Artigos Acadêmicos

Michelangelo e a pintura do teto da Capela Sistina

A Capela Sistina iniciada no século XV, deve seu nome ao Papa Sixto IV della Rovere (papa de 1471 a 1484).

Como parte de um fabuloso projeto, a pintura das paredes, que inclui: pintura de falsas cortinas, histórias de Moisés, histórias de Cristo e retratos dos papas, foi realizada, nos séculos XV e XVI, por uma equipe de artistas renascentistas.

Cosimo ROSSELLI (1439-1507), Sandro BOTTICELLI (1444/45-1510), Domenico GHIRLANDAIO (1448/9-1494), Bernardino di Betti, conhecido por PINTURICCHIO (1454-1513) e BIAGIO dAntonio (1466-1515), que se juntaram por volta de 1480/81 ao artista Pietro Vannucci, conhecido por PERUGINO (ca.1448-1523), que já participava do projeto artístico, com seus assistentes: DELLA GATTA (1448-1502) e Luca SIGNORELLI (ca. 1450-1523).

As faixas de pinturas nas paredes fazem um paralelo entre as Histórias de Moisés e as de Cristo, ou seja: histórias do Velho e do Novo Testamento.

Cenas do Velho Testamento representadas na parede sul. Cappella Sistina, Palazzi Pontifici, Vatican, Itália.

Cenas do Novo Testamento representadas na parede norte. Cappella Sistina, Palazzi Pontifici, Vatican, Itália.

Realizada a pintura das duas paredes, MICHELANGELO (1475-1564) foi chamado, por volta de 1508,  para pintar o teto da Capela Sistina.

De acordo com Janson (1992), angustiado por retornar o trabalho no túmulo de Júlio II, iniciado em 1505, o artista realizou a imensa pintura em apenas quatro anos.

Na área central do teto, subdividido por vigas, Michelangelo representou, em afresco, nove cenas do Gênesis[2] desde a Separação das Trevas da Luz até a Embriaguez de Noé, organizados entre arcos, cornijas e colunas pintadas em Trompe l’oeil[3].

MICHELANGELO (1475-1564) Teto da Capela Sistina. Porção central, sibilas e profetas, triângulos, pendículos, cabeceira e fundo da Capela. Fresco, 1508-1512. Cappella Sistina, Palazzi Pontifici, Vatican, Itália.
MICHELANGELO (1475-1564) DETALHE: Da esquerda para à direita: A Separação das Trevas da Luz; A Criação do Sol, da Lua e das Plantas; A Separação das Terras das Águas; Criação do Homem e Criação da Mulher. Fresco, 1508-1512. Cappella Sistina, Palazzi Pontifici, Vatican, Itália.
MICHELANGELO (1475-1564) DETALHE: Criação do Homem. Fresco, 1508-1512. Cappella Sistina, Palazzi Pontifici, Vatican, Itália.

Segundo Janson (1992, p. 454) A pintura “que tocou mais profundamente a imaginação de Michelangelo deve ter sido a Criação do Adão, onde não mostra a modelação física do corpo de Adão, mas sim a transmissão da centelha divina”.

Na concepção espacial, Michelangelo insere um enorme manto, soprado pelo vento, envolvendo o Criador, que é amparado por anjos curiosos e ignudi[4].

Com olhar paternal e um leve toque o homem acorda para a vida, em pleno vigor e beleza. Desperto, “Adão tenta alcançar, não apenas o seu Criador, mas também Eva, que ele vê, ainda por nascer, sob a proteção do braço esquerdo do senhor.” (JANSON, 1992, p. 454)

MICHELANGELO (1475-1564) DETALHE: Da esquerda para à direita: Criação da Mulher; Expulsão de Adão e Eva do Paraíso; Sacrifício de Noé; Dilúvio e Embriaguez de Noé. Fresco, 1508-1512. Cappella Sistina, Palazzi Pontifici, Vatican, Itália.
MICHELANGELO (1475-1564) DETALHE: Pecado original e expulsão do Paraíso. Fresco, 1508-1512.Cappella Sistina, Palazzi Pontifici, Vatican, Itália.

Michelangelo representa dois momentos – de causa e efeito – narrados no Gênesis.

À esquerda[5] Adão acompanha Eva no centro do jardim do Éden, onde entre outras árvores de bons alimentos, encontra-se a árvore da vida e do conhecimento do bem e do mal. Com a participação do companheiro, Eva recebe o fruto da serpente enrolada ao tronco.  À direita[6], encostado à serpente, o Arcanjo armado da espada flamejante, expulsa o casal, que em plena angústia e remorso seguem pela terra árida.

Acredita-se que Michelangelo tenha se lembrado do casal executado por MASACCIO (1401-1428/9) no fresco da Capela Brancacci[7], por volta de 1426 e 1427.

