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Qual é o papel de uma curadora institucional?


Conversei com a Valéria Piccoli, curadora-chefe da Pinacoteca do Estado de São Paulo, sobre o papel de uma curadora institucional e curiosidades sobre os bastidores da instituição.

Valéria é graduada em Arquitetura e Urbanismo pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, onde também concluiu seu mestrado e doutorado. Ela pesquisa sobre arte no Brasil no século XIX, com ênfase na produção dos artistas viajantes europeus que passaram pelo país neste período.


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Transcrição do podcast

[Paulo] Olá, tudo bem? Eu sou o Paulo Varella e esse é o Art Talks. No programa de hoje, eu vou falar com a Valéria Piccoli, que é a curadora-chefe da Pinacoteca. Ela vai falar sobre o trabalho de uma curadora institucional e também sobre as curiosidades dos bastidores da Pinacoteca. 

[Intro] 

[Paulo] Olá pessoal, hoje eu estou com a Valéria Piccoli, curadora-chefe da Pinacoteca, e hoje a gente vai falar qual é o papel de uma curadora institucional 

[Paulo] Oi Valéria tudo bem? Qual é o seu papel, me conta? Quais são os seus papéis?

[Valéria] Nossa, como eu resumo? [risos] Eu acho que diferentemente de um curador mais independente que pode trabalhar em cima dos seus temas de expertise, a partir de propostas de projetos para espaços culturais, o curador institucional trabalha a partir de uma coleção… a coleção é o coração de uma instituição e é em torno dela que se planejam as atividades daquela instituição, afinal, ela existe porque conserva um acervo. Então, o trabalho de um curador institucional se dá muito nesse sentido: de pensar a expansão desse acervo, por exemplo,  para daqui a 50 anos, a longo prazo; de pensar a melhor maneira de comunicar esse acervo em exposições, de divulgar esse acervo. É claro que a parte mais visível do trabalho da gente é sempre o trabalho de curadoria de exposições, mas essa é uma pequena parte do que a gente faz.

[Paulo] Eu vejo que além das exposições que vocês fazem com o acervo da Pinacoteca, vocês têm exposições que vêm de outros lugares. Como é feita essa escolha?

[Valéria] Essa escolha é um certo xadrez… que a gente vai equacionando com uma certa antecedência, é claro, e a gente cria, digamos, alguns “conceitos” que norteiam a programação do ano e a partir das oportunidades que a gente cria no networking, nas conversas com outras instituições a gente vai encaixando as exposições numa grande programação. É preciso criar a partir disso uma programação cultural: cursos, seminários, palestras, debates… e aí o trabalho vai “afunilando” para diversas outras maneiras de comunicar essa programação.

Paulo Varella e Valéria Piccoli

[Paulo] Deixa eu tentar resumir, são dois aspectos: você pode fazer uma exposição do seu acervo da Pinacoteca ou de outras instituições. Uma das curiosidades que eu sempre tive é: existem exposições já “prontas” no mercado, à disposição de serem compradas ou alugadas? 

[Valéria] Sim, existem.

[Paulo] Vocês procuram, recebem ofertas?

[Valéria] A gente recebe muitas ofertas e isso passa por um certo crivo. A missão institucional da Pinacoteca é trabalhar na divulgação da cultura brasileira no seu diálogo com as culturas do mundo. Quando uma exposição é oferecida, a gente pensa que sentido ela faz nessa discussão, nessa relação com a arte brasileira; em que ela pode iluminar algum aspecto da cultura brasileira ou algum aspecto da coleção da Pinacoteca… a gente procura essa conexão, se não tem conexão, não tem porque mostrar. Então, esse é um critério primeiro; e depois tem a viabilidade econômica… uma série de outros fatores que levam a gente a escolher ou não um projeto para ser levado a frente.

[Paulo] Você tem que querer trazer uma exposição e arranjar um patrocinador que possa te ajudar a trazer essa exposição… Uma das perguntas, seguindo isso é: existem exposições que “bombam” mais que outras, eu lembro, por exemplo, a do Ron Mueck, tinha gente virando quarteirão… como você consegue determinar uma exposição que vai agitar muito e outras nem tanto?

