Opinião

Bispo do Rosário, uma visão profunda do Brasil

No panorama da arte brasileira, Arthur Bispo do Rosário (1911-1989) se posiciona como um perscrutador da brasilidade no seu senso mais puro, da simplicidade estética ao confronto vivencial difícil superado pela criatividade lúdica que espelha o cotidiano numa projeção ampla captando a energia da alma. Um poeta que visualiza uma dimensão enraizada num Brasil telúrico, complexo e mágico na exuberância épica das viagens do inconsciente em mares misteriosos.

O Itaú Cultural (Av. Paulista, 149 – São Paulo) apresenta uma retrospectiva impactante e envolvente do excepcional Bispo do Rosário, reunindo 440 obras de um artista, que passou 50 anos na Colônia Juliano Moreira, em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, local por onde renomados vultos da cultura nacional marcaram presença como o escritor Lima Barreto (1881-1922) e o grande compositor Ernesto Nazareth (1863-1943). A mostra ocupa três andares da sede do Itaú Cultural, acolhendo também obras de 50 artistas contemporâneos que se relacionam com as incríveis peças concebidas por Bispo do Rosário como os bordados de Leonilson, as incursões têxteis de Rosana Paulino, além de obras de Sonia Gomes e Maxwell Alexandre.

Foto: José Henrique Rolim

A arte dos alienados foi reconhecida por diversos artistas entre os quais se destaca Almir Mavignier (1925-2018), que organizou com Léon Dégand e Lourival Gomes Machado a importante mostra Nove Artistas do Engenho de Dentro, no Museu de Arte Moderna de São Paulo – MAM-SP, em 1950. Um passo decisivo para a legitimação dessa arte chamado por Jean Dubuffet de “art brut” e definida por Mário Pedrosa como arte virgem.

Foto: José Henrique Rolim

Bispo do Rosário e Nise da Silveira

Foi no Engenho de Dentro que a formidável psiquiatra Nise da Silveira, a partir dos anos 40, trabalhou em defesa dos métodos humanizados de terapia, revolucionou o tratamento dos pacientes psiquiátricos. Valorizando a terapia por intermédio da arte, proporcionou uma transformação vital na difusão da criação artística dos alienados. Apesar das passagens de Bispo pelo Centro Psiquiátrico Nacional entre os anos de 1944 a 1948, não há registros de que ele tenha frequentado a seção de Terapia Operacional, criado por Nise da Silveira em 1946. Deve-se notar que o tratamento dispensado aos pacientes era extremamente violento desde o século XIX, com eletrochoque, lobotomia e confinamentos, aos poucos a partir da década de 40, os métodos foram remodelados, os manicômios sofreram uma revolução com o espirito visionário de psiquiatras como Nise da Silveira.

Aproximou-se de um Mosteiro anunciando a sua intenção de cumprir a missão almejada. Os cônegos o encaminharam ao Hospital Psiquiátrico onde foi diagnosticado como esquizofrenia paranoide, sendo transferido para a Colônia Juliano Moreira, instituição que permaneceu até sua morte em 1989.


Obras de Bispo do Rosário

Bispo criava suas obras utilizando objetos cotidianos da Colônia como botões, canecas, colheres, madeiras, calçados, garrafas entre tantos outros itens recicláveis. Produziu por outro lado, objetos por meio da técnica de bordado, utilizando lençóis, roupas e fios de seu uniforme, desfiando-os numa infinidade de propostas criativas que fazem uma incursão pelas linguagens artísticas intuitivamente previstas pela visão de um poeta inato.

A tradição religiosa está presente em sua obra como as festas populares, abrangendo mantos, bordados característicos, como a renda irlandesa que não tem avesso, um detalhe que permeia toda a sua obra. Descosturando uniformes, lençóis, tecidos projeta as potencialidades da arte. Suas obras se alinham à uma linguagem vanguardista comparadas à obra de Marcel Duchamp.

Foto: José Henrique Rolim

Na década de 80, a obra de Bispo começou a ser reconhecida no setor das artes culminando com a exposição “À Margem da Vida” no MAM do Rio de Janeiro, em 1982. Atualmente suas obras estão expostas no Museu Bispo do Rosário, localizada na antiga Colônia Juliano Moreira.


Serviço

Bispo do Rosário – eu vim: aparição, impregnação e impacto
Visitação de quarta 18 de maio a domingo 2 de outubro de 2022
terça a sábado 11h às 20h; domingo e feriados 11h às 19hEntrada gratuita
Itaú Cultural – Av. Paulista, 149, São Paulo


Leia também:
Roubo de arte: os 7 maiores casos do Brasil

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José Henrique Fabre Rolim

Jornalista, curador, pesquisador, artista plástico e crítico de arte, formado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Unisantos (Universidade Católica de Santos), atuou por 15 anos no jornal A Tribuna de Santos na área das visuais, atualmente é presidente da APCA (Associação Paulista de Críticos de Artes), colunista do DCI com matérias publicadas em diversos catálogos de arte e publicações como Módulo, Arte Vetrina (Turim-Itália), Arte em São Paulo, Cadernos de Crítica, Nuevas de España, Revista da APCA e Dasartes.

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