A ideia de que o homem poderia chegar à verdade, dominando a natureza através da razão e da experiência, ganhou força nos séculos XVII e XVIII. Assim, novos conceitos[1] passaram a ser aplicados sistematicamente nos vários campos do saber.
O Iluminismo[2] surgiu com ideias inovadoras, propondo-se a resolver os problemas sociais, políticos, econômicos e culturais. Filósofos formularam teorias dos direitos do homem; a enciclopédia foi criada para se difundir novas ideias e os escritores levaram à monarquia suas obras baseadas nos direitos dos cidadãos e na abolição de antigos privilégios.
A teoria, a fruição e os conceitos de arte e beleza foram amplamente comentados no século XVIII por ensaístas e filósofos[3]. Os críticos passaram a acreditar que a arte deveria ser julgada segundo a sensibilidade, sem a imposição dos cânones clássicos. Conceitos como gosto, apreensão estética e sentimento como fonte de experiência estética foram descritos. Teorias seguiram caminhos correlatos em relação às questões da emoção, apreciação, intuição, imaginação e percepção relacionados à apreensão da beleza.
As discussões[4] sobre a Estética, nesse período, tanto em extensão como em profundidade, foram das mais importantes heranças da filosofia da arte para os tempos modernos.
Durante o século XVIII, pouco a pouco, a cidade prevaleceu sobre o campo e grandes massas humanas começaram a concentrar-se nos centros urbanos. O espírito renovador conduziu a um profundo estudo das ciências em que o progresso foi enorme, enquanto os artistas trataram frequentemente da volta à natureza e às cenas de gênero.
Entre os franceses, Jean Antoine WATTEAU (1684-1721), Jean-Baptiste Siméon CHARDIN (1699-1779); François BOUCHER (1703-1770) e Jean-Honoré FRAGONARD (1732-1806) se dedicaram à pintura ora intimista ora festiva, em que a atmosfera era peculiarmente erótica, bem ao gosto da sociedade francesa da época.
As pinturas do Rococó na França do século XVIII remetem ao prazer e aos caprichos da sociedade.
No entanto, os artistas ingleses, que conviviam mais intimamente com o campo e com as novas ideias iluministas, caminharam para um estilo diferenciado no período, muitos deles se destacando no gênero retratos, um movimento impulsionado a partir da segunda metade do século XVIII. Entre eles: William HOGARTH (1697-1764), Sir Joshua REYNOLDS (1723-1792), Thomas GAINSBOROUGH (1727-1788), Allan RAMSAY (1713-1784), George ROMNEY (1734-1802) e Francis HAYMAN (1708-1776)
O inglês Willian Hogarth, um dos mais brilhantes artistas do começo do século, assimilou o livre manuseio da tinta e das cores pastel da arte rococó escarnecendo implacavelmente as convenções inglesas.
Hogarth publicou sua primeira impressão satírica em 1721 e sua primeira grande série em 1726. A série de pinturas e gravuras com os modernos assuntos morais ressaltou a veia irônica do artista e o tornou conhecido por toda Inglaterra.
Bem-humorado e observador afiado do comportamento humano, Hogarth representou a vida exuberante nas ruas de Londres, o entretenimento de ambos os sexos, as tradições populares e a decadência da sociedade.
William Hogarth representa o grupo de pessoas presentes no casamento do advogado londrino Stephen Beckingham. A pintura é uma das primeiras no gênero em que um grupo de pessoas conversam entre si (roda de conversa). Beckingham e sua noiva são flanqueadas por membros de suas famílias.
O casamento ocorreu em St. Benet, mas o cenário foi baseado na igreja de St. Martin-in-the-Fields em Trafalgar Square, em Londres.
Embora Hogarth tenha sido procurado por sua habilidade de capturar semelhanças, tanto nos retratados como nos acontecimentos, o evento solene retratado parece ter sido aquém em comparação com a realidade dos famosos súditos ingleses. (THE METROPOLITAN MUSEUM OF ART, Nova York, EUA. Tradução nossa[5])
O tom satírico de Hogarth pode ser encontrado no pesado clérigo ou no cavaleiro com ambas as mãos apoiadas na bengala.
Hogarth representa um importante divisor de águas na arte britânica, marcando o fim da predominância centenária de pintores holandeses e flamengos na Inglaterra e o início de uma escola nativa. Embora seu estilo tenha sido influenciado por artistas do estilo Rococó francês, Hogarth era um realista e crítico social cujos assuntos vieram das classes médias de Londres enquanto os observava nas ruas, em cafeterias ou no teatro.
Na cena, esposa e amante imploram pela vida do anti-herói Macheath, preso por roubo.
As “moralidades” de Hogarth pregam, por meio de exemplos horríveis, as boas virtudes burguesas: mostram como uma rapariga do campo sucumbe às tentações da Londres elegante; os males das eleições corruptas; aristocratas decadentes que vivem apenas para o prazer, casando com ricas herdeiras de condição social inferior, apenas pelas suas fortunas (que não tardam a dissipar) (JANSON, 1992, p. 561)
O talento de Sir Joshua Reynolds, retratista cuidadoso e competente, desenvolveu-se, sobretudo, após estudar a Antiguidade clássica e os grandes mestres da pintura Renascentista e Barroca.
