Artigos Acadêmicos

Técnicas artísticas desenvolvidas no Renascimento

A arte de um período constitui padrão quando se distingue os elementos da forma, que são universais, e os elementos da expressão, que são temporais. Não se pode afirmar, por exemplo, que GIOTTO (1265/66 – 1337) é inferior a MICHELANGELO (1475 – 1564), pois não se avalia a forma pelo grau de complexidade.

Os termos intelectuais têm relação com a aparência formal, e se referem à análise do ritmo, equilíbrio, tom, etc. de uma obra.

A partir do final do século XIV e início do século XV, os artistas investigam novas soluções, realizam experiências científicas, desenvolvem e empregam os mais diversos meios e técnicas na procura sistemática de espelhar o mundo real. As pinturas de cavaletes ganham destaque com a utilização da tinta a óleo e as produções dos grandes artistas em busca de perfeição são estruturadas com as novas técnicas desenvolvidas. Entre elas: a perspectiva frontal ou linear, a Secção áurea, a perspectiva atmosférica, o desenvolvimento do claro-escuro, a composição triangular e o escorço.


A perspectiva frontal ou linear

O método que cria a ilusão de profundidade em uma superfície bidimensional foi desenvolvido e amplamente trabalhado por artistas e geômetras na transição do período da Idade Média para o Renascimento.

A perspectiva se baseia  em um ponto de fuga, para o qual convergem as linhas em diagonais, provocando a sensação de profundidade.

Na primeira fase da carreira, Filippo BRUNELLESCHI (1377 – 1446) redescobriu e desenvolveu os princípios da perspectiva linear, que, conhecidos por gregos e romanos, ficaram esquecidos durante toda a Idade Média. O arquiteto florentino foi um dos primeiros a utilizar a perspectiva linear em uma representação do Batistério de Florença, no início do século XV, estabelecendo na prática o conceito de ponto de fuga, e a relação entre a distância e a redução no tamanho dos objetos.

Seguindo os princípios ópticos e geométricos enunciados por Brunelleschi, os artistas da época puderam reproduzir objetos tridimensionais no plano com surpreendente verossimilhança.

MASACCIO (1401 – 1428) demonstrou total controle sobre essa nova técnica aplicando-a nos edifícios e paisagens que recuam na distância por meio das linhas que partem da direção de um ponto. 

Nos países baixos Hugo VAN DER GOES (1440 – 1482)  e Jan VAN EYCK (c.1390 – 1441) desenvolveram a técnica estilística a procura do naturalismo na representação.

No início do século XV, obras de Paolo UCCELLO (1397 – 1475); Piero DELLA FRANCESCA (1413/15 – 1492); Andrea MANTEGNA (ca. 1430/5 – 1506) e Sandro BOTTICELLI (1444/45 – 1510) representam o desejo de retratar a natureza por meio da perspectiva, influenciando os mais diversos artistas do período.

Andrea MANTEGNA (ca. 1430/5-1506) A adoração dos Pastores, pouco depois de 1450. Têmpera sobre tela transferido da madeira, 37.8×53.3. Metropolitan Musem of Art, Nova York, EUA Disponível em: https://images.metmuseum.org/CRDImages/ep/original/DP213831.jpg Acesso em: 21 jul. 2019.

A pintura A adoração dos Pastores, executada por volta de 1450, apresenta o emprego da perspectiva linear, combinado a diferentes detalhes requintados para a época, o que mostra o talento do jovem Andrea Mantegna aos vinte anos, perante todas as inovações técnicas e artísticas do período, que chegavam à cidade de Pádua, por mestres florentinos e venezianos.

Sandro BOTTICELLI (1444/45-1510) A Anunciação, ca. 1485/1492. Têmpera e ouro sobre painel, 19.1×31.4. Metropolitan Musem of Art, Nova York, EUA Disponível em: https://www.metmuseum.org/art/collection/search/459016 Acesso em: 24 jul. 2019.

Executada por Sandro Botticelli, por volta de 1485 a 1492, a composição com o tema da Anunciação mostra o hábil emprego da perspectiva linear para criar a ilusão de profundidade, técnica desenvolvida principalmente junto às formas arquitetônicas de interiores na Florença do século XV. Os pilares dividem o espaço entre São Gabriel e a Virgem que se encontra em um local íntimo, ocupado por sua cama ao fundo. Ajoelhada, a jovem mulher aceita com humildade a mensagem divina.


A técnica do Escorço

A técnica de representar a figura em escorço foi aperfeiçoada no Renascimento italiano. O termo deriva do verbo scorciare que significa encurtar. O método ocorre em função do ângulo adotado em relação ao observador e deriva da perspectiva linear.

O escorço existe quando alguns membros do corpo humano se encontram em um plano mais próximo em consequência do ponto de vista do observador (ou do artista). Quando isso ocorre, o artista se vê obrigado a procurar artifícios e métodos capazes de representar o que se olha de um modo reconhecível.

