Quem foi Farnese de Andrade
Farnese de Andrade Neto (Araguari, 26 de janeiro de 1926 — Rio de Janeiro, 18 de julho de 1996)
Foi um pintor, escultor, desenhista, gravador e ilustrador brasileiro.
Em Belo Horizonte, estudou pintura com Guignard entre 1945 e 1948. Mudando-se para o Rio de Janeiro em 1948 para tratar de uma tuberculose, trabalhou como ilustrador para o suplemento literário dos jornais Diário de Notícias, Correio da Manhã e Jornal de Letras, e para as revistas Rio Magazine, Sombra, O Cruzeiro, Revista Branca e Manchete, entre 1950 e 1960.
Em 1959 começou a frequentar o ateliê de gravura do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, onde se aperfeiçoou em gravura em metal.
Em 1964 começou a criar obras com materiais descartados, recolhidos em praias e aterros e, posteriormente, utilizou armários, oratórios, gamelas e ex-votos, adquiridos em antiquários e depósitos de materiais usados. Essa guinada artística se deu, portanto, em um contexto de moralismo crescente na sociedade, podendo ser tomada, por trabalhar com materiais da esfera privada e pela forma simbolista de trabalhar os conflitos familiares, como uma resposta a esse contexto moral e político do Golpe de 1964.
Obras em Destaque
No Salão Nacional de Arte Moderna de 1970 recebeu o prêmio de viagem ao exterior. Foi para a Espanha e instalou estúdio em Barcelona, onde permaneceu até 1975, quando voltou ao Rio de Janeiro.
Em 1993 recebeu o Prêmio Roquette Pinto dos Melhores de 1992 pela exposição Objetos na Galeria Anna Maria Niemeyer.
Aonde ver as obras de Farnese
Na Galeria Almeida e Dale
Com curadoria de Denise Mattar, exposição reúne cerca de 70 obras do artista, entre pinturas, desenhos, gravuras e trabalhos tridimensionais
Figura de singular trajetória nas artes plásticas brasileiras, Farnese de Andrade é autor de uma obra potente, que toma o observador por sua força e fragilidade, ao mesmo tempo em que o perturba com certa morbidez. A partir do dia 23 de março, o público poderá conferir de perto as dualidades que marcam sua produção na mostra Farnese de Andrade – Memórias Imaginadas, realizada pela galeria Almeida e Dale, em São Paulo, até 25 de maio.
Com curadoria de Denise Mattar, a exposição reúne cerca de 70 obras, lançando nova luz à obra do artista de origem mineira ao incluir pinturas, desenhos e gravuras e colocá-las ao lado de sua inquietante produção tridimensional, sem paralelo na arte brasileira. Do conjunto apresentado, cerca de 35 trabalhos são bidimensionais, criações de diferentes períodos da vida do artista.
Ganham destaque as enigmáticas figuras femininas, para as quais o artista usava rapazes como modelos. Há ainda uma amostragem de gravuras e desenhos na qual se destaca Censura, obra responsável pela premiação de Farnese em 1970, no Salão Nacional de Arte Moderna (SNAM) – exposição organizada pelo então Ministério da Educação e Saúde e o Museu Nacional de Belas Artes.
“Sua gravura é plena de texturas, cortes abruptos e contrastes de luz e sombra. Sem tirar a pena do papel realizava compulsivamente os nanquins intitulados Obsessivos, de quase inacreditável precisão”, afirma Denise Mattar. Para realizar seus desenhos a cores, Farnese desenvolveu ainda uma técnica refinada que chamava de “tinta transformada”, com um resultado que os aproxima da pintura. “São trabalhos densos, ambíguos, permeados por uma sensualidade perversa e imersos numa sufocante ourivesaria visual”, completa a curadora.
Em 1964, o artista, que já era reconhecido e premiado pela qualidade de seus desenhos e gravuras, passa a desenvolver trabalhos aos quais chama de “impressão manual de formas”, técnica que consistia na criação de carimbos confeccionados a partir de madeiras carcomidas, sandálias velhas e apetrechos curtidos pelo sol e sal, devolvidos pelo mar. A pesquisa desses materiais, até então utilizados como matrizes para a criação de gravuras singulares, acaba por conduzir Farnese a seus objetos.
