De 1715 a 1723, no período chamado de Regência[2], enquanto se aguarda a maioridade do herdeiro Luís XV (1710-1774) a corte se transfere de Versailles para Paris, entrando em contato com os ricos comerciantes. O regente exige maior leveza de seus artistas dentro de uma linguagem formal, mas ao mesmo tempo mais alegre e natural.

A próspera classe média torna-se consumidora dos pequenos quadros para uso doméstico, adaptando a pintura Rococó para um estilo mais feminino, delicado e sensual. As pinturas do Rococó na França lembram um tempo infinitamente distante, onde a vida bucólica e os devaneios fazem parte da sociedade em tempo integral.

A tendência para o monumental, o cerimonioso e o solene já desaparece nos primeiros tempos do Rococó e dá lugar a uma qualidade mais delicada e mais íntima. Na nova arte, a preferência recai sobre a cor e as nuances de expressão em lugar do grande e firme traço objetivo, e a nota de sensualidade e sentimento será ouvida em todas as suas manifestações. (HAUSER, 2000, p. 497)

No Rococó existe um prazer e uma alegria que não se observa em outro estilo. Os artistas no século XVIII renegam o formalismo e o tédio com a criação de um edílico mundo de lazer e alegorias.

Entre os pintores do Rococó francês encontram-se: Jean Antoine WATTEAU (1684-1721), Jean-Baptiste-Joseph PATER[3] (1695-1736); Nicolas LANCRET (1690-1743); Jean-Baptiste Siméon CHARDIN (1699-1779); François BOUCHER (1703-1770); Jean-Jacques BACHELIER (1724-1806), Jean-Honoré FRAGONARD (1732-1806); Jean-Marc NATTIER (1685-1766); Jean Baptiste GREUZE[4] (1725-1805); Maurice Quentin de LA TOUR (1704-1788) e Marie-Louise-Élisabeth VIGÉE-LEBRUN (1755-1842).


Jean-Antoine WATTEAU (1684-1721)

Belas damas e enamorados graciosos circulam em saraus musicais e alegres piqueniques nas obras de Jean-Antoine Watteau, o primeiro e mais destacado dos artistas do estilo Rococó francês, de acordo com Gombrich (2000)

Condizente com os ideais vividos pela corte durante a Regência francesa, a pintura sobre a viagem a ilha do amor – Peregrinação à Ilha de Cythera[5] – entregue em 1717 por Watteau foi tão bem apreciada pela Académie Royale de Peinture et de Sculpture, que se criou uma nova categoria: a fête galante, em que pessoas elegantes se divertem em ambientes bucólicos ao ar livre. Um retrato da sociedade parisiense em que as “poéticas criaturas” se vestem de sedas, se apaixonam e se divertem na capital da moda, da opulência e das festas. (JANSON, 1992, p. 558)

Personagens da Comédia italiana[6] que se apresentavam nos palcos de Paris, na época, também serviram de inspiração para Watteau. Enquadrados na mesma categoria de fête galante, intérpretes de histórias amorosas e ciúmes, com máscaras e disfarces entre amantes e estátuas de mármore, os comediantes foram representados em cenários de teatro e paisagens fantasiosas.  

Jean-Antoine WATTEAU (1684-1721) com a assistência de Jean-Baptiste-Joseph PATER (1695-1736) Fête champêtre ou Encontro Pastoral, 1718-1721. Óleo sobre painel, 48.6×64.5. Art Institute Chicago, Chicago, EUA.

Mulheres, homens e crianças ricamente trajados e elegantes se reúnem sob a sombra das árvores para conversar, namorar e fazer piquenique. No encontro pastoral todos estão alegres. A vida no campo transcorre pacífica, sem preocupações e adversidades. 

À esquerda na sombra, sobre uma coluna, a mulher nua com aspecto marmóreo, observa a sociedade parisiense.


François BOUCHER (1703 -1770)

Ainda muito jovem, François Boucher frequentou a oficina do artista François LE MOYNE (1688-1737)[7], entrando em contato com os últimos suspiros do Barroco e as novidades de uma arte mais delicada e alegre. Logo depois Boucher trabalhou ao lado de Watteau, reproduzindo algumas de suas pinturas em gravuras.

Com um estilo inspirado em Watteau e uma técnica primorosa, Boucher ganhou uma bolsa de estudos com origem na competição artística do Grand Prix de Roma, patrocinada pelo governo francês. Em Roma, o jovem artista devotou-se a fazer cópias das Antiguidades e das obras Renascentistas, como era costume entre os bolsistas.

Em 1731, de volta à França, Boucher foi admitido na Académie Royale de Peinture et de Sculpture e logo em seguida recebeu o cargo de diretor da Manufacture Royale des Meubles de la Couronne[8].

Bem-sucedido, com uma grande produção de pinturas pastorais e temas mitológicos, Boucher foi nomeado pintor oficial de Luís XV, tornando-se conhecido na corte francesa por pintar a favorita de Luís XV: a Madame de Pompadour[9].

François BOUCHER (1703 -1770) Madame de Pompadour, 1756. Óleo sobre tela, 201×157. Alte Pinakothek, Munique, Alemanha.

François BOUCHER (1703 -1770) Rapariga em Repouso, 1752. Óleo sobre tela, 59×73. Alte Pinakothek, Munique, Alemanha.

A bacia de carvão no chão fornece calor à jovem que repousa, sensualmente, entre almofadas e lençóis de cetim sobre uma chaise-longue no estilo Luís XV.