[Valéria] Isso é um pouco uma loteria… tem exposições que você consegue de alguma forma “prever” porque é um assunto que naquele momento é importante.. as vezes é uma coincidência de fatores. Por exemplo, eu me lembro do exemplo de “Mulheres radicais”, que foi uma exposição produzida nos EUA que foi apresentada em 2 museus, e quando ela foi oferecida para Pinacoteca uma primeira vez, a gente não tinha condições econômicas de produzir essa exposição; e algum tempo depois a gente repensou e conseguiu achar um jeito de viabilizar a exposição no Brasil. Foi incrível porque a Pinacoteca foi o único museu na América Latina que recebeu uma exposição sobre arte latino-americana. Coincidiu com aquele período eleitoral; que esse debate estava muito aflorado… foi incrível a afluência de mulheres jovens que vinham ver. A gente fez um curso de história da arte em cima do tema, foi uma coisa que mobilizou e não era previsto. Podia não ter sido um grande sucesso de público, mas naquele momento foi importante abrir aquele debate e foi uma coincidência de calendário.



[Paulo] Numa exposição existem custos fixos (seguro, montagem) e devem ter alguns custos variáveis; esses custos alteram quando enche de gente ou  não? Imagina você ter 2 milhões de pessoas entrando numa exposição… 

[Valéria] Não, os custos incidem nessa pré-produção, na fase anterior à abertura da exposição. O resto está dentro da estrutura de manutenção.

[Paulo] Há um tempo, teve uma manifestação no MoMA sobre como o dinheiro estava afetando o comportamento das instituições. Como isso funciona para os EUA e para o Brasil?

[Valéria] Nos EUA essa questão do comprometimento da instituição com os patrocinadores privados é muito mais visível porque eles dependem quase que exclusivamente de patrocínio privado. Além disso, você tem a famosa cultura de filantropia dos americanos que é algo que todo mundo inveja. Nas instituições do Brasil essa relação é um pouco diferente porque a gente conta ainda com aporte de dinheiro do Estado. A gente trabalha com dois edifícios tombados, isso tem um custo de manutenção grande e toda essa estrutura é ainda custeada pelo Estado. A programação da Pinacoteca que é custeada por patrocínio. É só uma parte das operações que a gente tem que correr atrás de dinheiro… enquanto isso nos EUA é uma realidade completamente diferente; parte do papel, da função do curador de uma instituição americana é conseguir dinheiro. O curador aqui não precisa fazer isso, a gente tem uma equipe que é responsável pela captação. Lá faz parte do “job description” do curador conseguir financiamento para o museu.

[Paulo] Outra pergunta que me fazem muito é: um artista gostaria de expor na Pinacoteca… Como é essa captação de artistas? Um artista poderia bater nas portas da Pinacoteca, oferecer o trabalho para que seja feita uma exposição… ou não é bem assim que funciona?

[Valéria] Tem vários artistas que fazem isso. De início, é interessante já deixar claro que a Pinacoteca não trabalha com artistas muito emergentes. Quem acompanha a programação do museu sabe que a gente tem um programa bem consistente de apresentação, por exemplo, de retrospectivas de artistas brasileiros já em meio de carreira. 

[Valéria] Artistas que nunca tiveram uma grande retrospectiva, a Pinacoteca já têm isso programado há vários anos. Esse programa começou com revisão de artistas que começaram sua carreira nos anos 80 e a gente já está entrando nos anos 90… [risos]  porque, de fato, é um programa que “acompanha” a carreira de artistas. 

[Valéria] Funciona nesse xadrez de equacionar a programação. Uma vez que se define os temas norteadores a gente vai procurar quem são os artistas que trabalham em cima daquele assunto, como é que uma exposição pode continuar o assunto da outra exposição e  vai criando esse quebra-cabeças. É lógico que tem ocasiões em que a gente perde o bonde… “podia ter feito aquela exposição daquele cara… outra instituição vai fazer… ele é um artista tão bacana, a gente perdeu a chance, mas paciência”.

[Paulo] Quem são os olheiros da Pinacoteca?

[Valéria] São os curadores; que acompanham as programações das outras instituições… e também é importante dizer que é fundamental procurar Interlocuções fora do seu contexto. Se não a programação do museu fica muito provinciana, muito em torno do seu próprio umbigo. É importante procurar esse diálogo com outras instituições afins, fora do Brasil, na América latina principalmente, a gente tem tentado fortalecer muito isso. Porque tradicionalmente o Brasil é visto como aquele que “dá as costas” para o resto dos países da América do Sul. Eu acho que é importante a gente tentar fortalecer os diálogos e as possibilidades de trabalho conjunto com outros países em nosso entorno.

[Paulo] Por conta da língua, você acha?

