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Michelangelo no MET: uma exposição única

A nova exposição do Metropolitan Museum of Art, Michelangelo: Divine Draftman and Designer abre ao público na próxima semana, 13 de novembro, mas já foi inaugurada ontem para a imprensa, patronos e membros do museu.

Considerada uma “exposição única na vida”, Michelangelo: Divino desenhista e designer foi idealizada pela curadora de desenhos italianos e espanhóis, especialista em arte da Renascença, Carmen C. Bambach. Para organizar uma exposição como essa, considerada a maior exposição já realizada sobre o artista, foi necessário quase dez anos entre pesquisa, planejamento e execução.

A premissa conceitual da exposição se baseia no termo italiano “disegno” que pode significar duas coisas: desenho e design, ou seja, tanto o ato físico da criação artística de trabalhar sobre o papel, quanto a concepção intelectual de uma ideia. Michelangelo foi chamado de “il divino” por seus contemporâneos, e exaltado por Giorgio Vasari, seu biógrafo, como “il divin’ disegnatore”.

Bambach afirma que muitas exposições que ocorreram nos Estados Unidos se dedicaram a exibir os desenhos de Michelangelo num sentido mais restrito. A ideia para essa exposição foi então examinar num retrospecto maior as dimensões conceituais da influente contribuição de Michelangelo como designer. O legado do artista vive até hoje nos trabalhos de outros artistas que o copiaram, aprenderam com ele ou que mais livremente tomaram-no como inspiração.

Para contar essa história foram reunidos 140 desenhos de Michelangelo, quatro das suas esculturas em mármore, suas primeiras pinturas, um modelo arquitetônico em madeira para a abóbada de uma capela, além de um número considerável de trabalhos complementares de outros artistas para fins de contexto e comparação. Um total de 54 colecionadores privados e particulares dos Estados Unidos e Europa emprestaram obras para essa exposição.

Por trabalhar no departamento de Registrar pude acompanhar toda a instalação da exposição, uma oportunidade única na vida. O departamento é responsável, dentre outras coisas, pelas políticas e procedimentos relacionados ao seguro e gerenciamento de riscos das obras de arte que vêm para o museu.

Desde de 1975, exposições internacionais organizadas pelos museus americanos são seguradas pelo United States Government Indemnity (USGI), um programa de indenização de artes e artefatos do governo dos EUA, que tem como objetivo minimizar os custos de seguro dessas exposições. Em 2007, o Congresso ampliou a elegibilidade do programa para incluir a cobertura de obras de arte pertencentes a entidades dos EUA expostas no próprio país. Como é de responsabilidade do Registrar inscrever-se no programa, a chefe do departamento teve que lidar com um problema: em 2014 o governo americano decidiu que não mais incluiria obras feitas com giz em sua cobertura alegando preocupações com o risco. Grande parte dos desenhos de Michelangelo foram feitos com giz preto e vermelho, que se não fossem cobertos pelo governo, elevariam muito os custos da exposição, pois seria preciso contratar um seguro privado.

A Chief Registrar elaborou então, junto com a curadora e especialistas em conservação de papel, um relatório técnico para apresentar à divisão que avalia os processos de indenização do governo. O relatório defende que o giz natural preto e vermelho usado entre os séculos XV e XVII é um meio estável, e a menos que sofra uma vigorosa pressão, não há risco de ser apagado. Se os desenhos estiverem protegidos por um passe-partout ou um distanciador, e emoldurados, não há risco para as obras. A técnica de giz natural foi usada amplamente pelos acadêmicos desenhistas nos séculos XV-XVII por causa da tenacidade limitada dos desenhos apagarem dos papeis. O giz natural é muito mais resistente que os que começaram a ser produzidos industrialmente a partir do século XVIII.

O Metropolitan também alega no relatório que enviaria aos emprestadores as regras para emoldurar desenhos (uso de passe-partout ou distanciador, e vidro temperado), embalar (caixa dupla e obra virada para cima), e transporte de acordo com os padrões estabelecidos pela conservação. O museu, seguindo as normas padrões de exposição, apresentará os desenhos em galerias com temperatura e umidade relativa controlada. Será preciso também expor com níveis baixos de luminosidade, em razão dos papéis. O USGI se convenceu e a exposição foi toda segurada pelo Government Indemnity, sendo avaliada em 1,6 bilhão de dólares.

A infraestrutura que o Metropolitan possui para montar uma exposição é incrível. O MET possui em torno de 3.000 funcionários, e cada um realiza funções muito especificas dentro do museu. Pude acompanhar grande parte do processo da chegada das obras, abertura das caixas, desembalagem, avaliação das condições das obras, e instalação na parede. Primeiro, dois técnicos abrem as caixas e retiram as peças da embalagem. Depois, conservadores especialistas em determinada técnica avaliam as obras junto aos relatórios de conservação – se é papel, há um especialista; se é pintura ou escultura, são outros conservadores que as avaliam. Igualmente, para instalar as obras nas paredes ou nos pedestais, há técnicos que só penduram desenhos e fotografias; outros que só penduram pinturas menores; e existem ainda os chamados riggers, aqueles que cuidam das obras gigantes, as que precisam de andaimes ou outros aparatos para serem instaladas.

Possivelmente, poucos museus no mundo têm os recursos financeiros e humanos para montar uma exposição dessa magnitude. O surpreendente fato que a exposição levou quase uma década para ser produzida, o peso do nome do museu – que conseguiu reverter a decisão do governo e assegurar as obras dentro do programa de indenização –, o fato de reunir obras incríveis e raras (o desenho monumental para o seu último afresco no Palácio do Vaticano e desenhos que vieram da coleção Real da Inglaterra) são alguns exemplos da confiança que os emprestadores depositam no museu.  A somatória desses fatores e, por fim, toda a infraestrutura de montagem são prova de que essa exposição é, de fato, uma exposição única na história.

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Renata Baltar

Mestre em História da Arte com foco em museologia pela City College of New York. Trabalhou no departamento de intercâmbio do MASP (Museu de Arte de São Paulo) e na curadoria do Whitney Museum of Art e do Metropolitan Museum of Art, em Nova York.

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