Artigos Acadêmicos

Pintores de paisagens na Holanda do século XVII

Por Fatima Sans Martini - dezembro 13, 2019
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A arte Barroca na Holanda2 protestante, se deu de forma diversa da arte católica e preferiu assuntos ligados ao seu dia a dia, distanciando-se da apreciação de temas religiosos. De acordo com Gombrich (2000) a Holanda do século XVII representa o espelho da natureza.

Os quadros eram comprados para enfeitar as residências da população que enriquecia e a prioridade recaia sobre a pintura de gênero, retratos, natureza-morta e paisagens, temas ligados à semelhança da realidade.

Enquanto REMBRANDT van Rijn (1606-1669) pintou retratos individuais e em grupo, paisagens, temas mitológicos e religiosos, alguns artistas alcançaram a fama com temas mais específicos. Por exemplo, os artistas: Simon de VLIEGER (ca.1601- ca.1653), Jan BOTH (ca.1610/1618-1652), Frans Jansz.POST3 (1612-1680), Nicolaes BERCHEM (1620-1683), Aelbert CUYP (1620-1691), Jan van GOYEN (1596-1656), Jacob Isaackszvan RUISDAEL (ca. 1628/9-1682) e seu aluno, Meindert HOBBEMA (1638-1709) optaram por pintar paisagens.


Jan van GOYEN (1596-1656)

Jan van Goyen (1596-1656) pintou a paisagem holandesa em todas as suas inúmeras facetas: de cidades e aldeias para o mar e rios, dunas e planícies alagáveis protegidas continuamente por diques contra as inundações.

“Ninguém melhor do que van Goyen soube evocar o ambiente especial, destes ‘países baixos’, sempre ameaçados pelo mar.” (JANSON, 1992, p. 532)

Jan van GOYEN (1596-1656) Vista panorâmico de um rio se encontrando com prados baixos, ca. 1644. Óleo sobre painel, 31.3x44.6. Rijksmuseum, Amsterdam, Holanda.
Jan van GOYEN (1596-1656) Vista panorâmico de um rio se encontrando com prados baixos, ca. 1644. Óleo sobre painel, 31.3×44.6. Rijksmuseum, Amsterdam, Holanda.

A paisagem holandesa é definida por vastas planícies. Grande parte do campo dos Países Baixos é composto por polders – conhecidos como diques – uma das mais clássicas técnicas de drenagem para controle de enchentes em locais de baixa altitude próximas à rios e mar. O nível de água dentro dessas áreas cercada por diques é regulado com a ajuda de moinhos.

A pintura, Vista panorâmico de um rio se encontrando com prados baixos, é uma das inúmeras paisagens executadas por van Goyen, artista pioneiro na arte de representar os campos e os arredores das cidades holandesas.

Alguns barcos navegam no rio distante. À direita alguns outros barcos estão ancorados na areia. Homens e mulheres plantam e colhem na terra alagada. Um enorme céu nublado se encontra com a terra baixa. Dois homens à esquerda sobre uma pequena colina observam a distante paisagem.

O efeito atmosférico, a linha de horizonte baixa4, o silêncio das águas, a calma costeira e as tonalidades reduzidas fazem parte e identificam a maior parte das obras de van Goyen.


Aelbert CUYP (1620-1691)

Pouco se conhece de Aelbert CUYP (1620-1691), nascido em Dordrecht, província neerlandesa da Holanda do Sul. O artista das pinturas campestres carregadas de certa atmosfera poética pouco se afastou de sua cidade natal, além de uma curta passagem por Utrecht5 quando, provavelmente, entrou em contato com as obras do francês Claude LORRAIN6 por intermédio do paisagista JanBOTH (ca.1610/1618-1652)

Aelbert CUYP (1620-1691) Paisagem do rio com cavaleiros, 1653-1657. Óleo sobre tela, 128x227.5. Rijksmuseum, Amsterdam, Holanda.
Aelbert CUYP (1620-1691) Paisagem do rio com cavaleiros, 1653-1657. Óleo sobre tela, 128×227.5. Rijksmuseum, Amsterdam, Holanda.

