Opinião

Dinamismo e sutileza na obra de Sérvulo Esmeraldo


Percorrer a mostra de Sérvulo Esmeraldo (1929-2017), em cartaz na Pinakotheke São Paulo, situada no Morumbi, é um privilégio incontestável.

A sua obra envolve o visitante, a variedade de propostas impressiona, tanto pelo requinte de cada detalhe como pelo seu fluxo inovador que desperta no observador o prazer de descobrir o percurso de um mestre da vertente geométrica construtivista, que aliou arrojo e dinamismo numa poética atemporal, suas incursões são notáveis permitindo reflexões em infinitas leituras de sua linguagem impecável.  

Reunindo pinturas, desenhos, gravuras, esculturas, objetos e excitáveis numa montagem de altíssimo nível comparável a qualquer instituição museológica de peso, a mostra enaltece a visão criativa de um grande artista, em essência um inventor, um apaixonado pela precisão matemática, buscando o equilíbrio estético em cada peça concebida.

O seu percurso artístico é intenso, desde sua infância um espírito lúdico o envolvia, buscava compreender os fenômenos da natureza, apreciava literatura e a ciência de um certa forma lhe atraia, tinha sede de conhecimento.

O início de seu labor pelos meandros da gravura se iniciou com a xilogravura reflexo dos livretos de cordéis vistos nas feiras da região do Crato.

Do Ceará, Sérvulo se aventura como estudante de arquitetura na cidade de São Paulo, lá pelo início da década de 50, no auge da ebulição da I Bienal de São Paulo, chegou a trabalhar numa empresa de engenharia, onde surgiu seu grande interesse pela matemática de fundamental importância para o desenvolvimento de seu trabalho, onde reflexão e precisão se unem ao fluxo criativo almejando a estética na sua pureza.

A geometria surge do seu olhar observador, analisando as texturas das folhas, dos moluscos e tantos outros pormenores que a natureza fornece  espontaneamente.

As xilogravuras criadas nos anos 50, continham o desvendar destas análises com efeitos surpreendentes no resultado final da impressão. A série foi exposta no MAM de São Paulo, lhe proporcionando uma rara oportunidade, a concessão de uma bolsa do governo francês, em 1957, tendo ingressado na École Nationale Supérieure des Beaux Arts, que lhe abriria uma perspectiva solidificadora de sua carreira.

Permaneceu na França por mais de 20 anos, onde pode desenvolver todas as suas potencialidades. Frequentou o meio artístico parisiense, os ateliês de litogravura e calcografia, teve contato com Johnny Friedlaender, fez gravuras tendo como referência a obra de Serge Poliakoff, com resultados primorosos. O próprio Poliakoff, lhe incumbiu de executar um painel no Hotel Carlton, em Cannes. 

Tendo sua obra gravada reconhecida internacionalmente, distribuída por importantes editores europeus, Sérvulo Esmeraldo decide se dedicar com mais afinco em objetos tridimensionais e projetos cinéticos, objetos movidos a motores ou outros meios como imãs, eletroímãs e por gravidade. Daí surgiu os Excitáveis, obras movidas a eletricidade estática, que reagem ao toque de mão do observador, dando uma nova vertente ao cinetismo nos anos 60.

Na mostra, inclusive pode-se admirar o maior conjunto de Excitáveis já expostos, uma raridade, alguns inéditos. Sérvulo assim definia estas peças: “Aparentemente estáticos, estes quadros são, como tudo na natureza, fervilhantes de vida. Não apenas no nível da matéria. Refiro-me, sobretudo, ao poder infinito das cargas elétricas que provocam, dando-lhes movimento e mistério”.  

Nos anos 60, surgiram também as primeiras esculturas em aço escovado e na década seguinte uma série de esculturas em plexiglas. No seu período parisiense teve contato com artistas brasileiros que lá residiam como Sérgio Camargo, Lygia Clark, Rossini Perez e Arthur Luiz Piza, um convívio muito profícuo, além de Julio Le Parc e Jesus Rafael Soto, expoentes da arte cinética.

Em 1974, participou da importante mostra “L’Idée e la Matière” na Galeria Denise René, em Paris. Em 1980, retorna definitivamente a Fortaleza, estava com saudade do clima e da luz da região nordestina. Recebeu em 1983, o Prêmio de Melhor Escultor do Ano, pela APCA – Associação Paulista de Críticos de Artes.  

Sérvulo Esmeraldo realizou trabalhos de arte pública como o Monumento ao Saneamento Básico em Fortaleza (1977-1978) na Praia do Náutico, o Painel da Assembleia Legislativa de Fortaleza e o Monumento ao Jangadeiro (1992) entre tantos outros destaques.

A sua obra é de extrema importância no panorama artístico brasileiro tendo alcançado grande prestígio no exterior, a atual mostra demonstra toda a sua tenacidade e criatividade estruturada na sua intensa produtividade, dos seus esboços, desenhos e maquetes surgiram obras de extremo rigor revelando uma harmonia estética sutil, uma incursão notável a ser sempre revista, apreciada e refletida.         


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José Henrique Fabre Rolim

Jornalista, curador, pesquisador, artista plástico e crítico de arte, formado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Unisantos (Universidade Católica de Santos), atuou por 15 anos no jornal A Tribuna de Santos na área das visuais, atualmente é presidente da APCA (Associação Paulista de Críticos de Artes), colunista do DCI com matérias publicadas em diversos catálogos de arte e publicações como Módulo, Arte Vetrina (Turim-Itália), Arte em São Paulo, Cadernos de Crítica, Nuevas de España, Revista da APCA e Dasartes.

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