[Valéria] Acho que por conta da língua, mas também porque tem razões históricas, principalmente no campo da arte. Se você pensar historicamente, o Brasil e o México foram os primeiros países que constituíram um sistema de arte; “se tem a criação das academias, as academias geram salões, os salões geram as encomendas públicas, privadas…” emular esse sistema artístico foi uma coisa que aconteceu no século XIX tanto no México quanto no Brasil, e isso não nos outros países.

[Valéria] Isso justifica em parte porque os artistas brasileiros e mexicanos fazem tanto sucesso até hoje. São artistas que têm muita projeção internacional, tem muito interesse. 

[Paulo] Você acha que a conexão com a Europa é mais forte?

[Valéria] Historicamente é mais forte porque os artistas eram formados, iam complementar sua formação na Europa…

[Paulo] Na semana de 22 tinha gente na Europa, gente aqui…

[Valéria] É, a Tarsila não estava aqui na semana de 22, apesar de todo mundo usar o nome dela como grande figura do modernismo… ela nem estava aqui… e a semana de arte moderna nem foi esse barulho todo…

[Paulo] Não… mas a gente quando conta uma história sempre aumenta um ponto. Então quem vai tirar esse glamour da semana de 22 não é? Não precisa.

[Paulo] O que precisa, na sua opinião, para ser um curador? Quais são as qualidades de um curador? Depois eu vou te perguntar como você chegou até aqui.

[Valéria] Foi um caminho um pouco errático que me trouxe até aqui.

[Paulo] Originalmente você estudou arquitetura na FAU…

Faculdade de Arquitetura e Urbanismo – FAU USP

[Valéria] Exatamente, nunca acordei um dia e pensei “nossa, quero ser curadora e trabalhar num museu”, isso não existia no meu repertório. Eu fui estudar arquitetura, que por um lado foi uma certa frustração inicial porque eu percebi, já de início, que eu jamais seria uma arquiteta… sentar com uma prancheta, desenhar… não era a minha intenção e, por outro lado, me abriu uma porta imensa para o mundo, de pensar o mundo nos seus termos simbólicos a partir da arte, a partir das manifestações artísticas, a história da arte, a história da arquitetura me interessaram mais. E eu fui direcionando meu caminho por aí.

[Valéria] A partir daí eu me envolvi em grupos de pesquisa ainda na universidade e por acaso uma dessas pesquisas que foi “O Brasil dos viajantes”, pesquisa que nasceu dentro da FAU, virou uma grande exposição que itinerou para Portugal e partir daí eu fui para bienal… enfim, os caminhos começaram a se abrir. Obviamente eram outros tempos, hoje o campo é muito mais profissionalizado e se tem formação, faculdades específicas para isso. O meu caminho foi trilhado um pouco intuitivamente, mas não existia essa profissionalização do campo. Era um contexto completamente diferente, portanto não tentem seguir esse exemplo porque eu não sei se vai dar certo… [risos] 

[Paulo] É interessante um comentário a parte: a FAU é a grande formadora de bandas de rock, de artistas plásticos, fotógrafos… tem tantos arquitetos que não acabam e vão fazer outra coisa…

[Valéria] Tem arquitetos que acham que isso é um defeito da faculdade. Eu acho que é uma grande qualidade… ela te abre janelas para tantas coisas que você não conhecia… eu acho isso uma grande qualidade.



[Paulo] Se você fosse dar algumas dicas, o que você falaria para uma pessoa que está entrando no universo da arte e acha curadoria uma profissão interessante?

[Valéria] Primeiro, definir que tipo de curador ele quer ser. Embora isso no início seja um pouco complicado… se ele vai partir para o interesse mais histórico, ou se ele for para a arte contemporânea para trabalhar junto com os artistas, desenvolver projetos junto com os artistas… aí acho que já é outro perfil de curador. Um precisa de uma bagagem maior de história da arte, de ser uma cara um pouco mais um estudioso, um “scholar” à moda antiga… e o outro precisa de uma personalidade mais curiosa, de mais habilidades interpessoais… aí ele vai construindo um networking que vai naturalmente abrindo caminhos para ele. Mas acho que são perfis diferentes. 

[Paulo] Uma curiosidade minha é saber como é feita a compra de uma obra de arte. Quem escolhe e como é feita essa compra?