A paisagem panorâmica é consequência da linha de horizonte localizada na terceira parte inferior do quadro no sentido horizontal. Essa linha baixa, combinada à gradação das tonalidades, resulta em um espaço mais profundo. Essa sensação de expansão espacial é ampliada quando o amplo céu recebe nuvens em tons graduados que se afastam em direção do horizonte.

Na borda do rio, dois oficiais holandeses dão água para os cavalos, observados por um pastor acompanhado de seu cão. No canto direito o gado repousa. Atrás algumas casas e pequenos personagens circulando. Ao fundo, à esquerda, parte de uma montanha e a silhueta de uma cidade recortam o horizonte com suas torres. A cena, que lembra as paisagens italianas, transcorre ao longo do importante rio Waal, entre Nijmegen e Cleves, nos Países Baixos, onde Cuyp preparou o desenho.


Jacob Isaackszvan RUISDAEL (ca. 1628/9-1682)

Da segunda geração de artistas da era de ouro holandesa, Jacob van Ruisdael (ca. 1628/9-1682) se especializou na produção de paisagens. De acordo com Gombrich (2000) Ruisdael viveu por um tempo em Haarlem, que se encontra separada do mar por uma cadeia de dunas arborizadas, dedicando-se a representar os efeitos das sombras sobre esses terrenos. Assim, Ruisdael:

Tornou-se um mestre na pintura de nuvens sombrias, da luz do entardecer quando as sombras se alongam, de castelos arruinados e de regatos velozes; em suma, foi ele quem descobriu a poesia da paisagem nórdica. […] Talvez nenhum artista antes de Ruisdael tivesse logrado expressar tão bem os próprios sentimentos e estados de ânimo através dos seus reflexos espelhados na natureza. (GOMBRICH, 2000, p. 429)

Para Ruisdael a natureza é temerosa e suas paisagens, raramente representadas na primavera ou verão e quase sempre nas estações de inverno ou outono, são desabitadas, repletas de ruínas, casas abandonadas, árvores caídas, galhos secos, céus escuros e sombrios, nuvens ameaçadoras e rochas escarpadas.

Jacob Isaackszvan RUISDAEL (ca. 1628/9-1682) Paisagem rochosa, 1650 – 1682. Óleo sobre tela,108.5x135. Rijksmuseum, Amsterdam, Holanda.
Jacob Isaackszvan RUISDAEL (ca. 1628/9-1682) Paisagem rochosa, 1650 – 1682. Óleo sobre tela,108.5×135. Rijksmuseum, Amsterdam, Holanda.

Essa não é uma paisagem deserta ou em ruínas. Ao longo do riacho, à esquerda localiza-se uma casa levantada sobre uma montanha rochosa. Na porta, a velha senhora chama a mulher sentada nas escadas, enquanto um homem acaba de cortar a lenha para aquecê-los.

Do outro lado do riacho, à direita, um casal se prepara para entrar na ponte com o cão à frente. A altura da ponte indica que as águas alcançam um nível mais alto em outras estações do ano.

“Nada perdura sobre a terra, diz-nos o artista – o tempo, o vento e a água reduzem tudo a pó, as débeis obras do homem, como as árvores e os rochedos.” (JANSON, 1992, p. 532)


Meindert HOBBEMA (1638-1709)

Aprendiz de van RUISDAEL (ca. 1628/9-1682) Meindert HOBBEMA (1638-1709) acompanhou de perto as composições do mestre, antes de desenvolver seu próprio estilo, um pouco mais leve em tom e humor.

Hobbema, com o tempo, especializou-se em cenas de bosques elaborados, muitas vezes composições em grande escala animadas com figuras pequenas e repetidas em várias variantes. Os moinhos de água eram um motivo favorito.

Meindert HOBBEMA (1638-1709) Um Moinho de água, ca. 1664. Óleo sobre painel, 60.5x85. Rijksmuseum, Amsterdam, Holanda.
Meindert HOBBEMA (1638-1709) Um Moinho de água, ca. 1664. Óleo sobre painel, 60.5×85. Rijksmuseum, Amsterdam, Holanda.

O universo das obras de Hobbema é iluminado e acolhedor junto às paisagens bucólicas e singelas da Holanda, representada por pequenas figuras em um dia normal de trabalho.

