Arte no Mundo

Uma breve história do pigmento preto na arte

Do luto ao luxo

Pinturas rupestres na caverna de Lascaux, França (17.000 A.C.)Pinturas rupestres na caverna de Lascaux, França (17.000 A.C.)
Pinturas rupestres na caverna de Lascaux, França (17.000 A.C.)

O preto é um dos mais antigos pigmentos existentes. Inicialmente extraído do carvão ou ossos queimados, era amplamente utilizado pelos povos paleolíticos em pinturas nas cavernas [foto acima].

Para os antigos egípcios, era a cor da fertilidade e simbolizava o deus Anúbis, que assumia a forma de um chacal-de-dorso-negro e protegia dos males e da morte.

Estátua de Anúbis encontrada na tumba do faraó Tutancâmon

Entre os gregos, o preto possuía diferentes significados: ao mesmo tempo em que representava as trevas e o submundo, era uma das cores mais utilizadas pelos artistas, como revelam as cerâmicas trabalhadas em uma técnica bastante particular. As peças poderiam ser decoradas com figuras de pele preta sobre um fundo alaranjado, ou, ao contrário, figuras de pele alaranjada sobre um fundo preto.

Exemplo de cerâmica grega

Na Idade Média, a cor era comumente associada aos males e ao inferno. São frequentes nas artes medievais as representações do diabo com forma humana e asas e pele negras. Ainda assim, era a cor usada pelos monges da Ordem Beneditina como sinal de penitência.

Cristo expulsa Lúcifer do Céu em pintura de Duccio di Buoninsegna (1308-1311)
Retrato de um monge da Ordem Beneditina (1484)

Entre os séculos 14 e 15, a produção do pigmento atingiu alta qualidade e o preto passou a ser considerada uma cor nobre. Em fins do século 16, a cor preta era usada por quase todos os monarcas da Europa. Foi também a cor do Puritanismo e da Reforma Protestante, que requeria roupas simples, sóbrias e discretas. Teólogos como João Calvino e Filipe Melâncton desaprovavam as ricas cores e decorações dos interiores das igrejas católicas, consideradas por eles como ostensivas e distantes dos valores da humildade e do sacrifício.

Retrato de uma jovem (1470) – Petrus Christus

Já entre os séculos 18 e 19, com o advento da Revolução Industrial, o terno na cor preta tornou-se a marca do homem ocidental. Artistas como Renoir, Manet, Van Gogh e Doré utilizavam preto para criar efeito dramático em suas obras. Alguns, entretanto, rejeitavam que o preto fosse, de fato, uma cor. Confrontado por esta ideia, Renoir replicou: “O que te faz pensar assim? Preto é a rainha das cores. Sempre detestei o azul prussiano. Tentei substituir o preto por uma mistura de vermelho e azul, mas sempre volto ao preto.” [1] Já Gauguin tinha uma opinião negativa: “Rejeite o preto e aquela mistura de preto e branco que chamam de cinza. Nada é preto, nada é cinza.” [2]

Duas meninas de preto (1881) – Pierre-Auguste Renoir

O preto atingiria o status de cor da moda nos anos 1920, quando Coco Chanel introduziu o conceito do “pretinho básico”: um único vestido preto serve para as mais diversas ocasiões, dependendo somente da combinação de acessórios. O conceito tornou-se popular na década de 60, após a fama do vestido vestido preto criado por Givenchy para Audrey Hepburn no filme Bonequinha de Luxo (1961).

Audrey Hepburn veste Givenchy em “Bonequinha de Luxo” (1961)

Referências:

[1] Eva Heller, Psychologie de la couleur – effets et symboliques, p. 107.

[2] Paul Gauguin, Oviri. Écrits d’un sauvage. Textes choisis (1892–1903). Editions D. Guerin, Paris, 1974, p. 123.

Imagem de abertura:  Le Bal de l’Opera (1873) – Édouard Manet

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