Arte

Mestre Didi: uma jornada pela arte Afro-brasileira

Por Thais de Albuquerque - março 19, 2024
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Mestre Didi, ou Deoscóredes Maximiliano dos Santos, nasceu em Salvador-BA em 2 de dezembro de 1917 e faleceu em 2013 na mesma cidade. Foi um renomado artista, reconhecido por seu trabalho como mestre de capoeira, escritor, escultor, pintor, líder e sacerdote do candomblé.

No universo da arte brasileira, poucos artistas conseguiram capturar a essência da cultura afro-brasileira com tanta profundidade e beleza quanto Mestre Didi. Sua vida e trajetória representam a paixão pela arte e a dedicação à preservação das tradições afro-brasileiras.

Família e Identidade

Seu pai, o Alagbá Arsenio dos Santos, pertencia à “elite” dos alfaiates da Bahia. Mudou-se para o Rio de Janeiro na época em que houve uma grande migração de baianos para a então capital do Brasil. 

Sua mãe, Maria Bibiana do Espírito Santo, mais conhecida como “Mãe Senhora” era descendente da tradicional família Asipa, originária de Oió e Queto, importantes cidades do Império de Oió.

Sua trisavó, Sra. Marcelina da Silva, Oba Tossi, foi uma das fundadoras da primeira casa de tradição nagô de candomblé na Bahia, o Ilê Axé Airá Intilê, depois Ilê Iá Nassô.

Ainda em 1925, aos oito anos, Deoscóredes foi iniciado no culto aos ancestrais (Egungun) da tradição iorubá na Ilha de Itaparica-BA. Tornou-se conhecido como “Mestre Didi”, herdeiro da grande tradição do reinado de Ketu. Em 1975, Didi recebeu a mais alta hierarquia sacerdotal Alapini no culto aos Ancestrais Egun. Em 1980 fundou a Sociedade Religiosa e Cultural Ilê Asipá, do culto aos ancestrais Egun em Salvador. 

Obras de Mestre Didi

Suas obras são marcadas por uma profunda entrega espiritual e uma conexão íntima com suas raízes culturais e religiosas.

Mestre Didi
1. Sem título, s.d. Nervura e palmeira, couro pintado, búzios e contas. 82,5 x 40 x 14,5 cm ; 2. Sem título, s.d. Nervura e palmeira, couro pintado, búzios e contas. 129 x 44 x 15 cm. ; 3. Pássaro Ancestral, s.d. Técnica Mista. 152 x 92 x 12 cm. Créditos: Galeria Almeida e Dale

Sua habilidade única de incorporar elementos da religiosidade de matriz africana em suas esculturas e pinturas refletem sua profunda conexão espiritual e sua busca pela expressão da identidade afro-brasileira.

Materiais, técnicas e narrativa

O artista usava materiais como madeira, metal, barro e tecido em suas esculturas, criando peças que combinavam técnicas tradicionais com sua própria visão artística. Materiais naturais como búzios, sementes, couro, nervuras e folhas de palmeira, também faziam parte de suas obras.

Seus trabalhos incorporavam símbolos, mitos e rituais do candomblé e da umbanda, transcendendo o campo estético e tornando-se uma expressão sagrada de fé e devoção.

Mestre Didi
Igi Bojuto Onan Meta – A árvore vigia dos três caminhos (2003). Crédito: Museu Afro Brasil Emanoel Araújo

“Os Orixá do Panteão da Terra são os que nos alimentam e nos ajudam a manter a vida. Os meus trabalhos estão inspirados na natureza, na Mãe Terra-Lama, representada pela Orixá Nanã, patrona da agritultura”. Mestre Didi.

Carreira artística e trajetória

Foi em 1964 que Mestre Didi realizou a primeira de suas várias exposições individuais realizadas tanto no Brasil quanto no exterior, incluindo, em 2009, “Mestre Didi: o escultor do sagrado – homenagem aos 90 anos”, no Museu Afro Brasil (São Paulo). 

São mais de 30 exposições coletivas, entre as quais “Os herdeiros da noite” (Pinacoteca do Estado de São Paulo/Centro de Cultura de Belo Horizonte-MG, 1995); “Mostra do Redescobrimento” (São Paulo, 2000) e “Negras memórias, memórias de negros” (Galeria de Arte SEIS-FIESP-SP, 2001/Museu Histórico Nacional-RJ, 2001/Palácio das Artes, Belo Horizonte/MG, 2003).

Mestre Didi
Crédito: Ícaro Moreno/Divulgação

Além disso, recebeu dezenas de homenagens e prêmios importantes como a Medalha Thomé de Souza/Câmara Municipal (Salvador/BA), recebida em 1995; a condecoração de Honra ao Mérito Cultural, grau de Comendador, Ministério da Cultura, em 1996; título de Dr. Honoris Causa pela Universidade Federal da Bahia, em 1999, entre outros. 

Para o curador Emanoel Araújo, o artista Mestre Didi e “suas obras são como uma união de antiga sabedoria, a expressão viva da continuidade e da permanência histórica da criação de uma nova estética que une o presente ao passado, o antigo ao contemporâneo, a abstração à figuração, formas compostas ora como totens, ora como entrelaçadas curvas (…) suas esculturas, em sua interioridade, são uma relação entre o homem e o sacerdote que detém o espírito íntimo das coisas e de como elas se entrelaçam entre a sabedoria do sagrado e do profano”. 

Herança e Legado: O Impacto Duradouro de Mestre Didi

Além de sua contribuição fundamental na arte brasileira, Mestre Didi publicou seu primeiro dicionário de Iorubá-português em 1946, que levou à criação do departamento de estudo da língua Iorubá na Universidade Federal da Bahia em 1960. 

Em 1961, publicou a coletânea de contos populares ancestrais africanos intitulada Contos Negros da Bahia, livro com ilustrações de Carybé.

Mestre Didi
Contos Negros da Bahia. Mestre Didi

Ao longo da década, publicou diversos outros livros sobre a cultura iorubá, cinco dos quais em parceria com a antropóloga Juana Elbein dos Santos, sua esposa e companheira em todas as suas viagens pelo exterior, aos países da África, Europa e Américas, de grande importância pelos intercâmbios e experiências adquiridas.

Mestre Didi
Contos Crioulos da Bahia. Mestre Didi
Mestre Didi.
Contos negros da Bahia E Contos de Nagô (1963). Mestre Didi.

Mestre Didi foi um ícone da arte afro-brasileira, cujo trabalho continua a inspirar e encantar pessoas ao redor do mundo. Que sua jornada nos ensine a valorizar e respeitar a riqueza da diversidade cultural que nos cerca.

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