A passagem pela Itália marcou toda sua obra, principalmente as cores e efeitos da luz contidas nas pinturas venezianas de VERONESE[7] e TINTORETTO[8].
Influenciado pelo gênero de pintura de retratos, principalmente pelas obras do veneziano TICIANO[9]e do artista flamengo Sir Anthony VAN DYCK[10], Reynolds já fixado na Inglaterra, alcançou sucesso com a realização de retratos plenos de vigor e naturalidade, introduzindo a tradição de retratos ingleses.
Com a fundação da Royal Academy School of Arts[11] em 1768, Reynolds foi eleito seu primeiro presidente e condecorado pelo rei Jorge III. Na presidência, guiou a política da academia com grande habilidade, reforçou os discursos referentes à cor e forma e se tornou conselheiro dos futuros artistas do período.
Em 1781, Reynolds visitou Flandres e Holanda, onde estudou o trabalho do pintor flamengo Peter Paul RUBENS[12], o que parece ter afetado seu próprio estilo, aplicando nas obras posteriores poses diferentes e uma superfície mais rica.
Formal, Thomas Gainsborough pintou obras primas apoiado no estilo Rococó, retratando pessoas com a graça e espiritualidade da época, unindo a pintura de paisagens idílicas e pastorais francesas ao fundo. Apaixonado pelas pinturas paisagísticas produzidas na Holanda do século XVII e populares na Inglaterra, o pintor nunca permitiu que em suas obras a paisagem ficasse em segundo lugar.
Suas paisagens arrumadas poeticamente antecipam o movimento paisagista do final do século XVIII e início do século XIX, pelas mãos dos principais artistas ingleses: John CONSTABLE[13] e Joseph Mallord William TURNER[14].
Ao longo da década de 1760, influenciado pelas pinturas de Sir Anthony van Dyck e Peter Paul Rubens, Gainsborough realizou algumas obras em que as cores se tornam mais ricas mescladas aos tons pasteis e as árvores enchem a paisagem buscando uma mistura de realidade e idealização poética, enquanto as figuras perdem o acabamento preciso. Segundo Janson (1992, p. 562) a equilibrada graça e postura dos retratado condizem:
“em termos do século XVIII, às poses aristocráticas de van Dyck, e uma técnica fluida e translúcida que lembra Rubens.”
Eleito membro da Royal Academy School of Arts em 1768,inventivo e independente, Gainsborough, continuou a marcha rumo ao romantismo e às pinturas consideradas chiques pela sociedade.
Nos últimos anos Gainsborough voltou-se quase definitivamente à pintura paisagística com temas pastorais, impregnadas de grande fantasia e poesia.
Copiadas por inúmeros artistas, as pinturas de Gainsborough antecipam a pintura de paisagens e a Poética do Pitoresco[15], ao longo do século XIX.
JANSON H. W. História da Arte. Tradução J.A. Ferreira de Almeida; Maria Manuela Rocheta Santos. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1992. 823 p.
NATIONAL GALLERY OF ART,Washington, EUA. Disponível em: https://www.nga.gov/collection/art-object-page.61392.html Acesso em: 14 mai. 2020.
NATIONAL GALLERY OF ART,Washington, EUA. Disponível em: https://www.nga.gov/collection/art-object-page.166448.html Acesso em: 14 mai. 2020.
NATIONAL GALLERY OF ART,Washington, EUA. Disponível em: https://www.nga.gov/collection/art-object-page.114.html Acesso em: 14 mai. 2020.
THE METROPOLITAN MUSEUM OF ART, Nova York, EUA. Disponível em: https://www.metmuseum.org/art/collection/search/436656 Acesso em 14 mai. 2020.
THE METROPOLITAN MUSEUM OF ART, Nova York, EUA. Disponível em: https://www.metmuseum.org/art/collection/search/437447 Acesso em: 14 mai. 2020.
[1] Francis Bacon (1561-1626) e René Descartes (1596-1650) foram os primeiros estudiosos que investigaram e analisaram os fenômenos naturais à luz da razão e definiram um método cientifico ressaltando o valor da experiência, chegando a origem da ciência moderna através de Galileu Galilei (1564-1642), Johannes Kepler (1571-1630) e Isaac Newton (1642-1727).
[2] A Era da Razão, também chamado de Iluminismo, deu seus primeiros passos na Europa no século XVIII e difundiu-se por todo mundo ocidental. Os pensadores iluministas se opunham ao poder absoluto dos reis e da Igreja católica por meio da razão ou pensamento lógico e da ciência.
[3] O filósofo e historiador inglês, David Hume (1711-1776), por exemplo, acreditava que os preconceitos de idade e tempo, o temperamento e a sociedade não podiam interferir na reação à obra de arte. Esse pensamento permaneceu e foi fundamental para os novos conceitos modernistas.
