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A força das águas: Taiso Yoshitoshi e o mistério subaquático da exposição “Undersea” no Hastings Contemporary

Por Maria Paula Borela - abril 1, 2025
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Entre as exposições mais aguardadas do calendário britânico de 2025, Undersea — em cartaz de 29 de março a 14 de setembro no Hastings Contemporary — mergulha o visitante nas profundezas simbólicas e viscerais do oceano. A mostra reúne mais de 75 obras entre pinturas, gravuras, desenhos e objetos, oriundos de cinco continentes e quatro séculos distintos, para explorar os mitos, mistérios e criaturas marinhas que habitam o imaginário coletivo.

Um dos destaques da exposição, e também da seção “Work of the Week” do podcast The Week in Art (The Art Newspaper), é a xilogravura A Woman Abalone Diver Wrestling with an Octopus (c. 1870), do artista japonês Taiso Yoshitoshi. A obra é discutida em profundidade em conversa entre o editor digital Alexander Morrison e o curador James Russell, responsável pela curadoria da exposição.

Uma mulher em luta: tradição e erotismo na xilogravura japonesa

Na imagem, uma mulher mergulhadora tradicional japonesa — uma ama — aparece em combate físico com um polvo. A tensão corporal, a violência da cena e os elementos simbólicos evocam tanto a força feminina quanto a complexidade das relações entre natureza, desejo e medo. A cena remete imediatamente à célebre gravura erótica de Hokusai O Sonho da Mulher do Pescador, embora com uma carga emocional mais sombria, menos sensual.
A figura da ama, que mergulhava em busca de pérolas e frutos do mar, representa uma tradição ancestral do Japão. Yoshitoshi transforma essa figura em símbolo de resistência e introspecção, num embate metafórico com as forças do inconsciente — o mar como abismo psicológico. Como ressalta o podcast, a obra marca uma transição importante na trajetória do artista, já em um momento de instabilidade emocional e mudança estética.

Taiso Yoshitoshi: entre o clássico e o moderno

Reconhecido como o último grande mestre do ukiyo-e, Yoshitoshi viveu no limiar entre o mundo feudal do Japão e a modernização da era Meiji. Sua produção reflete essa transição: de um lado, o domínio técnico e a elegância da xilogravura tradicional; do outro, a inserção de temas sombrios, violentos e psicológicos.
No podcast, James Russell lembra que Yoshitoshi enfrentou crises de saúde mental e episódios de pobreza extrema. Mesmo assim, sua obra resistiu ao tempo, sendo redescoberta a partir da década de 1970 e hoje reconhecida por sua intensidade emocional e inovação estética.

A xilogravura da mergulhadora e do polvo é apontada como um símbolo dessa tensão: um artista que, ao mesmo tempo que preserva uma tradição, transforma-a radicalmente, abrindo caminho para novas linguagens — o que o torna um precursor da modernidade na arte gráfica japonesa.

Undersea: uma exposição sob o signo da multiplicidade

Curada por James Russell, Undersea é a terceira parte de uma trilogia iniciada com Seaside Modern (2021) e Seafaring (2022). A nova mostra investiga as dimensões simbólicas, políticas e culturais do oceano — um espaço de fascínio, transformação e conflito.

As obras são agrupadas em núcleos temáticos que abordam tanto o ambiente marinho quanto mitologias aquáticas. Há desde pinturas submersas do grego Yiannis Maniatakos, que vestiu equipamentos de mergulho para pintar o fundo do mar, até obras de artistas aborígenes da Austrália e esculturas criadas por organismos marinhos como a enigmática Sea Sculpture (c. 1725).

Outro núcleo da exposição é dedicado a representações de sereias e figuras míticas, incluindo A Siren in Full Moonlight (1940) de Paul Delvaux, a série Mermaids (2023) da suíça Klodin Erb, além de uma interpretação da deusa africana Mami Wata pelo nigeriano Kelechi Nwaneri.

Entre os destaques contemporâneos estão Deep Dive (2022) de Tom Anholt e Octopus’s Veil (2016) de Michael Armitage, que atualizam o imaginário oceânico com linguagens visuais potentes e misteriosas.

Um oceano de conexões

Undersea não se propõe a discutir diretamente questões como mudanças climáticas ou migração — ainda que essas pautas ressoem de maneira sutil. O objetivo, segundo Russell, é despertar no público um senso de admiração e reconexão com o mundo marinho, abrindo espaço para uma leitura poética e transversal da vida sob as ondas.

Com obras que vão do século XVIII ao presente, de países como Japão, Nigéria, Suíça, Austrália, Índia e EUA, a exposição cria uma cartografia visual do oceano como território compartilhado entre culturas. As recorrências de figuras como sereias, monstros e criaturas híbridas sugerem a universalidade do mar como metáfora do inconsciente, da transformação e do medo.

Mais do que um recorte temático, Undersea propõe um mergulho naquilo que escapa à superfície — um convite ao deslumbramento e à reflexão sobre as forças que habitam nossas profundezas, sejam elas naturais, míticas ou emocionais.

Serviço

Undersea
Hastings Contemporary, Reino Unido
29 de março a 14 de setembro de 2025

Fonte:
Podcast The Week in Art — The Art Newspaper
Episódio de 13 de março de 2025
Disponível em: Apple Podcasts | Spotify

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