[Valéria] A gente chama aquisição de obra de arte porque a aquisição é qualquer coisa é acrescentada à coleção, pode ser por compra, doação, empréstimo, tem muitas modalidades pelas quais a agente acrescenta obras ao acervo. Em geral, o que acontece é que os curadores, conhecendo a coleção, já sabem quais são os pontos fortes e fracos dela; e onde a gente pode atuar para tornar a coleção mais representativa de certos momentos históricos ou, de certos artistas. As vezes foi adquirida uma obra da Lygia Clark nos anos 70… mas hoje, vendo a carreira dela em retrospecto, talvez aquela obra não seja tão importante e a gente precisaria de outra. Isso é feito pelos curadores. A gente faz uma espécie de “lista de desejos”, de coisas que a gente gostaria de adquirir. Até alguns anos atrás a Pinacoteca ainda tinha uma dotação de verba especial do Estado para aquisição de obras mais históricas. Com todas essas questões pelas quais o Brasil vem passando nos últimos anos… a gente já não conta mais com esse fundo, mas, a gente criou alguns outros mecanismos de aquisição. Um deles, são os patronos de arte contemporânea. 

[Paulo] Me explica o que é patrono aqui na Pinacoteca, como funciona.

[Valéria] Os patronos são pessoas da sociedade civil que são convidados a doar anualmente um valor para o museu e para isso criar um fundo de compra de obras. Em novembro, quando acontece a reunião anual dos patronos, os curadores fizeram a partir daquela lista, um levantamento de quais obras a gente poderia comprar, qual seria o preço… a gente encaixa, cria uma série de opções para esses patronos e nessa reunião cada curador apresenta alguns trabalhos defendendo o porquê aquilo é importante para a coleção do museu. E os patronos votam. 

[Paulo] É quase que uma projeção com as fotos…?

[Valéria] Sim, a gente sobe no palco, fala dos trabalhos, fala do artista e os patronos votam os trabalhos que eles querem comprar até aquele determinado valor que foi levantado no início do ano. 

[Paulo] É como se fosse uma espécie de um leilão? Qual a obra vai ser escolhida e fica uma disputa… ou alguém tem que ceder?

[Valéria] Na verdade, são os mais votados, é bem democrático. Os que são mais votados é que são adquiridos até aquele limite. Sempre tem alguns que ficam de fora para a decepção de alguns curadores. Além dessas compras, tem outros mecanismos que a gente usa para conseguir outras obras da coleção, e uma delas é trabalhar com doações. Os curadores têm um papel bastante importante em criar relações com colecionadores que tenham obras que eventualmente possam vir a fazer parte da coleção do museu, depois de um convencimento. É um trabalho muito legal porque você engaja o colecionador na vida do museu a ponto de ele pensar “que legal, o destino da minha coleção pode ser uma instituição pública”… Eu acho que esse é um trabalho bem importante que a gente faz. 

[Paulo] Ele não tem que se preocupar com seguro, com manutenção das obras, quando ele quiser ver [a Instituição] está de portas abertas… 

[Valéria] E as obras ganham visibilidade pública. Eu acho que isso é a missão mais importante do museu.

[Paulo] Se alguém quiser participar e ser um patrono da pinacoteca é só ligar aqui e se oferecer…? Como funciona?

[Valéria] Sim… no site isso está bem explicado como funciona.

[Paulo] Legal… acho que é isso, muito obrigado.

[Valéria] Eu que agradeço


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Paulo Varella

Estudou cinema na NFTS (UK), administração na FGV e química na USP. Trabalhou com fotografia, cinema autoral e publicitário em Londres nos anos 90 e no Brasil nos anos seguintes. Sua formação lhe conferiu entre muitas qualidades, uma expertise em estética da imagem, habilidade na administração de conteúdo, pessoas e conhecimento profundo sobre materiais. Por muito tempo Paulo participou do cenário da produção artística em Londres, Paris e Hamburgo de onde veio a inspiração para iniciar o Arteref no Brasil. Paulo dirigiu 3 galerias de arte e hoje se dedica a ajudar artistas, galeristas e colecionadores a melhorarem o acesso no mercado internacional.

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  • Parabens pela entrevista Paulo,ainda mais hoje que profissão de curador está sendo muito deturpada, com um montão de artistas se intitulando Curador.Sei disso porque acompanho o mercado e as redes sociais,como acredito que você também.Outra sugestão e que ao mesmo tempo coloque uma versão escrita da entrevista ou dos artigos,pois o povo tem prequiça de escutar.Sei disso porque também além de artista plástico e poeta,escrevo para dois sites de artes.Forte abraço.

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