Opinião

Flávio Shiró: Percursos vivencias conectados

Por José Henrique Fabre Rolim - julho 19, 2018
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Os caminhos percorridos por um artista plástico definem suas ânsias e tendências que se refletem em sua obra, um relato visual que ganha uma nova dimensão a cada nova proposta alcançando até incursões mais arrojadas. Relatar os enfoques sociais, estéticos ou filosóficos de um tempo por intermédio de uma obra pode revelar passagens vivencias que espelham o inusitado.

Flavio-Shiró, artista que completará 90 anos em agosto, realiza uma notável individual na Pinakotkeke, reunindo uma seleção de pinturas, desenhos, fotografias e objetos, a maioria inéditos além de filmes em curta-metragem dirigidos por Adam Tanaka, seu neto e lançamento de um livro sobre o artista editado pela galeria. São 26 pinturas, 12 obras sobre papel, traçando um perfil de sua obra do figurativismo a transição para o abstracionismo informal até a retomada da figuração com curadoria de Max Perlingeiro.

Flavio-Shiró se preocupa com a pureza da linguagem da arte nas suas mais diversas técnicas e suportes. A sua obra se estrutura entre o abstracionismo e o expressionismo, uma força pictórica enraizada na visão da terra tanto na sua brutalidade como no seu lirismo.

Nos confrontos da própria realidade humana, o artista traça um perfil das emoções, que surgem com o convívio das recordações e das experiências acumuladas num trajeto artístico vinculado ao fluxo da reflexão e da criatividade. Há alguns anos atrás, Flavio-Shiró me revelou interessantes lances de suas incursões pelo campo das visuais, com um sutil sotaque francês, típico de um quase verdadeiro parisiense.

Na ocasião, Shiró afirmava “a arte nasceu para mim na vivencia com meu pai, que era pintor, profissão marginalizada na época em que minha família saída do Japão em 1932, se instalava no Pará, região amazônica. Tendo nascido em 1928, no norte do Japão, em Sapporo, uma das regiões   mais frias do país do sol nascente para depois de alguns meses se instalar nos trópicos, foi um choque cultural e climático.

Em dado momento, indagado como se definia, disse: “sou uma pessoa que saiu do congelador para entrar no forno”. Após sete anos na região amazônica, a família de Shiró se muda para São Paulo, era época da II Guerra Mundial, seu pai sendo dentista, pintava nas horas de folga, uma pintura bem acabada, fazia retratos de parentes, chegando a ampliar fotos antigas com detalhes minuciosos.

O primeiro quadro pintado por Shiró foi na Rua Fagundes, em cima de um telhado, a paisagem de São Paulo era ainda calma, com muitas áreas verdes. A emoção foi inesquecível, o cheiro da tinta é até hoje sentida pelo artista, numa época que nem cavalete possuía. Entrou na Escola Profissional Getúlio Vargas e durante um ano cursou o vocacional com aulas práticas de marcenaria, entalhe, fundição e eletricidade.

Todo esse aprendizado não tinha muita relação com a pintura, mas possibilitou exercitar a habilidade manual indispensável ao bom desempenho do próprio ato de pintar. Na parte da manhã havia aulas teóricas e entre os frequentadores, se destacavam Marcelo Grassmann, Luiz Sacilotto e Octávio Araújo. A existência dessa Escola lhe proporcionou uma sólida base para o domínio da técnica.

Na década de 40, o Grupo Santa Helena se destacava pelo própria clima de camaradagem criado no ateliê de Rebolo. Naquela época, Shiró tinha uns 14 anos e de vez em quando frequentava aquele reduto artístico que reunia nomes como Alfredo Volpi, Cesar Lacanna, Mario Zanini, Alfredo Rizzoti, Manuel Martins, Aldo Bonadei, Pennacchi e tantos outros. Todos tinham um métier à parte, Volpi e Mario Zanini faziam cerâmica com Paulo Rossi Osir na Osirarte.

Shiró chegou a trabalhar na Cerâmica Tasca com Lacanna. Foi um período fértil e divertido. Nos fins de semana todos pintavam São Paulo, principalmente a periferia com seus recantos típicos. Ao término da guerra, chegam novas ideias em termos de arte, a Bienal introduzia o abstracionismo, mas a reação foi brutal, a maioria dos artistas não estava sintonizada, houve uma desorientação geral.

A Bienal no entanto estimulou Shiró a conhecer a arte contemporânea mais profundamente, teve até vontade de ir à Europa para ver o que acontecia. Planejava viajar por alguns meses, mas acabou permanecendo, criou raízes. Em 1953 estava instalado em Paris com seu próprio ateliê. Continuou a ter contatos com o Brasil, sua família morava aqui e os laços sentimentais são muito fortes.

A arte tem uma dimensão ampla, as fronteiras se desfazem, a linguagem universal predomina partindo sempre do regional. Shiró presenciou os últimos tempos do existencialismo, como o auge da arte informal, o tachismo e o abstracionismo que influenciou o mundo todo. Residindo a mais de 50 anos em Paris e permanecendo alguns meses do ano no Rio de Janeiro, Shiró realiza uma pintura expressionista de forte impacto que pode ser comprovada na sua atual individual no privilegiado espaço da Pinakotkeke, situado no bairro do Morumbi.

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Jornalista, curador, pesquisador, artista plástico e crítico de arte, formado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Unisantos (Universidade Católica de Santos), atuou por 15 anos no jornal A Tribuna de Santos na área das visuais, atualmente é presidente da APCA (Associação Paulista de Críticos de Artes), colunista do DCI com matérias publicadas em diversos catálogos de arte e publicações como Módulo, Arte Vetrina (Turim-Itália), Arte em São Paulo, Cadernos de Crítica, Nuevas de España, Revista da APCA e Dasartes.

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