O tamanho da moenda sugere uma família da classe média de neerlandeses. À direita a mulher que chega à porta chama o companheiro, quem sabe, para almoçar. O moinho d’água está em pleno funcionamento e o homem parece ter terminado de guardar o produto no barril, que acaba de fechar. Nada parece atrapalhar a calma do lugar, cercado por árvores, água limpa e trabalho justo e honrado.


Veja também

https://arteref.com/artigos-academicos/o-barroco-na-holanda/

Referências

GOMBRICH, E. H. A História da Arte. Tradução Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: LTC, 2000. 714 p.

HAUSER, Arnold. História Social da Arte e da Literatura. Tradução Álvaro Cabral. São Paulo: Martins Fontes, 2003. 1032 p.

JANSON H. W. História da Arte. Tradução J.A. Ferreira de Almeida; Maria Manuela Rocheta Santos. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1992. 823 p.

RIJKSMUSEUM, Amsterdam, Holanda. Disponível em: http://hdl.handle.net/10934/RM0001.COLLECT.5335 Acesso em: 07 out. 2019.

RIJKSMUSEUM, Amsterdam, Holanda. Disponível em: http://hdl.handle.net/10934/RM0001.COLLECT.8331Acesso em: 07 out. 2019.

RIJKSMUSEUM, Amsterdam, Holanda. Disponível em: http://hdl.handle.net/10934/RM0001.collect.8565 Acesso em: 07 out. 2019.

RIJKSMUSEUM, Amsterdam, Holanda. Disponível em: http://hdl.handle.net/10934/RM0001.COLLECT.8691 Acesso em: 07 out. 2019.

RIJKSMUSEUM, Amsterdam, Holanda. Disponível em: http://hdl.handle.net/10934/RM0001.COLLECT.6197 Acesso em: 07 out. 2019.


1 Nascido em Utrecht, JanDirksz BOTH (ca.1610/1618-1652) viajou para Roma onde realizou inúmeros desenhos com paisagens no estilo da Campagna romana, influenciado pelas obras do francês Claude LORRAIN (ca. 1600/5-1682). Both foi importantíssimo na disseminação do estilo de paisagens italianas aos jovens artistas holandeses em Utrecht, como: Aelbert CUYP (1620-1691) e Nicolaes BERCHEM (1620-1683).

2 Atual Países Baixos formados por onze províncias, entre elas: Utrech, Holanda do Norte – Amsterdam, Haarlem, Bergen e outras – Holanda do Sul – Haia, Roterdã, Delft, Gouda, Leiden e outras. A riqueza dos imigrantes, o comércio e a proximidade do porto tornaram os Países Baixos do Norte uma das mais ricas regiões no século XVII.

3 Frans Janszoon POST (1612-1680) frequentou diferentes estúdios de pintura em Haarlem, sua terra natal. Indicado ao conde Maurício de Nassau, governador-geral do Brasil Holandês, integrou a comitiva em 1637, ficando responsável por documentar o novo país. Ao voltar à Holanda em 1654, continuou a pintar as paisagens apoiado nos prévios desenhos, alterando a flora e fauna brasileira em algumas composições.

4 Linha imaginária que separa o céu da terra, a linha de horizonte é uma importante referência na composição paisagística. É comum para o artista dividir o quadro em três partes horizontais para escolher a altura da linha de horizonte. Ao escolher a terceira parte inferior, o artista provoca a sensação de expansão espacial.

5 Utrecht, de tradição católica e com grande parte da nobreza inspirada na arte italiana, conviveu desde final do século XVI com o estilo final do maneirista Abraham BLOEMAERT (1566-1651) influenciado pelo estilo de CARAVAGGIO (1571-1610). Assim, desde o início do século XVII a cidade tornou-se referência dos artistas barrocos, que encontravam diversos mestres prontos a mostrar o novo estilo.

6 Claude LORRAIN (ca. 1600/5-1682) viveu quase toda a vida ao redor da Campagna, em torno de Roma, na região do Lácio, cuja beleza pastoral inspirava os artistas paisagistas. Os lugares guardados na memória e registrados em esboços à pena serviram como base para as pinturas paisagísticas com estrutura cenográfica, em que atuam lagos, árvores, rochas, ruínas, céu e nuvens, distribuídos entre diferentes planos.

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