O artista passa então a coletar fragmentos vários, encontrados num primeiro momento na praia e, posteriormente, comprados numa espécie de compulsão. Arrebatado por uma ânsia por capturar sua própria história e mergulhar em suas memórias imaginadas, aprisiona tudo aquilo que é coletado em caixas, gavetas, oratórios e semelhantes, criando assemblages que nunca são dadas por terminadas – processo interrompido apenas com venda das peças, o que o artista fazia a contragosto, recomprando-as por vezes.
A exposição organizada pela galeria Almeida e Dale reúne 35 objetos de Farnese, explicitando as várias facetas desta produção singular, comparável à de artistas surrealistas como o alemão Hans Bellmer e o americano Joseph Cornell. São trabalhos de séries emblemáticas, realizadas entre 1966 e 1995, entre as quais Viemos do Mar, O Anjo Anunciador, Anunciação, São Jorge e Cosme e Damião.
As assemblages de Farnese tratam de questões como a memória, o tempo, a vida e a morte, o masculino e o feminino, o pecado e o castigo. São combinações antagônicas de segredos e revelações, medo e malícia, delicadeza e crueldade. Ao mesmo tempo em que a finitude humana é escancarada por bonecas fragmentadas e cabeças suspensas no ar, a religião é questionada quando faz uso de ex-votos e santos paralisados, cortados, virados de ponta cabeça.
“[Farnese] usa oratórios, caixas e gamelas como continentes de uma turbulência mental mórbida, cujo grito sai abafado. São trabalhos potentes, mas claustrofóbicos, que remexem sem dó nas entranhas do inconsciente, e por isso fascinam, encantam, assustam e incomodam”, afirma Denise Mattar.
Quase fazendo eco à sua produção incomum, o trabalho de Farnese tem uma ressonância ambígua junto à crítica de arte. Apreciada por críticos contemporâneos como Tadeu Chiarelli, Helouise Costa, Ana Paula Nascimento, Rodrigo Naves, Charles Cosac, entre outros, ele é, quase sempre, excluído das grandes retrospectivas da arte brasileira. “Em parte, isso ocorre porque grande parcela da crítica atribui apenas às tendências construtivas o encontro de um caminho próprio para a arte brasileira, mas pesa também uma questão mais antiga: a rejeição à matriz surrealista, que acontece desde de Mário de Andrade”, pontua a curadora.
Reunindo obras de coleções particulares do Rio de Janeiro, Bahia, Minas Gerais e Pernambuco, a exposição Farnese de Andrade – Memórias Imaginadas oferece ao público uma rara oportunidade para a apreciação de um conjunto integral da obra do artista, possibilitando um mergulho em seu mundo de fantasias construídas.
Sobre o artista
Nascido em Araguari (MG), em 1926, Farnese de Andrade é acometido por tuberculose ainda muito jovem, aos 18 anos de idade. A doença lhe dá uma aposentadoria precoce e ele então começa a estudar desenho com Alberto da
Veiga Guignard, na Escola do Parque, em Belo Horizonte, onde então vivia com sua mãe, Maria de Andrade, a dona Mariquinha.
Em 1948, depois de um período afastado para um tratamento de saúde, conclui o curso de desenho e muda-se para o Rio de Janeiro. Lá, descobre não estar completamente curado da tuberculose e interna-se, por quase dois anos, no Sanatório de Correas, em Petrópolis, no Rio de Janeiro.
Curado da doença, passa a fazer ilustrações para jornais, revistas e livros. Em 1959, estuda gravura em metal com Johnny Friedlander e Rossini Perez, no ateliê do Museu de Arte Moderna do Rio. Participa de várias edições do Salão Nacional de Arte Moderna, da VI, VII e IX Bienal de São Paulo, XXXIV Bienal de Veneza, II Bienal da Bahia, entre outras.
Em 1970, recebe o Prêmio de Viagem ao Exterior no Salão Nacional de Arte Moderna e reside em Barcelona por 4 anos. No retorno ao Brasil, intensifica sua produção tridimensional, que viria a se tornar a sua marca.
Farnese de Andrade falece em julho de 1996, aos 70 anos de idade, no Rio de Janeiro.