No período denominado de Renascimento Pleno ou Alta Renascença, também chamado de Il Cinquecento pelos italianos, dois grandes artistas florentinos se destacaram pela genialidade: Leonardo Da Vinci (1452-1519) e Miguel Ângelo Buonarroti, conhecido por Michelangelo (1475-1564)
De acordo com Gombrich (2000) vinte e três anos mais jovem, Michelangelo sobreviveu à Leonardo quarenta e cinco anos e testemunhou uma mudança radical na posição do artista.
Nascido na Toscana, Michelangelo trabalhou entre Florença e Roma, onde viveram os membros da familia Medici[2] e os papas romanos, grandes incentivadores e patrocinadores do seu trabalho.
Michelangelo foi treinado na oficina de um dos mais conceituados mestres do final do século XIV, Domenico GHIRLANDAIO[3] e com ele aprendeu a dispor e enquadrar os grupos de figuras e, como agradar os olhos do observador. Foi ali que o gênio aprendeu e desenvolveu as diferentes técnicas que emergiram no meio artístico.
Na coleção dos Medici, Michelangelo descobriu a escultura greco-romana e encantado, passou a desenhar incansavelmente a figura humana e em especial o nu masculino, seguindo para a dissecação de cadáveres em busca da perfeição.
Sua carreira se desenvolveu na transição do Renascimento para o Maneirismo e seu estilo compreendeu influências da Antiguidade clássica e dos primeiros renascentistas.
“A fé de Michelangelo na imagem humana como o supremo veículo de expressão conferiu-lhe afinidade com a escultura clássica mais estreita que a de qualquer outro artista do Renascimento.” (JANSON, 1992, p. 451)
Depois de Pietá, aos vinte e seis anos, já no período denominado de Alta Renascença, Michelangelo recebeu a tarefa de realizar a monumental escultura de David, que deveria ser colocada a certa altura do solo.
Em 1504, a escultura foi colocada na frente do Palazzo Vechio, na Piazza della Signoria e ali permanece, embora o original tenha sido transferido para o interior da Galleria dell’Accademia em Florença, no século XIX.
David é representado antes da batalha contra Golias. Solitário o herói vislumbra o horizonte distante e avalia a força do seu oponente instantes antes da luta.
A mão esquerda levantada sustenta a funda[4] apoiada nos ombros e na mão direita David segura a pedra mortal.
Michelangelo “acabara de passar alguns anos em Roma, onde os corpos musculosos, frementes de emoção, da escultura helenística[5], o tinham impressionado profundamente.” (JANSON, 1992, p. 452)
O contraposto[6] utilizado, em que somente a perna direita suporta o peso proporciona à grande figura uma força muscular extraordinária. Por outro lado, enfatiza a curvatura do corpo, que ergue um dos ombros e levanta o quadril oposto. A figura aparentemente estática adquire pleno movimento, uma das características marcantes no estilo do mestre renascentista.
Em 1505, Michelangelo recebeu outra encomenda importante: decorar o túmulo do papa Júlio II (1443-1513) para o interior da Basilica di San Pietro, no Vaticano.
De acordo com Gombrich (2000) Michelangelo viajou para as conhecidas pedreiras de mármore de Carrara, afim de escolher os melhores blocos de onde libertaria as figuras, ali adormecidas.
No entanto, o papa alterou suas prioridades ao chamar o artista para decorar o teto da Capela Sistina (1508-1512) e o projeto da tumba foi engavetado.
Em 1512, tão logo terminou a pintura do teto da Capela, Michelangelo voltou sua atenção para o túmulo do papa. A intenção do programa escultórico era agregar cerca de quarenta esculturas, inclusive de escravos (talvez símbolos das conquistas de territórios promovidas por Júlio II)
No entanto, após a morte do papa, em 1513, o projeto foi dimensionado para baixo financeiramente e a tumba prevista para o Vaticano, acabou por ser construída no interior da Basilica di San Pietro in Vincoli, em Roma, preferida pela família.
