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Como os Rankings Reordenam o Caos do Mundo da Arte

O Ranking Kunstkompass

Por Paulo Varella - julho 23, 2025
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1. Um mundo inflacionado de arte

Nunca se produziu tanta arte. Nunca existiram tantos artistas. E, ao mesmo tempo, nunca se soube tão pouco sobre o que, afinal, importa. Esta contradição — abundância material e escassez de critérios — é o que motivou a criação do Kunstkompass, um ranking anual alemão que, desde 1970, se propõe a mensurar o imensurável: a fama no mundo da arte.

Longe de qualquer frivolidade, o ranking parte de uma premissa brutalmente realista: se há caos, deve haver ordem possível. E se não há consenso sobre o que é bom, ao menos há registros de quem é notado. Em um mundo onde o valor de mercado frequentemente tropeça na instabilidade simbólica, medir a repercussão pública — exposições, bienais, resenhas — torna-se não apenas um recurso, mas uma tábua de salvação para colecionadores, investidores e até curadores inseguros sobre o próximo nome a apostar.

2. A construção de um oráculo estatístico

Criado por Willi Bongard, economista e jornalista, o Kunstkompass não mede talento, nem beleza, nem inovação. Ele mede visibilidade. E, por uma lógica circular que já foi vista antes no mundo das finanças e das celebridades, a visibilidade acaba gerando… mais visibilidade. O ranking não apenas reflete o sistema — ele o molda.

A métrica é composta por pontos atribuídos a artistas com base em sua presença em instituições de prestígio (museus, bienais, publicações especializadas). Cada instituição tem um peso específico, construído a partir de uma enquete realizada com especialistas, majoritariamente europeus, o que, por si só, já define um filtro cultural significativo.

É uma espécie de “swarm intelligence” aplicada à arte: a soma das escolhas dos especialistas revela padrões que, isoladamente, poderiam parecer aleatórios. A lógica do Kunstkompass pressupõe que o coletivo das decisões institucionais tem mais razão do que o julgamento individual de um crítico ou colecionador.

3. Entre a falta de critérios e o excesso de sentidos

Essa operação de converter reputação simbólica em números, desafia as próprias categorias que sustentam o discurso da arte contemporânea: subjetividade, originalidade, singularidade. E, no entanto, é exatamente por não haver uma régua consensual de valor que o ranking se torna tão necessário.

A arte contemporânea sofre de um mal paradoxal: enquanto multiplica linguagens, formatos e propostas, dissolve as fronteiras entre o que é arte e o que é ruído. Como escolher entre um artista que participou de três bienais menores e outro que teve uma retrospectiva no MoMA? Como avaliar um nome emergente cuja obra viralizou nas redes, mas nunca pisou num cubo branco institucional?

É nesse vácuo que o Kunstkompass entra com sua régua de pontos. E é precisamente por isso que ele funciona.

4. Para quem serve a escada?

Colecionadores muitas vezes precisam decidir em qual artista investir sem necessariamente dominar os mecanismos internos do sistema artístico. O ranking lhes oferece um atalho. Um artista bem colocado no Kunstkompass ganha um selo informal de legitimidade que pode ser decisivo na negociação de preços, na construção de narrativas de carreira e, claro, na valorização futura da obra.

Já para os artistas, o ranking pode ser simultaneamente uma promessa e uma armadilha. Estar ali é sinônimo de visibilidade internacional, de prestígio institucional, de chancela simbólica. Mas os critérios de avaliação do ranking são públicos: quem quiser entrar na lista precisa estar nos lugares certos — museus, feiras, bienais — e ser visto pelas pessoas certas.

Não se trata, portanto, de mérito intrínseco, mas de inserção estratégica no sistema. A qualidade da obra é um pressuposto implícito, mas o que conta é sua capacidade de reverberar socialmente. Nesse sentido, o Kunstkompass mais se assemelha a um sismógrafo do sistema do que a um julgamento estético.

5. A ilusão da objetividade

Os defensores do ranking argumentam que ele traz objetividade ao caos artístico. Mas o que ele realmente oferece é uma objetivação da subjetividade institucional: transforma as decisões múltiplas de curadores, críticos e diretores de museus em uma escala mensurável.

Essa escala não é neutra. Ela depende de uma estrutura de poder simbólico global, em que instituições europeias e norte-americanas ainda ditam os termos do reconhecimento. Poucos artistas africanos, asiáticos ou latino-americanos ocupam posições de destaque. Isso não quer dizer que suas obras tenham menos qualidade, mas sim que o sistema que distribui visibilidade continua operando segundo as regras de um centro cultural hegemônico.

6. O ranking como sintoma

O Kunstkompass, portanto, é menos um juiz do que um espelho. Ele reflete os padrões de consagração vigentes — e, ao mesmo tempo, os consolida. Um artista no topo da lista atrai mais convites, mais atenção, mais mercado. É a velha lógica do “Matthew Effect”, observada por sociólogos: a quem tem, será dado mais.

Para os estudiosos do campo artístico, o ranking se torna uma mina de dados. Ele revela como reputações são construídas, como redes institucionais operam, como os critérios simbólicos se desdobram em práticas quantificáveis. Mais do que uma lista de nomes, ele é um diagrama de forças.

7. Estratégias para sobreviver ao barulho

Para o artista que deseja ascender nesse sistema, a lição é clara: é preciso pensar além da obra. Participar de exposições estratégicas, manter visibilidade crítica, construir uma trajetória institucional coerente — tudo isso conta, muitas vezes mais do que a inovação formal da obra.

Para o colecionador, o ranking não deve ser tomado como uma verdade absoluta, mas como um dos instrumentos possíveis de leitura do campo. É um mapa, ele deixa de fora boa parte do território.

8. O futuro da reputação na era da saturação

Com a multiplicação de plataformas digitais e redes sociais, os mecanismos de consagração estão se tornando ainda mais complexos. Novas formas de visibilidade competem com os modelos tradicionais. Mas, até segunda ordem, o velho sistema institucional — museus, bienais, crítica — ainda dita as regras do jogo de longo prazo.

O Kunstkompass resiste como uma régua tradicional em um mundo em mutação. Seu prestígio decorre, justamente, daquilo que ele promete: uma espécie de previsibilidade dentro do imprevisível. Um farol no nevoeiro de nomes, estilos e narrativas que disputam o centro da atenção cultural.

O Kunstkompass não é a verdade, mas é um sintoma eloquente. Ele diz menos sobre os artistas em si e mais sobre os filtros simbólicos que determinam quem será visto, quem será lembrado, quem será investido. Ele mostra que o valor na arte não é apenas uma questão de conteúdo, mas de circulação, reconhecimento e legitimação.

Para artistas e colecionadores atentos, compreender o funcionamento desse ranking é mais do que uma curiosidade. É uma necessidade estratégica num mercado onde reputação vale ouro — e onde o que não se mede, não se vende.

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