O dinamarquês Bertel THORVALDSEN (1770-1844), o sueco Bengt Erland FOGELBERG (1786-1854) e o suíço James PRADIER (1792-1852) pertencem aos grandes nomes de escultores do período artístico, conhecido por Neoclássico[1], dos quais ainda fazem parte, entre outros, os franceses: Jean-Baptiste PIGALLE[2] (1714-1785) e Jean Antoine HOUDON[3] (1741-1828) e o italiano: Antonio CANOVA[4] (1757-1822).
Enquanto a produção de Canova, grande escultor italiano, é polida, brilhante e palpitante como consequência de um profundo e notável sentimento, as esculturas produzidas por Thorvaldsen são rigorosamente incluídas no estilo Neoclássico: sujeitam-se ao desenho e do que já foi executado na Antiguidade e, portanto, dependem da idealização e do julgamento do belo.
Não importa que o antigo tenha, em certa época, possuído uma realidade histórica: na poética de Thorvaldsen não há espaço nem tempo, natureza nem sentimentos, mas apenas conceitos expressos em figuras ou apenas figuras levadas à imutabilidade e universalidade dos conceitos. (ARGAN, 2001, p. 25)
De família simples, Thorvaldsen foi admitido na Royal Danish Academy of Painting, Sculpture, and Architecture[5], de Copenhagen, na Dinamarca ainda muito jovem. Em 1797, por meio de uma bolsa de ensino partiu para Roma, onde se profissionalizou, passou a ser conhecido e viveu por cerca de quarenta anos. Reconhecido por Canova, seu sucesso foi assegurado e passou a produzir para toda Europa, além de Roma.
Sua obra abrange relevos, estátuas e retratos, com temas relacionados à mitologia clássica, e retratos de figuras públicas do seu período.
Vitorioso, de volta à Dinamarca em 1838, Thorvaldsen continuou a produzir até a morte em 1844.
O Thorvaldsens Museum abriga grande parte da sua obra.
Bertel THORVALDSEN (1770-1844) Ganimedes com a águia de Júpiter, 1817. Escultura em Mármore, 93,3×183. Fotograf: Jakob Faurvig. Thorvaldsens Museums, Copenhagen, Dinamarca.
Inflamado de amor, Júpiter se transformou na mais forte das aves para transportar Ganimedes, ainda menino, para o Olimpo. “De imediato, batendo o ar com enganadoras asas, arrebata o neto de Ilo, que agora é também copeiro e serve o néctar a Júpiter contra a vontade de Juno.” (OVÍDIO, X, 159-161, 2017, p. 539)
Thorvaldsen define a figura estatuária segundo cânones ou sistemas de proporções, sacrificando o movimento e a luz ao contrapeso exato dos volumes. A estátua assim se põe como uma coisa em si, como um tipo icônico e plástico sem relação com a variação das condições de espaço e luz […] seu objetivo é individuar os ‘conceitos’ que encontram sua expressão mais correta na forma plástica, e assim definir a autonomia ideal e técnica da escultura. (ARGAN, 2001, p. 50)
O modelo executado por Thorvaldsen mostra Cupido triunfante sobre os outros deuses: No tronco de árvore, atrás de Cupido, repousa a pele de leão de Hércules e a Lira de Apolo. O raio de Júpiter está aos pés de Cupido e Marte lhe deixou seu capacete.
Nascido em Genebra, em 1807, Pradier já se encontrava em Paris, trabalhando como gravador junto a oficina do irmão. Na École des Beaux-Arts ganhou o Prix de Rome e permaneceu de 1814 a 1818 em Roma. Aclamado no retorno, em seguidas exposições, Pradier conquistou um lugar como membro da Académie des beaux-arts e tornou-se professor da École des Beaux-Arts.
Entre suas inúmeras esculturas, a versão das Três Graças executada em 1831, segue Canova com as meninas olhando para a frente em diferentes atitudes.
Pradier se manteve fiel e inspirado pelos temas mitológicos e à matéria do Mármore, constantes junto a Arte Neoclássica do período. No entanto, diferente de Thorvaldsen, seus deuses e heróis colhidos na Antiguidade recebem um toque de naturalismo, que junto com a sensualidade latente, caminhará para o novo estilo, independente de tantas regras – o Romantismo a partir de meados do século XIX.
