A Arte realista ou figurativa sempre existiu, porque a imaginação tem necessariamente por base a observação e a experiência. O artista figurativo frente à sua produção tem duas atitudes: a objetividade e a subjetividade e essas duas atitudes coexistem, ora com predominância de uma, outras vezes, da outra.
Entre meados do século XVIII e meados do século XIX encontram-se diferentes movimentos artísticos, mas todos figurativos, com tendência ora para a objetividade ora para a subjetividade, ou seja, a imaginação.
Logo após as Poéticas do Pitoresco[1] e do Sublime chegaram, entre outros, os artistas chamados de Neoclássicos como Jacques Louis DAVID (1748-1825) e Jean-Auguste Dominique INGRES (1780-1867).
No fervor do entusiasmo romântico ligado à literatura, alguns artistas trilharam caminhos semelhantes, compartilhando o gosto por temas exóticos, históricos e patrióticos.
O movimento Romântico libertou os artistas das regras ditadas pelas Academias, igrejas, patronos, críticos, mestres e também das velhas tradições.
Durante o Romantismo é possível encontrar o Movimento Neobarroco, que mistura o drama do Barroco aliado a momentos históricos.
Entre os artistas desse período, que atuam entre o final do século XVIII e o início do século XIX, encontram-se: Francisco José de GOYA y Lucientes (1746-1828) e Jean-Louis André Théodore GÉRICAULT (1791-1824), que por sua vez pode ser classificado também como Romântico.
O ponto de convergência entre a arte Neoclássica, o Romantismo e o Neobarroco é a arte de Ferdinand Victor Eugène DELACROIX (1798-1863) de caráter complexo, revolucionário e rebelde na aceitação dos padrões da Academia.
Delacroix acredita que a cor e a imaginação são mais importantes do que as normas do bom desenho. Nos seus quadros não existe clareza nos contornos, nenhuma modelação na utilização de luz e sombra, nenhuma pose e comedimento na composição. O romantismo está presente no movimento e no instantâneo da cena.
Durante o Romantismo, portanto, o artista descobre que pode ser livre das amarras e que a arte é um perfeito meio para expressar a individualidade. Artistas solitários como Honoré DAUMIER (1808-1879), Jean Baptiste-Camille COROT (1796-1875) e Jean-François MILLET (1814-1875) com coragem e persistência, examinaram as convenções em termos críticos e criaram novas possibilidades com um estilo ainda figurativo, mas extremamente objetivo, enfatizando o homem e a ligação com a natureza.
Mas somente após a produção de Gustave COURBET (1819-1877) a partir de 1855 que o estilo recebeu o nome de Realismo.
Nascido em Ornans, Courbet foi para Paris em 1839 estudar os grandes mestres, principalmente os espanhóis e holandeses[2], e sem dúvida o italiano CARAVAGGIO[3].
Os autorretratos logo se tornaram um estilo pessoal. Desempenhos teatrais como um Homem Desesperado[4], Um Amante Apaixonado[5], Um Homem Ferido[6] mostram o lado romântico do artista.
Na década de 1840 Courbet foi frequentemente recusado no Salão de Paris até a pintura do Autorretrato com cão negro[7]. Com a obra aceita pelos críticos, Courbet continuou a pintar Autorretratos. O Violoncelista é um exemplo executado por Coubert nessa época.
Por volta da década de 1850, Courbet já estava decidido a pintar somente cenas tais como se viam, com figuras realistas em paisagens reais, ao contrário dos românticos que utilizavam a imaginação como uma fuga da realidade.
Segundo suas ideias o artista moderno deveria se orientar em sua experiência direta, deveria ser um realista, ou seja, não usar a subjetividade.
No outono de 1849 Courbet voltou para Ornans, onde seu pai havia preparado um estúdio.
Com o próximo Salão em vista, Courbet completou suas pinturas, com o enorme Funeral de Ornans[8], com membros da família e seus cidadãos reunidos em torno do padre junto à sepultura aberta. A tela realista chamou atenção por ser enorme – tela desse tamanho só era usada para pintura histórica até então. Além disso Courbet ousou pintar os presentes no funeral, sem retoques, frio, sem o romantismo dramático.
Na exposição de Paris de 1855, obras do artista neoclássico Ingres e do romântico Delacroix receberam lugar de destaque, enquanto as de Courbet foram imensamente criticadas e algumas recusadas.
Para que o público pudesse conhecê-las, Courbet as expôs um mês depois num barracão por sua conta, com o título de Manifesto do Realismo. Obras como Funeral de Ornans, Bonjour, senhor Courbet[9] e O Ateliê de Pintura[10] marcam o início do Realismo, com uma aproximação objetiva da realidade.