Na composição, Michelangelo “restringe a paleta a cores pétreas”, com intenção de “conferir às figuras a qualidade de escultura pintada”. Os mesmos tons são aplicados em todos os ignudi espalhados pelo teto, unindo as secções. Personagens que “desempenham um papel fundamental no esquema”, formando “uma espécie de cadeia que interliga as cenas do Gênesis.” (JANSON, 1992, p. 454)

MICHELANGELO (1475-1564) DETALHE: Sacrifício de Noé. Fresco, 1508-1512. Cappella Sistina, Palazzi Pontifici, Vatican, Itália.

Obedecendo a Deus, Noé acompanhado da mulher, seus filhos, noras e todos os animais, répteis e pássaros saíram da arca.

Então Noé construiu um altar ao senhor e tomando alguns animais e aves ofereceu sacrifícios sobre o altar.

A cena recebe dois escudos pintados nos tons dourado e bronze, amparados por quatro ignudi destacados pela técnica do Trompe l’oeil.  

MICHELANGELO (1475-1564) DETALHE: Sibilas e profetas em tronos alternados habitam um cenário simulado por elementos de arquitetura entremeados por oito triângulos, representando os antepassados de Cristo. Fresco, 1508-1512. Cappella Sistina, Palazzi Pontifici, Vatican, Itália
MICHELANGELO (1475-1564) DETALHE: Sibilas e Profetas. Fresco, 1508-1512. Cappella Sistina, Palazzi Pontifici, Vatican, Itália.
MICHELANGELO (1475-1564) DETALHE- Sibila Libica. Fresco, 1510-1512. Cappella Sistina, Palazzi Pontifici, Vatican, Itália

Michelangelo representa a Sibila Libica em pleno movimento rotatório do corpo, no ato de pousar o enorme livro das profecias, que ela está prestes a fechar.

MICHELANGELO (1475-1564) DETALHE- As histórias dos Ancestrais de Cristo encontram-se ajustados nos triângulos acima das lunetas. Cappella Sistina, Palazzi Pontifici, Vatican, Itália

MICHELANGELO (1475-1564) DETALHE: Ancestrais de Cristo junto às lunetas da parede de entrada. Eleazar e Mathan. Jacob e José. Fresco, ca. 1511-1512. 215×430. Cappella Sistina, Palazzi Pontifici, Vatican, Itália.
MICHELANGELO (1475-1564) DETALHE: Cenas bíblicas distribuídas nos pendículos[8]. Fresco, 1508-1512. Cappella Sistina, Palazzi Pontifici, Vatican, Itália.

MICHELANGELO (1475-1564) DETALHE: Cenas bíblicas distribuídas nos pendículos[8]. Fresco, 1508-1512. Cappella Sistina, Palazzi Pontifici, Vatican, Itália.

A cena à esquerda apresenta a história de Judite e Holofernes[9]. No antigo testamento é narrado o episódio de Judite que salva sua cidade Betulia cercada por Holofernes, general do rei babilônio Nabucodonosor. Na tenda, Holofernes está desmaiado após consumir muito vinho, durante um banquete. Os guardas dormem, à esquerda. Avançando até a coluna da cama, Judite toma a cimitarra[10] e agarrando a cabeça de Holofernes pelos cabelos, com toda força lhe corta a cabeça com dois golpes. Em seguida, ela entrega a cabeça numa bandeja à sua serva.

A cena à direita trata da luta entre David e Golias, uma das pessoas mais altas já vista. David munido com uma funda e algumas pedras enfrenta Golias, derrubando-o. Michelangelo registra o instante em que David se apossa da lâmina inimiga e está prestes a cortar a cabeça de Golias.

MICHELANGELO (1475-1564) DETALHE- O Profeta Jonas encontra-se na cabeceira da capela e o profeta Zacarias ao fundo

MICHELANGELO (1475-1564) DETALHE: O Profeta Jonas encontra-se na cabeceira da capela e o profeta Zacarias ao fundo. Fresco, 1508-1512. Cappella Sistina, Palazzi Pontifici, Vatican, Itália.

Tão logo terminou de pintar o teto da Capela Sistina, em 1512, Michelangelo voltou aos blocos de mármore para terminar o túmulo de Júlio II. Logo depois, o artista se dirigiu à Florença para trabalhar na igreja dos Médici, permanecendo por catorze anos no projeto dos túmulos da família, consolidando sua fama e influenciando todos os artistas do período denominado de Alta Renascença.

No entanto,  a invasão da Itália pela França, Alemanha e Espanha culminou com o saque a Roma em 1527 resultando em um grande choque à cultura renascentista. Brotaram novas idéias sobre a sociedade e a religião e as relações entre artistas e patronos se alteraram.

Finalmente em 1534, no período chamado de Renascimento tardio, Michelangelo é chamado novamente a Capela Sistina, vinte anos após o término da pintura do teto.

Na pintura da parede acima do altar, sobre o tema do Juízo Final, o artista explora o conceito da Justiça Divina, severa e implacável em relação aos condenados.