O escorço é, portanto, a representação de uma figura volumétrica vista numa perspectiva forçada onde as partes do corpo se encontram em sobreposição e as suas superfícies se apresentam aparentemente distorcidas. É uma representação bidimensional originalmente definida pelo desenho, de uma figura vista em perspectiva construída a partir de fundamentos geométricos e matemáticos, que conferem o seu aspecto tridimensional.

Assim, o conhecimento das formas básicas da anatomia pode ser determinante para o reconhecimento da estrutura do corpo e gerar uma representação sem incorreções. Neste sentido, os fundamentos geométricos surgem como uma forma auxiliar essencial para a realização de um escorço. O artista mede, compara e separa o que vê, com base numa geometria aplicada à anatomia, para construir uma figura humana que não deixará de surpreender o observador pela descoberta de formas agora renovadas. (MELO, 2011, p. 5)

Na representação tridimensional em escorço, é possível variar as proporções. A noção de realidade é baseada em comparação e dedução.

Andrea MANTEGNA (ca.1430/5 — 1506) utilizou a técnica do escorço na obra Cristo morto no sepulcro e três carpideiras, executada por volta de 1470 – 1474.

Andrea MANTEGNA (ca. 1430/5 – 1506) Cristo morto no sepulcro e três carpideiras, 1470 – 74. Têmpera sobre tela 68 × 81. Pinacoteca di Brera. Palazzo di Brera, Milano, Itália. Disponível em:   https://pinacotecabrera.org/en/collezione-online/opere/the-dead-christ-and-three-mourners/ Acesso em: 21 jul. 2019.

Mantegna  morreu por volta de setenta e cinco anos, ou seja, trabalhou por mais de cinquenta anos com todas as inovações técnicas e artísticas desenvolvidas a partir do final do século XIV e início do século XV. A obra Cristo morto no sepulcro e três carpideiras, executada entre 1470 e 1474, mostra a maturidade artística de Andrea Mantegna cerca de vinte anos depois da obra A adoração dos Pastores.

A pintura em têmpera nos apresenta três velhas carpideiras reunidas em torno do corpo de Cristo morto, ungido com perfumes e preparado para o enterro.

A composição produz um grande impacto emocional, acentuado pelo escorço extremo: o corpo de Cristo está muito perto do ponto de vista do observador que, olhando para ele, é arrastado para o centro do drama; além disso, cada detalhe é reforçado pela contundência das linhas, o que obriga o olhar a saborear os mais terríveis detalhes, como os membros que endurecem em rigor mortis, bem como as feridas, ostensivamente apresentadas em primeiro plano. (PINACOTECA DI BRERA, 2019. Tradução nossa[1])


Veja mais sobre o tema


Referências

GOMBRICH, E. H. A História da Arte. Tradução Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: LTC, 2000. 714 p.

JANSON H. W. História da Arte. Tradução J.A. Ferreira de Almeida; Maria Manuela Rocheta Santos. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1992. 823 p.

MARTINI, Fátima R. S. A Pintura Renascentista e Maneirista nos Museus. In Curso de Extensão/UNIMES virtual. Santos/SP: UNIMES, 2016. 57 p.

MELO, Cecília Prestrelo. O Corpo Humano em Escorço. Dissertação de Mestrado em Anatomia Artística. Faculdade de Belas-Artes. Universidade de Lisboa, 2011. Disponível em: https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/6620/2/ULFBA_TES509.pdf Acesso em: 21 jul. 2019.

PINACOTECA DI BRERA, Palazzo di Brera, Milano, Itália. Disponível em:   https://pinacotecabrera.org/en/collezione-online/opere/the-dead-christ-and-three-mourners/ Acesso em: 21 jul. 2019.

THE METROPOLITAN MUSEUM OF ART, Nova York, EUA. Disponível em: https://images.metmuseum.org/CRDImages/ep/original/DP213831.jpg Acesso em: 21 jul. 2019.

THE METROPOLITAN MUSEUM OF ART, Nova York, EUA. Disponível em: https://www.metmuseum.org/art/collection/search/459016 Acesso em: 24 jul. 2019.


[1] The composition produces a great emotional impact, accentuated by the extreme foreshortening: Christ’s body is very close to the viewpoint of the observer who, looking at it, is drawn into the center of the drama; moreover, every detail is enhanced by the incisiveness of the lines, which compels the gaze to linger over the most terrible details, over the members stiffened in rigor mortis as well as the wounds, ostentatiously presented in the foreground as called for by the tradition of this type of image. (PINACOTECA DI BRERA, Palazzo di Brera. Disponível em:   https://pinacotecabrera.org/en/collezione-online/opere/the-dead-christ-and-three-mourners/ Acesso em: 21 jul. 2019)

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Fatima Sans Martini

Mestre em Artes Visuais com Abordagens Teóricas, Históricas e Culturais pela UNESP. Pós-graduação em História da Arte pela FAAP-SP. Formada em Artes Plásticas. Experiência profissional: Projetista em Design de Interiores. Experiência acadêmica: nas disciplinas de Projetos, Desenho, História do Mobiliário e História da Arte nos cursos de Arquitetura e Design de Interiores. Professor das disciplinas de Estética e História da Arte Mundial e Brasileira no Curso de Artes da Unimes, Universidade Metropolitana de Santos, SP

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