Era a superação simultânea do “clássico” e do “romântico” enquanto poéticas destinadas a mediar, condicionar e orientar a relação do artista com a realidade. Com isso, Courbet não nega a importância da história, dos grandes mestres do passado, mas afirma que deles não se herda uma concepção do mundo, um sistema de valores ou um ideal de arte, e sim apenas a experiência de enfrentar a realidade e seus problemas com os meios exclusivos da pintura. (ARGAN, 2001, p. 75)
Com a invenção da fotografia em 1839 e sua difusão, muitos artistas entraram em crise, no entanto Courbet soube aproveitar o suporte que ela trouxe.
Courbet, realista por princípio nunca acreditou que o olho humano visse mais e melhor do que a objetiva; pelo contrário, não hesitou em transpor para a pintura imagens extraídas de fotografias. Para ele, o que não podia ser substituído por um meio mecânico não era a visão, mas a manufatura do quadro, o trabalho do pintor. (ARGAN, 2001, p. 81)
Courbet realizou inúmeras pinturas com o tema da gruta rochosa na nascente do Loue, o rio que corta a aldeia em Ornans, no leste da França, onde nasceu.
Courbet pintou diferentes temas: Cenas de floresta, paisagens rurais e vilas, marinhas, retratos, naturezas-mortas e desafiadores nus femininos, que dominaram sua pintura na década de 1860.
Inicialmente considerada como deselegante pelos críticos, a pintura – Mulher com Papagaio – exibida no Salão de 1666 foi bem recebida pelos artistas mais jovens, como Édouard MANET (1832-1883) e Paul CÉZANNE (1839-1906) que compartilhavam o afastamento dos padrões acadêmicos.
Revolucionário e provocador, Courbet foi condenado a seis meses de prisão por destruir um patrimônio francês.
Refugiado na Suíça a partir de 1873, nos últimos anos Courbet trabalhou principalmente com paisagens, estudos de animais, retratos e naturezas-mortas.
Arrasado pelas agruras que experimentou, Courbet voltou, em suas últimas obras, ao estilo romântico das pinturas de sua juventude, inspirado pelas obras holandesas.
A independência de Courbet, seu posicionamento e o combate às antigas convenções artísticas, influenciaram grandemente os novos artistas como os Impressionistas e as futuras gerações.
ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna. Do Iluminismo aos movimentos contemporâneos. Tradução Denise Bottmann; Federico Carotti. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. 709 p.
NATIONALMUSEUM, Estocolmo, Suécia. Disponível em: http://emp-web-84.zetcom.ch/eMP/eMuseumPlus?service=ExternalInterface&module=collection&objectId=20159&viewType=detailView Acesso em 04 out. 2020.
THE METROPOLITAN MUSEUM OF ART, Nova York, EUA. Disponível em: https://www.metmuseum.org/art/collection/search/436004 Acesso em: 05 out. 2020.
THE METROPOLITAN MUSEUM OF ART, Nova York, EUA. Disponível em: Acesso https://www.metmuseum.org/art/collection/search/436023 Acesso em: 05 out. 2020.
THE METROPOLITAN MUSEUM OF ART, Nova York, EUA. Disponível em: Acesso https://www.metmuseum.org/art/collection/search/436002 Acesso em: 05 out. 2020.
[1] Saiba mais em: https://arteref.com/artigos-academicos/poetica-do-pitoresco/
[2] Mais dos artistas holandeses em: https://arteref.com/artigos-academicos/o-barroco-na-holanda/
[3] Michelangelo Merisi da CARAVAGGIO (1571-1610) Uma das personalidades mais fascinantes da História da Arte, que encarnou o artista em conflito com as convenções sociais. Mais de Caravaggio em: https://arteref.com/artigos-academicos/caravaggio-a-verdade-dramatica/
[4] Jean Désiré Gustave COURBET (1819-1877) Autorretrato – O Homem desesperado, ca. 1843. Óleo sobre tela, 45×99. Coleção particular.
[5] Jean Désiré Gustave COURBET (1819-1877) Um amante apaixonado, ca. 1844. Óleo sobre tela, 77.5×60. Musée des Beaux-Arts de Lyon, França
[6] Jean Désiré Gustave COURBET (1819-1877) O Homem ferido, entre 1844 e 1854. Óleo sobre tela, 81,5×97,5. Musée d’Orsay, Paris, França.
[7] Jean Désiré Gustave COURBET (1819-1877) Autorretrato com cão negro, 1842-1844. Óleo sobre tela, 46,3×55,5. Musée de Petit Palais, Paris, França.
[8] Jean Désiré Gustave COURBET (1819-1877) Um Funeral em Ornans, entre 1849 e 1850.Óleo sobre tela, 315×668. Musée d’Orsay, Paris, França
[9] Jean Désiré Gustave COURBET (1819-1877) Bonjour, senhor Courbet, 1854. Óleo sobre tela, 132×150,5. Musée Fabre, Montpellier. França.
[10] Jean Désiré Gustave COURBET (1819-1877) O Ateliê de Pintura, uma verdadeira alegoria resumindo sete anos da minha vida artística e moral, 1854-1855. Óleo sobre tela, 361×598. Musée d’Orsay, Paris, França.
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