Segundo Janson (1992, p. 454) “É com crua nitidez que nos apercebemos da mudança de atmosfera quando passamos da vitalidade radiante dos frescos do teto, para a visão sombria do Juízo Final.”


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Referências

GOMBRICH, E. H. A História da Arte. Tradução Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: LTC, 2000. 714 p.

JANSON H. W. História da Arte. Tradução J.A. Ferreira de Almeida; Maria Manuela Rocheta Santos. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1992. 823 p.

MARTINI, Fátima R. S. A Pintura Renascentista e Maneirista nos Museus. In Curso de Extensão/UNIMES virtual. Santos/SP: UNIMES, 2016. 57 p.

THE METROPOLITAN MUSEUM OF ART, Nova York, EUA Disponível em: https://www.metmuseum.org/art/collection/search/337497 Acesso em: 02 ago. 2019

CAPPELLA SISTINA, Vaticano, Itália. Disponível em http://www.museivaticani.va/content/museivaticani/es/collezioni/musei/cappella-sistina/volta/storie-centrali/peccato-originale-e-cacciata-dal-paradiso-terrestre.html Acesso em: 04 ago. 2019.

CAPPELLA SISTINA, Vaticano, Itália. Disponível em Disponível em: http://www.museivaticani.va/content/museivaticani/it/collezioni/musei/cappella-sistina/volta/storie-centrali.html Acesso em 29 jul. 2019. Acesso em: 04 ago. 2019.


[1]    Profetisa filha de Zeus e de uma rainha líbia, a Sibila Libica ou Líbia presidia o oráculo de Zeus Amón, no Oásis de Siwa, na fronteira do Egito com a Líbia

[2]    Os dois primeiros capítulos do Gênesis descrevem a criação do mundo, a criação do homem e da mulher. O terceiro capítulo mostra Adão e Eva e a serpente. Seguem-se os capítulos descrevendo a história de Noé e o dilúvio.

[3]    Expresão francesa para enganar os olhos, a técnica artística chamada de Trompe l’oeil transforma a imagem em três dimensões, ocasionando um ilusionismo espacial. A expressão é usada tanto na pintura como na Arquitetura.

[4]    Plural de ignudo, ignudi, vem do italiano para nus masculinos, equivalentes aos anjos e querubins.

[5]    Gênesis 3,1-6: A serpente era o mais astuto de todos os animais que Deus havia feito. E disse à mulher: “é o que Deus lhe disse: não coma qualquer das árvores no jardim?”. Respondeu a mulher: “podemos comer do fruto das árvores do jardim, mas do fruto da árvore que está no meio do jardim, Deus disse: não comeis, nem toqueis, sob pena de morte”. Respondeu a cobra: “não vai morrer… sereis como deuses, sabendo o bem e o mal”. Então a mulher tomou do seu fruto e deu ao seu marido também.

[6]    Gênesis, 3, 23-24: Deus baniu Adão e Eva e no lado leste do jardim do Éden estabeleceu seus querubins e uma espada flamejante que se movia em todas as direções, evitando assim que alguém tivesse acesso à árvore da vida.

[7]    Tommaso di ser Giovanni di Mone, conhecido por MASACCIO (San Giovanni Valdarno, Arezzo, Itália, 1401- Roma,1428/9) Expulsão do Jardim do Éden, 1426/27. Afresco. Capela Brancacci, Igreja Santa Maria del Carmine, em Florença, Itália.

[8]    Também chamado de pendente, o pendículo é um elemento arquitetônico triangular e curvilíneo formado pela interseção de arcos e abóbada.

[9]    Judit (13, 1-10) Quedaron en la tienda sólo Judit y Holofernes, desplomado sobre su lecho y rezumando vino (Judit 13, 2) Avanzó, después, hasta la columna del lecho que estaba junto a la cabeza de Holofernes, tomó de allí su cimitarra, y acercándose al lecho, agarró la cabeza de Holofernes por los cabellos y dijo: “¡Dame fortaleza, Dios de Israel, ¡en este momento!”. Y, con todas sus fuerzas, le descargó dos golpes sobre el cuello y le cortó la cabeza (Judit 13, 6-8) y saliendo entregó la cabeza de Holofernes a su sierva. (Judit 13, 9)

[10]   Espada de lâmina curva, a cimitarra é utilizada entre outros, por árabes, turcos e persas, especialmente pelos guerreiros muçulmanos.

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Fatima Sans Martini

Mestre em Artes Visuais com Abordagens Teóricas, Históricas e Culturais pela UNESP. Pós-graduação em História da Arte pela FAAP-SP. Formada em Artes Plásticas. Experiência profissional: Projetista em Design de Interiores. Experiência acadêmica: nas disciplinas de Projetos, Desenho, História do Mobiliário e História da Arte nos cursos de Arquitetura e Design de Interiores. Professor das disciplinas de Estética e História da Arte Mundial e Brasileira no Curso de Artes da Unimes, Universidade Metropolitana de Santos, SP

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