E as esculturas dos escravos foram deixadas de lado, todas inacabadas. Do grupo de seis poses dos cativos, quatro encontram-se no acervo da Galleria dell’Accademia em Florença, e duas esculturas (escravo moribundo e escravo rebelde) foram, posteriormente, doadas para o florentino Roberto Strozzi (ca. 1512-1566), que repassou para o rei da França, encontrando-se atualmente no Musée du Louvre, em Paris.
Acorrentado, o corpo do escravo rebelde se contorce na tentativa de se libertar. O escravo moribundo está representado como um belo jovem, que parece adormecer. De acordo com Gombrich (2000) Michelangelo escolheu o momento em que a vida está prestes a apagar-se e o corpo cede às leis da matéria morta.
Entre as teorias, do significado da série de esculturas, existe a das forças emergindo dos corpos acorrentados ou das “artes estarem arrasadas pela morte do seu maior patrono”. (JANSON, 1992, p. 452)
O fato, das esculturas estarem inacabadas, reforça os inúmeros significados da obra do gênio indomável.
Os escravos foram abandonados por razões técnicas? Alguns segmentos de pedra podem indicar o abandono, mas não responde à questão, pois Michelangelo utilizava a oposição entre pedra bruta e polida. Talvez a busca para a verdade absoluta e o ideal da arte o tenha feito desistir, deixando as marcas visíveis das ferramentas, sinais da luta incansável pela busca da ideia aprisionada no bruto material (MUSÉE DU LOUVRE, 2019. Tradução nossa[7])
Do projeto inicial da tumba de Júlio II, Michelangelo completou apenas a escultura de Moisés, pois logo ele foi chamado para outros trabalhos. Primeiro por Leão X (1513-1521) e depois por Clemente VII (1523-1534) ambos da família Medici, que preferiram emprega-lo em Florença.
Concluída pelos discípulos de Michelangelo, a decoração da tumba junto à Basilica di San Pietro in Vincoli, consiste de uma fachada simples com seis nichos para estátuas, talvez insignificante em comparação com o projeto original que abrigaria cerca de quarenta esculturas.
Na parte inferior, a figura de Moisés ocupa o centro da composição. À esquerda de Moisés com as tábuas da lei, está Lia e à direita Raquel (irmãs contemplativas, personagens da Bíblia), ambas iniciadas por Michelangelo, mas terminada por Raffaello da Montelupo (ca. 1504/05-1566/67).
Na parte superior, ao centro encontra-se a escultura do papa Júlio II[8] abaixo da proteção da virgem Maria com o menino Jesus[9]. À esquerda uma Sibila e à direita um profeta.
“O majestoso Moisés, ideado para ser visto de baixo, tem a força temerosa a que os contemporâneos do artista chamavam terribilità”, um conceito criado pelos românticos de sublime. (JANSON, 1992, p. 452)
O braço e a mão direita apoiam-se nas tábuas da lei, e os dedos envolvem e acariciam os cabelos que se misturam à longa barba encaracolada.
Os raios da sabedoria divina, saem de sua cabeça como cornos de luz. A posição empregada por Michelangelo sugere uma atitude vigilante e meditativa, no calmo governador dos homens de fé.
O olhar e a pressão dos lábios revelam a ira aniquiladora ao ser ignorado.
BASILICA DI SAN PIETRO, Vaticano, Itália. Disponível em: https://www.vaticanstate.va/it/monumenti/basilica-di-san-pietro/interno.html Acesso em 29 jul. 2019.
BASILICA DI SAN PIETRO IN VINCOLI, Roma, Itália. Disponível em: http://www.lateranensi.org/sanpietroinvincoli/ Acesso em: 29 jul. 2019.
GOMBRICH, E. H. A História da Arte. Tradução Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: LTC, 2000. 714 p.
JANSON H. W. História da Arte. Tradução J.A. Ferreira de Almeida; Maria Manuela Rocheta Santos. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1992. 823 p.
MARTINI, Fátima R. S. A Pintura Renascentista e Maneirista nos Museus. In Curso de Extensão/UNIMES virtual. Santos/SP: UNIMES, 2016. 57 p.
MUSÉE DU LOUVRE, Paris, França. Disponível em: https://www.louvre.fr/en/mediaimages/captif-lesclave-mourant-michel-ange-michelangelo-buonarroti-dit Acesso em: 29 jul. 2019.
