu carisma envolvente participava constantemente de programas de TV, tornando-se uma celebridade repentinamente. Formou uma banda denominada Gray com o ator Vincent Gallo, tendo tocado nos lugares mais imprevisíveis além de clubes de destaque da época como Max’s Kansas City, Hurrahs e o Mudd Club. A dupla Basquiat e Gallo atuou no filme Downtown 81, conhecido também como New York Beat Movie, que retrata a subcultura da era pós-punk de Manhattan, dirigido por Edo Bertoglio, filmado entre 1980-1981 e lançado em 14 de março de 2001.

Basquiat participava de mostras em Nova York ao lado de artistas como Keith Haring e Barbara Kruger, frequentava com assiduidade a cena cultural na companhia de Julian Schnabel, David Salle além de famosos curadores, colecionadores e especialistas em arte que já o identificavam como neo-expressionista. Namorou até uma cantora, a Madona, na época uma simples desconhecida, conheceu Andy Warhol e manteve uma grande amizade, colaborou intensamente com o ícone da pop arte americana. Foi capa da revista do The New York Times com uma reportagem completa sobre sua carreira fulminante, estimulando a realização de diversas mostras pelo mundo, notadamente pelas capitais europeias, uma consagração estupenda. Infelizmente, Basquiat, morreu devido a um coquetel de drogas, cocaína e heroína, em seu estúdio, em 1988.

O filme “Basquiat, Traços de uma vida”, lançado em 1996, dirigido por Julian Schnabel e com o ator Jeffrey Wright no papel do artista, realça a ascensão meteórica de um artista descoberto por Warhol e o alto preço do sucesso alcançado.

O neoexpressionismo

A obra de Basquiat é lúdica, defini-la como neo-expressionista acaba limitando a sua abrangência, representa algo comportamental, uma atitude rebelde enfrentando o gigantismo da cidade e sua desenfreada corrida contra o tempo, buscar soluções rápidas para problemas indecifráveis, um teatro do absurdo que atinge a todos, contestar, confabular, refletir e inovar, são pedaços de um mosaico imaginário de ilusões e projeções.

Basquiat, um ícone pop, uma personalidade marcante, um afro-descendente que rompeu barreiras, se posicionou como um artista que se insurgia com as desigualdades, os preconceitos, a censura nas artes, entre tantos males que até hoje assolam a área cultural.

Veja também:

Não foi possível salvar sua inscrição. Por favor, tente novamente.
Sua inscrição foi bem sucedida.
José Henrique Fabre Rolim

Jornalista, curador, pesquisador, artista plástico e crítico de arte, formado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Unisantos (Universidade Católica de Santos), atuou por 15 anos no jornal A Tribuna de Santos na área das visuais, atualmente é presidente da APCA (Associação Paulista de Críticos de Artes), colunista do DCI com matérias publicadas em diversos catálogos de arte e publicações como Módulo, Arte Vetrina (Turim-Itália), Arte em São Paulo, Cadernos de Crítica, Nuevas de España, Revista da APCA e Dasartes.

Recent Posts

Roteiro de arte para Dezembro

As férias estão chegando, e São Paulo está cheia de opções culturais imperdíveis! Com uma…

4 dias ago

Como ganhar dinheiro sendo artista: um guia prático

Fizemos um guia prático com dicas para te ajudar a ganhar dinheiro sendo artista.  Hoje,…

1 semana ago

Início do Neoclassicismo – Antiguidade grega, imitação e poesia

Da segunda metade do século XVIII ao início do século XIX ocorreram inúmeras discussões no…

1 semana ago

Michelangelo e a pintura do teto da Capela Sistina

A Capela Sistina iniciada no século XV, deve seu nome ao Papa Sixto IV della…

1 semana ago

A arte grega e seus diferentes períodos

Muitos séculos e fases caracterizaram o período de produção da arte grega. Embora se sobreponham,…

1 semana ago

O “boom” do mercado de arte ultra contemporânea

O termo “arte ultracontemporânea” foi adotado pela plataforma Artnet para designar trabalhos feitos por artistas…

1 semana ago