François BOUCHER (1703 -1770 Música e Dança, 1740. Óleo sobre tela, 69×123. The Cleveland Museum of Art, Cleveland, Ohio, EUA.

François BOUCHER (1703 -1770) Cupidos em conspiração, 1740. Óleo sobre tela, 68.8×123.2. The Cleveland Museum of Art, Cleveland, Ohio, EUA.

Série de pinturas que teria sido executada por François Boucher para ser instalada no interior das residências da elite francesa no século XVIII. As duas pinturas apresentam putti que se divertem junto às cenas pastorais, entre elementos clássicos.


REFERÊNCIAS

ALTE PINAKOTHEK, Munique, Alemanha. Disponível em: https://www.sammlung.pinakothek.de/en/bookmark/artwork/ZMLJyYrDxJ Acesso em 20 fev. 2020.

ALTE PINAKOTHEK, Munique, Alemanha. Disponível em: https://www.sammlung.pinakothek.de/en/bookmark/artwork/jWLpeXQDGK Acesso em 20 fev. 2020.

ALTE PINAKOTHEK, Munique, Alemanha. Disponível em: https://www.sammlung.pinakothek.de/en/bookmark/artwork/M0xy2XWLpl Acesso em 20 fev. 2020.

ART INSTITUTE CHICAGO, Chicago, EUA. Disponível em: https://www.artic.edu/artworks/107938/fete-champetre-pastoral-gathering Acesso em 08 fev. 2020.

GOMBRICH, E. H. A História da Arte. Tradução Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: LTC, 2000. 714 p.

HAUSER, Arnold. História Social da Arte e da Literatura. São Paulo: Martins Fontes, 2000. 1032 p.

JANSON H. W. História da Arte. Tradução J.A. Ferreira de Almeida; Maria Manuela Rocheta Santos. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1992. 823 p.

MUSÉE DU LOUVRE, Paris, França. Disponível em: https://www.louvre.fr/oeuvre-notices/pelerinage-l-ile-de-cythere Acesso em 20 fev. 2020.

THE CLEVELAND MUSEUM OF ART, Cleveland, Ohio, EUA. Disponível em: https://www.clevelandart.org/art/1948.181.1 Acesso em 08 fev. 2020.

THE CLEVELAND MUSEUM OF ART, Cleveland, Ohio, EUA. Disponível em: https://www.clevelandart.org/art/1948.181.2 Acesso em 08 fev. 2020.


[1] Artista preferido das quatro filhas de Luís XV, Jean-Marc NATTIER (1685-1766) representou-as de todas as formas e momentos.

[2] O Duque de Orléans, Filipe Charles II (1674-1723), sobrinho de Luís XIV, foi Regente da França de 1715 a 1723, durante a menoridade de Luís XV (1715-1774) bisneto de Luís XIV (1638-1715).

[3] Jean-Baptiste-Joseph PATER (1595-1736) trabalhou com Jean-Antoine WATTEAU (1684-1721) em diferentes momentos. No início como aluno e posteriormente como auxiliar.  Responsável por terminar as obras inacabadas deixadas por Watteau após sua morte, Pater foi admitido, em 1728, na Académie Royale de Peinture et de Sculpture na categoria fête galante.

[4] Jean-Baptiste GREUZE (1725-1805), que tendia para um estilo mais próximo da pintura heroica, classifica-se como um pintor do Rococó tardio.

[5] Jean-Antoine WATTEAU (1684-1721) Pélerinage à l’île de Cythère, 1717. Óleo sobre tela, 1,29×1,94. É uma partida para a ilha de Cythera ou o retorno depois do amor? Cada historiador de arte interpretou à sua maneira a alegoria desta viagem à ilha do Amor. Musée du Louvre, Paris, França. Disponível em: https://www.louvre.fr/oeuvre-notices/pelerinage-l-ile-de-cythere Acesso em 20 fev. 2020.

[6] A Commedia dell’Arte italiana surge na Itália no século XV e ressurge com toda força nos palcos parisienses durante o século XVIII. As peças livres e geralmente satíricas se opunham às regras do teatro clássico.

[7] François LE MOYNE (1688-1737) se dedicou às cenas de gênero e à decoração dos ambientes internos. Na França, em 1736 foi nomeado pintor oficial de Luís XV, quando efetuou diversos trabalhos em Versailles.

[8] Em 1662, Jean-Baptiste Colbert, ministro de Luís XIV, adquire para a Casa Real as propriedades da família Gobelin,reunindo as oficinas de tecelagem dispersas pelo país, pintores, gravadores, fundidores, ourives e marceneiros sob a direção do primeiro pintor do rei, Charles Le Brun, e assim se origina a Manufacture Royale des Meubles de la Couronne, conhecida como Manufatura dos Gobelins ou  Manufacture des Gobelins.

[9] Com encanto e inteligência, Jeanne Antoinette Poison (1721-1764), conhecida como Madame de Pompadour, amante do rei Luís XV, ganhou imenso poder na corte francesa e foi responsável por patrocinar, junto à corte francesa, os artistas do estilo Rococó.


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Fatima Sans Martini

Mestre em Artes Visuais com Abordagens Teóricas, Históricas e Culturais pela UNESP. Pós-graduação em História da Arte pela FAAP-SP. Formada em Artes Plásticas. Experiência profissional: Projetista em Design de Interiores. Experiência acadêmica: nas disciplinas de Projetos, Desenho, História do Mobiliário e História da Arte nos cursos de Arquitetura e Design de Interiores. Professor das disciplinas de Estética e História da Arte Mundial e Brasileira no Curso de Artes da Unimes, Universidade Metropolitana de Santos, SP

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