MUSÉE DU LOUVRE, Paris, França. Disponível em: https://www.louvre.fr/en/mediaimages/captif-lesclave-mourant-michel-ange-michelangelo-buonarroti-dit Acesso em: 29 jul. 2019.
MUSÉE DU LOUVRE, Paris, França. Disponível em: https://www.louvre.fr/oeuvre-notices/captif Acesso em: 29 jul. 2019.
[1] Obra-prima de Michelangelo, Pietá foi executada em 1499, quando a artista tinha apenas 24 anos. A virgem apresenta o rosto jovem e doce, frente ao destino e a dor. Em seu ventre ela apoia o Cristo com o corpo molemente abandonado. No cinto inclinado sobre o peito da virgem, o artista deixou sua assinatura. Basilica di San Pietro, Vaticano, Itália. Disponível em: https://www.vaticanstate.va/it/monumenti/basilica-di-san-pietro/interno.html Acesso em 29 jul. 2019.
[2] Dinastia política, os Medici governaram Florença e ajudaram no florescimento da arte e do humanismo italiano. O fundador da dinastia foi Cosimo de Medici, o velho (1389-1464) seguido por Lorenzo, o magnífico (1449-1492), no período em que surgiram as maiores obras renascentistas. A família alternou-se no poder, foi perseguida e exilada e nomeou dois papas no período renascentista: Leão X (1513-1521) e Clemente VII (1523-1534).
[3] Domenico GHIRLANDAIO (1448/9 – 1494) trabalhou em Florença nas obras no Palazzo Vecchio e Santa Maria Novella; e em Roma, na Capela Sistina. Sua obra influenciou os artistas BOTTICELLI, Filipino LIPPI e MICHELANGELO. Na fase madura, Ghirlandaio incluiu com frequencia autorretratos nas suas obras, em que olha diretamente para o observador, apoiando a mão na cintura em uma postura orgulhosa.
[4] A funda era uma arma simples e mortal utilizada pelos combatentes. Uma pedra era acomodada em uma fibra vegetal ou uma simples tira de couro e projetada contra a cabeça do alvo. Segundo as palavras sagradas, depois da morte de Golias, David foi eleito rei, unindo os reinos de Israel.
[5] O período helenístico encontra-se por volta do século IV até o início do ano I cristão. A escultura helenística executada por artistas gregos, apresenta figuras aperfeiçoadas anatomicamente e grupo de figuras em movimento em extrema emoção. Roma, por meio das cópias, eternizou o estilo, adicionando às esculturas o realismo nos retratos individualizados.
[6] O contraposto é um “método desenvolvido pelos gregos para representar a liberdade de movimentos da figura. Várias partes do corpo são dispostas assimetricamente, em oposição uma às outras, em torno de um eixo, dando-se cuidadosa atenção à distribuição do peso.” (JANSON, 1992, p. 795)
[7] La terrasse trop mince sous leur pied le plus bas, explique sans doute l’abandon des pièces. Mais le non finito est un thème récurrent chez Michel-Ange, qui joue de l’opposition entre le poli, lisse et impeccable du corps de l’Esclave mourant, et le grossier du marbre brut. Dans sa quête d’absolu vers la vérité de l’art, il abandonne quand il sent qu’il ne peut atteindre son idéal. Il laisse ainsi bien visibles les marques des outils, pics et pointes, râpes, gradines et trépans, ces marques vivantes de son combat inlassable avec la matière, qu’il creuse avec acharnement, pour en tirer l’idée emprisonnée. Musée du Louvre. Disponível em: https://www.louvre.fr/oeuvre-notices/captif Acesso em: 29 jul. 2019.
[8] A escultura de Júlio II anteriormente atribuída a Tommaso di Pietro Boscoli (ca. 1503-1574). Depois de restaurada em 2000, passou a ser considerada, provavelmente, como uma produção de Michelangelo.
[9] Executada por FANCELLI, Alessandro, conhecido por Scherano, nascido em Settignano, próximo à Florença, no século XVI.
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