A escultura de Prometeu, atualmente no acervo do Louvre, foi iniciada quando Pradier ainda estava em Roma e apresentada em 1827 no Salão de Paris. Apreciada e aprovada, a escultura passou a fazer parte das obras expostas no Jardim das Tulherias, em Paris, a partir de 1832.
Filho do Titã Jápeto, irmão de Atlas, pai de Deucalião, Prometeu foi o criador dos primeiros homens, moldados em barro.
Em um banquete, Prometeu favoreceu os homens na divisão da carne servida. Enfurecido, Zeus “não mais dirigiu aos freixos a força do fogo infatigável em benefício dos homens mortais que habitam a terra” (HESÍODO, Teogonia, 561-564, 2014, p. 50)
Ardiloso, uma vez mais, Prometeu entregou aos homens a chama celeste que nunca se apaga, aumentando a ira de Zeus. Como castigo, Prometeu foi preso a um rochedo onde a águia de Zeus devorava seu fígado[6] de dia, o qual se regenerava toda noite. “Depois de trinta mil anos, Hércules matou a águia e o libertou.” (HIGINO, Fábulas, CXLIV, 1,2, 2008, p. 136)
A obra de Pradier, reconhecida pelo acabamento da superfície e temas colhidos na mitologia, apresenta quase sempre um certo erotismo, que na época os mais conservadores criticavam. A escultura Sátiro e Bacante, executada em 1834, é um exemplo. Louis-Philippe I (1773-1850) imperador francês no período, recusou-se a comprá-la. Somente anos depois ela passou a fazer parte do Musée du Louvre, em Paris.
Na mitologia grega, Sátiros e Bacantes faziam parte da corte à Dioniso[7], chamado pelos romanos de Baco.
Dioniso, “por onde quer que vás, soam os clamores dos jovens e também vozes de mulheres, tambores percutidos com a mão, os côncavos bronzes e a flauta de longa abertura”. (OVÍDIO, IV, 28-30, 2017, p. 217)
Do cortejo do deus do vinho participavam, além de Sileno[8], os deuses caprinos e humanos, os Egipãs[9] e Sátiros, divindades chamadas de campestres, consideradas protetoras da natureza.
Os Sátiros eram ardentemente cultuados pelos pastores e agricultores gregos, que faziam ofertas de animais e produtos da terra. Semelhantes aos Egipãs, peludos, rabo e pernas de cabra, porém mais altos, eram o terror das ninfas que se assustavam com eles, sempre escondidos atrás de árvores. Alguns apresentavam a forma inteiramente humana, outros só eram distinguidos por orelhas em ponta.
As ninfas e as Bacantes ou Mênades, jovens tomadas por loucura mística, também faziam parte do cortejo do deus do vinho; amantes das montanhas, das florestas, ligados à dança, à música, teatro, cerimônias e rituais misteriosos.
Na escultura em escala humana, Pradier representa o momento de intenso erotismo, em que o Sátiro, com expressão tensionada pelo desejo, apoia o corpo da jovem em uma das pernas e retira o lenço que a cobre. A Bacante, por sua vez, de olhos semicerrados, oferece o corpo dobrado, agarrando os cabelos e um dos chifres do Sátiro.
O contraste, entre o corpo masculino e o brilho do mármore extremamente polido do corpo feminino, ressalta a sensualidade do casal.
O tema influenciou artistas do Romantismo, após meados do século XIX, com obras como: Sátiro e Ninfa, versão 1868[10]; Bacante e Sátiro, 1869[11]; Sátiro brincando com uma bacante, versão 1874[12]; Sátiro perseguindo uma ninfa, 1865-1908[13] e Sátiro perseguindo uma ninfa, versão 1891[14].
De origem sueca, Fogelberg trabalhou com a escultura ainda muito jovem, no período final da arte rococó.
Por volta de 1818, em Paris e dois anos depois em Roma, Fogelberg se interessou pela escultura produzida na Antiguidade, para depois dedicar-se ao movimento e culto da mitologia nórdica.
REFERÊNCIAS
ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna. Do Iluminismo aos movimentos contemporâneos. Tradução Denise Bottmann; Federico Carotti. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. 709 p.
HESÍODO. Teogonia. Organização e tradução Christian Werner. São Paulo: Hedra, 2013. 103p.
_________ . Teogonia e Trabalhos e Dias. Tradução e introdução Sueli Maria de Regino. São Paulo: Martin Claret, 2014. 153p.
