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A Ciência do Brilho: Como os “Hot Streaks” Moldam a Trajetória dos Artistas

No ateliê, entre pincéis gastos e telas em branco, ou no silêncio de um estúdio onde ideias ainda buscam forma, todo artista emergente carrega uma dúvida que pulsa como um coração inquieto: quando será o meu momento? Quando a minha voz, o meu traço, a minha visão encontrarão eco no mundo? A ciência, acredite, oferece uma resposta inesperada e poderosa. Um estudo publicado na Nature, intitulado “Hot Streaks in Artistic, Cultural, and Scientific Careers”, desvenda o fenômeno dos “hot streaks” — períodos de produtividade criativa tão intensos que redefinem carreiras. Para vocês, que estão trilhando os primeiros passos na arte, essa descoberta não é apenas um dado acadêmico: é um farol na névoa, um guia para entender os ritmos imprevisíveis do sucesso criativo.

O que são os “hot streaks”?

Os “hot streaks” são aqueles raros momentos em que tudo parece convergir: o esforço, a técnica, a inspiração e, talvez, um toque de mistério. São fases em que as obras de um artista atingem um impacto descomunal, seja medido por preços em leilões, avaliações críticas ou influência duradoura. O estudo analisou carreiras em três domínios — artes visuais, cinema e ciência — e encontrou um padrão intrigante: esses picos de impacto não são eventos isolados. Eles se agrupam em sequências temporais, formando o que os autores chamam de “rajadas” de obras de alta qualidade. Essas sequências, muitas vezes, são o que define o legado de um criador.

O que surpreende é a universalidade do fenômeno. Não importa se você pinta telas, dirige filmes ou escreve papers acadêmicos: a maioria dos criadores experimenta pelo menos um “hot streak” em sua trajetória. Mais surpreendente ainda é que esses momentos são, em geral, únicos. Um artista pode passar a vida inteira esperando por um segundo pico, mas a ciência sugere que, para a maioria, ele acontece uma só vez, em qualquer ponto da carreira — no início, no meio ou mesmo no ocaso.

A ciência por trás do fenômeno

Para chegar a essas conclusões, os pesquisadores mergulharam em vastos conjuntos de dados. No caso dos artistas visuais, examinaram preços de leilões coletados de plataformas como Artprice e Findartinfo. Para cineastas, usaram avaliações do IMDb. Para cientistas, contaram citações acumuladas dez anos após a publicação de artigos. A análise revelou que os três trabalhos de maior impacto em uma carreira — sejam quadros, filmes ou papers — não aparecem distribuídos aleatoriamente. Embora a posição de cada obra-prima isolada pareça seguir a chamada “regra do impacto aleatório” (onde o maior sucesso pode surgir em qualquer ponto da sequência de obras), a proximidade temporal entre os maiores hits é notável.

Os autores calcularam a distância entre as duas obras de maior impacto de um indivíduo e descobriram que elas tendem a se agrupar. Em matrizes de probabilidade, as diagonais — que representam obras consecutivas ou próximas — brilham com uma intensidade que desafia o acaso. Quando compararam carreiras reais com versões “embaralhadas” (onde a ordem das obras foi randomizada), o padrão desapareceu, confirmando que a proximidade temporal é real e significativa. Esse fenômeno se repete não só entre as duas maiores obras, mas também entre outros pares de trabalhos de alto impacto, como o segundo e o terceiro mais relevantes.

Outro achado fascinante é a duração desses “hot streaks”. Ao medir a sequência de obras de alto impacto (o “comprimento da maior sequência”, ou L), os pesquisadores notaram que carreiras reais produzem rajadas mais longas do que o esperado em um modelo aleatório. Essas sequências, que podem durar semanas ou meses, são o coração pulsante do impacto de uma carreira. E aqui vem a reviravolta: durante um “hot streak”, a quantidade de obras produzidas não aumenta significativamente. O que dispara é a qualidade. É como se, por um breve período, o artista encontrasse o tom perfeito, o enquadramento ideal, a ideia que ressoa com o mundo.