[4] A disciplina e os conflitos sobre a Estética foram descritos por Alexandre Gotlieb Baumgarten (1714-1762) em 1735 e desenvolvidos em A Crítica do Juízo, por Immanuel Kant (1724-1804) em 1790. Na obra filosófica, Kant indicou a origem do conflito entre o padrão universal de gosto e o reconhecimento de que sentimento e emoção são essenciais para a apreciação estética. A definição de gênio, como aquele que dá as regras na arte e que recebe o dom natural foi descrita por Kant e foi aceita como uma qualidade importante que o artista deve ter para a produção de uma obra de arte. O filósofo alemão, Georg Willhem Friedrich Hegel (1770-1831) continuou a discussão sobre a arte simbólica, clássica e romântica nos Cursos de Estética em que expôs a importância e elevação do espirito representado por meio da arte, em sua forma material.
[5] This wedding group is one of the artist’s first essays in the fashionable genre of the conversation piece. Beckingham, a London lawyer, and his bride are flanked by members of their families. The marriage took place at St. Benet’s but the setting is based on the church of St. Martin-in-the-Fields in Trafalgar Square. Although Hogarth was sought after for his ability to capture a likeness, the solemn event depicted here seems to have had limited appeal to him by comparison with his famous satirical subjects. The Metropolitan Museum of Art, Nova York, EUA. Disponível em: https://www.metmuseum.org/art/collection/search/436656 Acesso em: 14 mai. 2020.
[6] The Beggar’s Opera do poeta e dramaturgo inglês John Gray e sonorizada pelo compositor alemão Johann Christoph Pepusch. Estreou em 1728 e foi chamada na época de ópera-balada. Músicas conhecidas pelo público foram usadas ao invés das complexas músicas das óperas italianas. Além disso os personagens eram populares, muitas vezes marginalizados, contracenando com funcionários e políticos corruptos.
[7] As raízes do estilo de pintura de Paolo VERONESE (1528-1588) localizam-se na antiga arquitetura e escultura de Verona, sua terra natal. Em Veneza, o artista foi amplamente influenciado pela narrativa e cores das obras de Ticiano, executando inúmeras obras em larga escala, a maioria com cenas de festas, plenas de energia e ricas de detalhes muitas vezes irreverentes, com temas religiosos e mitológicos.
[8] Veneziano e maneirista, Jacopo Comin, conhecido por TINTORETTO (1518-1594) empregou as cores brilhantes e fortes, típicas dos artistas da região, aplicadas com uma pincelada rápida e audaciosa. Seus quadros são impregnados de emoção e profundamente cativantes.
[9] O artista dominou a pintura veneziana no período denominado de Renascimento tardio e atravessou o estilo maneirista, com uma qualidade insuperável. TICIANO (c.1488/90-1576) ou TIZIANO Vecellio, Titian ou Titien é um dos grandes retratistas do período.
[10] Criterioso, com grande clientela e extremamente produtivo, Sir Anthony VAN DYCK[10] (1599-1641) desenvolveu e renovou a técnica de representação de retratos refinados e aristocráticos, combinando o que tinha visto em TICIANO, VERONESE e RUBENS. Mais de van Dyck em: https://arteref.com/artigos-academicos/van-dyck/
[11] Fundada em 1768 pelo rei da Grã Bretanha e Irlanda, Jorge III (1738-1820), a Royal Academy School of Arts teve como primeiro presidenteSir Joshua REYNOLDS (1723-1792) ao lado de cerca de quarenta outros membros formados por pintores, escultores e arquitetos ingleses, entre eles: Thomas GAINSBOROUGH (1727-1788), Willian BLAKE (1757-1827), John CONSTABLE (1776 -1837), Joseph Mallord William TURNER (1775‑1851), Richard WESTALL (1765-1836) e Sir Thomas LAWRENCE (1769-1830)
[12] Na obra Barroca do artista flamengo, Peter Paul RUBENS (1577-1640), as alegorias, os episódios bíblicos, as cenas mitológicas, os eventos históricos, os retratos e as paisagens se destacam vivas e atuais, nas telas gigantescas. Famoso, no seu estúdio na Antuérpia, foram treinados inúmeros artistas. Mais de Rubens em: https://arteref.com/artigos-academicos/peter-paul-rubens/
[13] Um dos mais importantes representantes da paisagem romântica aplicada na Inglaterra no final do século XVIII e início do século XIX, John CONSTABLE (1776 -1837) apresenta uma pintura comedida e simples, sem pretensão de ser mais impressionante que a própria natureza.
[14] As paisagens produzidas por Joseph Mallord William TURNER (1775‑1851) extremamente românticas são plenas de luz, cor e movimento.
[15] A Poética do Pitoresco define a categoria estética das obras paisagísticas em que a natureza é de certa forma arrumada para se adaptar aos sentimentos humanos. Viria a dominar a pintura alemã, francesa e inglesa, a partir do final do século XVIII e início do século XIX, quando as paisagens se associam às ruínas e antigas construções, às frondosas árvores que cortam o céu azul com sublimes nuvens e às estradas sinuosas que abrigam pequenos caminhantes. Um romantismo de acordo com as ideias iluministas.
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