HIGINO, C. J. Fábulas e Astronomia. Tradução Guadalupe Morcillo Exposito. Madrid, Espanha: Ediciones Akal, 2008. 359 p.
MINNEAPOLIS INSTITUTE OF ART, Minneapolis, Minnesota, EUA. Disponível em: https://collections.artsmia.org/art/1959/bacchante-and-satyr-jean-baptiste-auguste-clesinger Acesso em: 27 mai. 2022.
MUSÉE D’ORSAY, Paris, França. Disponível em: https://www.musee-orsay.fr/fr/oeuvres/satyre-jouant-avec-une-bacchante-80035 Acesso em: 27 mai. 2022.
MUSÉE D’ORSAY, Paris, França. Disponível em: https://www.musee-orsay.fr/fr/oeuvres/satyre-et-nymphe-6074 Acesso em: 27 mai. 2022.
MUSÉE D’ORSAY, Paris, França. Disponível em: https://www.musee-orsay.fr/fr/oeuvres/satyre-poursuivant-une-nymphe-15358 Acesso em: 27 mai. 2022.
MUSÉE D’ORSAY, Paris, França. Disponível em: https://www.musee-orsay.fr/fr/oeuvres/satyre-poursuivant-une-nymphe-15353 Acesso em: 27 mai. 2022.
MUSÉE DU LOUVRE, Paris, França. Disponível em: https://collections.louvre.fr/ark:/53355/cl010094981 Acesso em: 27 mai. 2022.
MUSÉE DU LOUVRE, Paris, França. Disponível em: https://collections.louvre.fr/ark:/53355/cl010091241 Acesso em: 27 mai. 2022.
MUSÉE DU LOUVRE, Paris, França. Disponível em: https://collections.louvre.fr/ark:/53355/cl010089410 Acesso em: 27 mai. 2022.
NATIONAL MUSEUM, Estocolmo, Suécia. Disponível em: http://emp-web-84.zetcom.ch/eMP/eMuseumPlus?service=ExternalInterface&module=collection&objectId=26780&viewType=detailView Acesso em: 27 mai. 2022.
NATIONAL MUSEUM, Estocolmo, Suécia. Disponível em: http://emp-web-84.zetcom.ch/eMP/eMuseumPlus?service=ExternalInterface&module=collection&objectId=26781&viewType=detailView Acesso em: 27 mai. 2022.
NATIONAL MUSEUM, Estocolmo, Suécia. Disponível em: http://emp-web-84.zetcom.ch/eMP/eMuseumPlus?service=ExternalInterface&module=collection&objectId=26782&viewType=detailView Acesso em: 27 mai. 2022.
OVIDIO. Metamorfoses. Tradução Domingos Lucas Dias. São Paulo: Editora 34, 2017. 909 p.
THORVALDSENS MUSEUMS, Copenhagen, Dinamarca. Disponível em: https://kataloget.thorvaldsensmuseum.dk/A31 Acesso em: 27 mai. 2022.
THORVALDSENS MUSEUMS, Copenhagen, Dinamarca. Disponível em: https://kataloget.thorvaldsensmuseum.dk/A32 Acesso em: 27 mai. 2022.
THORVALDSENS MUSEUMS, Copenhagen, Dinamarca. Disponível em: https://kataloget.thorvaldsensmuseum.dk/A44 Acesso em: 27 mai. 2022.
THORVALDSENS MUSEUMS, Copenhagen, Dinamarca. Disponível em: https://kataloget.thorvaldsensmuseum.dk/A22 Acesso em: 27 mai. 2022.
THORVALDSENS MUSEUMS, Copenhagen, Dinamarca. Disponível em: https://kataloget.thorvaldsensmuseum.dk/A804 Acesso em: 27 mai. 2022.
THORVALDSENS MUSEUMS, Copenhagen, Dinamarca. Disponível em: https://kataloget.thorvaldsensmuseum.dk/A894 Acesso em: 27 mai. 2022.
THORVALDSENS MUSEUMS, Copenhagen, Dinamarca. Disponível em: https://kataloget.thorvaldsensmuseum.dk/A24 Acesso em: 27 mai. 2022.
THORVALDSENS MUSEUMS, Copenhagen, Dinamarca. Disponível em: https://kataloget.thorvaldsensmuseum.dk/A23 Acesso em: 27 mai. 2022.
[1] O período artístico conhecido por Neoclássico se estende a partir do final do século XVIII, alcança o Romantismo e, em alguns casos, alcança o final do século XIX.