O paradoxo da imprevisibilidade

Se há uma lição desconcertante no estudo, é esta: ninguém sabe quando um “hot streak” vai chegar. Ele é aleatório, um visitante que não manda recado antes de aparecer. Não há correlação com aumento de produtividade, nem com mudanças drásticas no método de trabalho. Ele simplesmente acontece — e, quando acontece, pode transformar uma carreira. Isso pode soar frustrante, mas há algo de libertador nessa imprevisibilidade. Cada tela que você pinta, cada esboço que rabisca, pode ser o estopim de algo grandioso. O “hot streak” não é uma recompensa garantida por anos de trabalho árduo, mas é uma possibilidade que cresce com cada obra que você coloca no mundo.

O estudo também confronta duas visões opostas sobre o sucesso criativo. De um lado, o “efeito Mateus” sugere que sucessos passados pavimentam o caminho para mais vitórias, alimentando a ideia de que o reconhecimento gera mais reconhecimento. De outro, a “regra do impacto aleatório” defende que o maior sucesso de uma carreira é imprevisível, surgindo sem relação com o que veio antes ou depois. Os “hot streaks” parecem reconciliar essas visões: embora o momento exato do pico seja aleatório, as obras de alto impacto tendem a se agrupar, sugerindo que, durante essas fases, algo especial está em jogo — uma combinação de habilidade, contexto e, quem sabe, um pouco de magia.

Lições para artistas emergentes

Para vocês, que estão começando, o estudo oferece um mapa com quatro direções claras:

  1. Persista, mesmo na incerteza: O “hot streak” não segue calendários. Pode surgir amanhã ou daqui a décadas. Cada obra que você cria é um passo em direção a esse momento. Desistir é o único jeito de garantir que ele nunca chegue.
  2. Afie seu ofício: Quando o “hot streak” chegar, o que vai determinar seu impacto é a qualidade do seu trabalho. Dedique-se à técnica, experimente sem medo, estude os mestres. A excelência é o que transforma um momento de inspiração em uma obra-prima.
  3. Abraçe o imprevisível: A arte não é uma ciência exata. A aleatoriedade do “hot streak” é um lembrete de que você não controla o “quando”, mas pode controlar o “como”. Trabalhe com consistência, coragem e autenticidade.
  4. Aproveite a onda: Quando perceber que está em um “hot streak” — e você saberá, porque as portas vão se abrir e o mundo vai responder —, mergulhe de cabeça. Essas fases são raras e têm um peso desproporcional no seu legado.

Um chamado à criação

A arte é um terreno de incertezas, e isso é parte de sua beleza. Mas saber que os “hot streaks” existem, que eles são reais, mensuráveis e universais, traz um alento. Vocês, que estão emergindo agora, não estão apenas sonhando com o sucesso — estão, a cada pincelada, a cada experimento, construindo o caminho para ele. O estudo da Nature não promete o “quando”, mas assegura o “se”: continue criando, e o seu momento de brilhar virá.

Então, pegue o pincel, a câmera, o lápis. O próximo “hot streak” pode estar a uma obra de distância. A ciência está do seu lado, mas o futuro é seu para moldar.

Fonte:

  • Hot streaks in artistic, cultural, and scientific careers
    Lu Liu, Yang Wang, Roberta Sinatra, C. Lee Giles, Chaoming Song8 & Dashun Wang
  • Barabási, A.-L. & Albert, R. (1999). Emergence of scaling in random networks. Science, 286, 509-512.
  • Wasserman, M., Zeng, X. H. T. & Amaral, L. A. N. (2015). Cross-evaluation of metrics to estimate the significance of creative works. Proceedings of the National Academy of Sciences USA, 112, 1281-1286.
  • Uzzi, B., Mukherjee, S., Stringer, M. & Jones, B. (2013). Atypical combinations and scientific impact. Science, 342, 468-472.

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Paulo Varella

Estudou cinema na NFTS (UK), administração na FGV e química na USP. Trabalhou com fotografia, cinema autoral e publicitário em Londres nos anos 90 e no Brasil nos anos seguintes. Sua formação lhe conferiu entre muitas qualidades, uma expertise em estética da imagem, habilidade na administração de conteúdo, pessoas e conhecimento profundo sobre materiais. Por muito tempo Paulo participou do cenário da produção artística em Londres, Paris e Hamburgo de onde veio a inspiração para iniciar o Arteref no Brasil. Paulo dirigiu 3 galerias de arte e hoje se dedica a ajudar artistas, galeristas e colecionadores a melhorarem o acesso no mercado internacional.

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