No centenário de Rubem Valentim (1922-1991) foi lançado recentemente o oportuno livro “Sagrada Geometria” de Bené Fonteles, que traça o percurso do consagrado artista, que buscou captar na simbologia da tradição africana, a sutileza de uma geometria ímpar, traduzindo a harmonia inerente ao arrojo de uma linguagem requintada e envolvente.
Paralelamente ao lançamento, uma excepcional mostra de Rubem Valentim acontece na Pinakotheke Cultural (Rua Ministro Nelson Hungria, 200) que destaca em 100 trabalhos entre pinturas, desenhos e objetos fabulosos, uma leitura ágil das incursões do mestre Valentim. A curadoria de Max Perlingeiro extremamente impecável permite ao espectador vislumbrar a perspectiva de uma obra marcante que realça a tradição afro-brasileira essencial para se compreender a exata dimensão da alma popular.
A mostra é enriquecida por um ensaio fotográfico de Christian Cravo, que focaliza o Templo de Oxalá, um conjunto de 20 esculturas e 10 relevos criado em 1974 por Valentim, pertencente ao Museu de Arte Moderna da Bahia, em Salvador.
Bené Fonteles, a pedido do artista, tornou-se o Ogá (palavra que vem do ioruba e significa “Senhor da Minha Casa”) do terreiro de Valentim, cuida de sua vida e da sua obra, consequência de uma amizade profunda iniciada na XIV Bienal de São Paulo, em 1977, onde ambos participavam do importante evento, Valentim com O Templo de Oxalá, a emblemática obra, uma instalação com relevos e esculturas, envoltos em símbolos da cultura popular e da semiótica afro do Candomblé.
O precioso livro lançado na ocasião da abertura da mostra com texto de Bené Fonteles, que acompanhou o artista por duas décadas, demonstra a importância da tradição milenar de uma herança mestiça que deve ser avaliada com profundidade.
Deve ser frisado que a exposição espelha um caráter museológico impecável, tradição da Pìnakotheke, que prima pelo requinte nos detalhes e na eficiência da montagem que facilita a apreciação das obras.
Outro detalhe a ser observado é o vídeo Rubem Valentim, feito especialmente para a ocasião (28”15 de duração), direção de Max Perlingeiro, edição de Frederico Marques, narração de Bené Fonteles e fotografia de Andre Caliento Barone, uma visão bem elaborada de um artista que deixou uma obra geométrica impregnada por uma simbologia sincrética.
O sofisticado projeto de Valentim se alinha com as intenções existentes na construções geométricas de Torres Garcia, buscando uma poética semiológica sagrada como bem frisa Bené Fonteles no precioso livro, o primeiro dedicado ao artista, visando sobretudo realçar a sua espiritualidade.
Dentre os textos críticos de Ferreira Gullar, Theon Spanudis, Roberto Pontual, Clarival do Prado Valladares e Emanoel Araújo presentes no livro, Giulio Carlo Argan (1909-1992), importante teórico da arte moderna, disse em 1966: “O seu apelo à simbologia mágica não é, portanto, o apelo à floresta; é talvez, a recordação inconsciente de uma grande e luminosa civilização negra anterior às conquistas ocidentais”. Valentim conheceu o famoso crítico italiano em 1963, época em que foi morar em Roma, onde se conectou com o movimento cultural da cidade, onde participou de uma exposição juntamente com Waldemar Cordeiro.
Em um dos trechos de seu Manifesto Ainda que Tardio lançado em janeiro de 1976 (Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília) afirma: “A Arte é um produto poético cuja existência desafia o tempo e por isso liberta o homem”.
Rubem Valentim, um artista extremamente sensível, concentrado em seus pensamentos filosóficos, construiu uma obra de forte representatividade nacional, agregando tradição e arrojo no abstracionismo geométrico.
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