[2] Saiba mais sobre Jean-Baptiste PIGALLE[2] (1714-1785) em: https://arteref.com/artigos-academicos/a-escultura-neoclassica-pigalle-houdon-e-canova/
[3] Saiba mais sobre Jean Antoine HOUDON[3] (1741-1828) em: https://arteref.com/artigos-academicos/a-escultura-neoclassica-pigalle-houdon-e-canova/
[4] Saiba mais sobre Antonio CANOVA[4] (1757-1822) em: https://arteref.com/artigos-academicos/a-escultura-neoclassica-pigalle-houdon-e-canova/
[5] A Academia Real Dinamarquesa de Retrato, Escultura e Arquitetura em Copenhague foi inaugurada em 1754. Seu nome foi alterado para Academia Real Dinamarquesa de Pintura, Escultura e Arquitetura (Royal Danish Academy of Painting, Sculpture, and Architecture) em 1771, introduzindo um novo esquema na academia para incentivar os aprendizes de artesãos a ter aulas complementares de desenho. Em 1814, o nome foi alterado novamente, desta vez para a Academia Real Dinamarquesa de Belas Artes Royal (Academy of Fine Arts) e mantém o endereço junto ao Palácio de Charlottenborg, em Copenhague, na Dinamarca.
[6] Segundo HIGINO em Fábulas (CXLIV, 1,2, p. 136) a águia comia seu coração.
[7] Unido com a mortal Sêmele, filha de Cadmo, Zeus gerou um esplêndido filho, de dourados cabelos. “Dioniso muito-júbilo, a mortal ao imortal: ambos agora são deuses” (HESÍODO, 941-942, 2013, p. 97).
[8] Na ilha de Naxos, nas ilhas Cíclades, Dioniso recebeu grande atenção das ninfas locais, que além de o alimentaram carinhosamente com mel, o ensinaram a brincar e dançar até a idade de ser instruído e educado, quando foi entregue a um estranho ser, bondoso e divertido, chamado Sileno. O ébrio ancião e gorducho, apesar de viver eternamente cambaleante de tanto beber, era dono de profundos conhecimentos.
[9] Os Egipãs, que apresentavam o corpo peludo, pés e chifres de cabra, nasceram da união do deus Pã e a ninfa Ega ou Aix, quando estavam embriagados. Os Egipãs saltitavam nas rochas e se escondiam em grutas misteriosas, como sua mãe, responsável por amamentar Zeus quando recém-nascido.
[10] Albert-Ernest CARRIER-BELLEUSE (1824-1887) Sátiro e Ninfa, versão 1868. Escultura, Terracota, 33,8×22,7×20,8. Musée d’Orsay, Paris, França. Disponível em: https://www.musee-orsay.fr/fr/oeuvres/satyre-et-nymphe-6074 Acesso em: 27 mai. 2022.
[11] Jean-Baptiste Auguste CLESINGER (1814-1883) Bacante e Sátiro, 1869. Escultura, Mármore, 87.63 x67.31×34.29. Minneapolis Institute of Art, Minneapolis, Minnesota, EUA. Disponível em: https://collections.artsmia.org/art/1959/bacchante-and-satyr-jean-baptiste-auguste-clesinger Acesso em: 27 mai. 2022.
[12] Henri GERVEX (1852-1929) Sátiro brincando com uma bacante, versão 1874. Óleo sobre tela, 159×193. Musée d’Orsay, Paris, França. Disponível em: https://www.musee-orsay.fr/fr/oeuvres/satyre-jouant-avec-une-bacchante-80035 Acesso em: 27 mai. 2022.
[13] Jean Antoine INJALBERT (1845 – 1933) Sátiro perseguindo uma ninfa, 1865-1908. Escultura, Terracota, 21,5×16,3×10,4. Musée d’Orsay, Paris, França. Disponível em: https://www.musee-orsay.fr/fr/oeuvres/satyre-poursuivant-une-nymphe-15358 Acesso em: 27 mai. 2022.
[14] Jean Antoine INJALBERT (1845 – 1933) Sátiro perseguindo uma ninfa,1891. Escultura, Bronze, 59,5x 24×37,5. Musée d’Orsay, Paris, França. Disponível em: https://www.musee-orsay.fr/fr/oeuvres/satyre-poursuivant-une-nymphe-15353 Acesso em: 27 mai. 2022.
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