Artigos Acadêmicos

A arte Neoclássica e o Canto III da Ilíada

No interior do palácio troiano, cercado por altas muralhas intransponíveis, a bela Helena e Páris, também chamado Alexandre, filho mais novo de Príamo e Hécuba, passam os dias em eterna paixão alimentada por Afrodite

Jacques-Louis DAVID (1748-1825) DETALHE: A corte de Helena e Paris, 1788. Óleo sobre tela, 146×181. Musée du Louvre, Paris, França.

A obra encomendada pelo irmão de Luís XVI[4], na época, Charles-Philippe de Bourbon (1757-1836), Conde d’Artois, futuro Rei Carlos X, mostra o casal apaixonado no interior do quarto do palácio de Alexandre.

David segue os princípios da arte Neoclássica, no desenho impecável, personagens banhados em luz teatral, admitidos no espaço carregado de pormenores arqueológicos e mobiliário desenvolvido para a corte francesa.

A coluna à esquerda suporta o arco e a aljava do príncipe, e sobre ela, para dar sentido a cena amorosa, David adiciona uma escultura representando Afrodite, enquanto a coluna à esquerda decorada com um casal de amantes, esculpidos em baixo relevo, recebe uma coroa de murta, associada a deusa, e símbolo da juventude e beleza, por apresentar um agradável perfume em suas folhas sempre verdes.

Ao fundo, David acrescenta um portal, com cornija decorada, sustentado por quatro Cariátides, representando o amor e a paixão, copiadas das esculturas produzidas em 1551 por Jean GOUJON (1510-1572), para uma das salas do Palais du Louvre[5], atual Musée du Louvre.

Os cinquenta navios sob o controle de Aquiles estão ancorados, e o aborrecido herói só sai da grande nau para a tenda montada na areia.

Após anos de cerco aos muros de Troia, Aquiles, continua surdo aos apelos de Agamémnon e dos companheiros, entre eles Odisseu[6]. Aliados dos dois lados juntam forças entre um enfretamento e outro. Os deuses foram proibidos por Zeus a interferir na longa disputa e os troianos estão em vantagem.

No canto III da Ilíada, Homero relata o Combate de Alexandre e Menelau.

Em meio a gritaria e assobios, o príncipe Heitor, filho de Príamo, reúne os troianos e aliados para a luta com os aqueus, que marcham silenciosos para o embate. Ao se acercarem, como um deus, com pele de leopardo sobre os ombros, arco e espada, Páris surge na primeira fila, desafiador.

Entre os aqueus, Menelau logo se posta à frente, como um bravo leão, frente ao infame sequestrador da amada esposa.

Ao ver o gigante que feroz se aproxima, Alexandre amedrontado se esconde. Depois de ser duramente advertido por Heitor, seu irmão, Paris sugere um combate entre ele e Menelau. O vencedor fica com Helena para sempre e a luta se encerra. Se os gregos perderem eles partem com suas naus. Se os troianos perderem, uma multa será aplicada. Assim, Heitor procura Menelau, que aceita o desafio. Juras são realizadas e ovelhas oferecidas a Zeus, Alexandre se prepara para o embate, ajustando a armadura:

Da mesma forma Menelau se arma. Aqueus e troianos sentados nas respectivas fileiras aguardam, silenciosos.

Na sorte, Páris é o primeiro a jogar sua lança, a qual se dobra ao bater no escudo do filho de Atreu, que revidando, atinge com sua lança o belo escudo do jovem filho de Príamo.

Sem mais demora, Menelau arrasta-o pelo penacho de crina do elmo, em direção às linhas aliadas. Sufocado pela tira de couro presa ao elmo, Páris é alçado por Afrodite, que rapidamente, o transporta para o palácio, em meio a uma espessa neblina. Nas mãos de Menelau só resta o elmo.  

Disfarçada em uma velha artesã, Afrodite vai ao encontro de Helena, induzindo-a a se encontrar com Alexandre no Palácio.

Gavin HAMILTON [7] (1723-1798) Afrodite apresentando Helena a Paris, ca. 1777-1780. Óleo sobre tela, 211×259. Musée du Louvre, Paris, França.

Essa composição faz parte de uma série de pinturas sobre a história do casal, entre outras cenas representadas sobre a guerra de Troia, encomendada à Gavin Hamilton. 

Entre 1782 e 1784, Hamilton pintou o mesmo assunto, em tamanho maior, destinado à decoração da Sala di Elena e Paride, no interior da Villa Borghese, em Roma, para o Príncipe Marcantonio III Borghese[8]. A pintura foi transferida e atualmente se encontra abrigada no Museo di Roma.

Hamilton representa a cena em que Helena, contrariada, é levada por Afrodite ao quarto de Páris, após o embate com Menelau. Ali, sem olhar para o marido, Helena o compara com o valor de Menelau e o aconselha a não lutar corpo a corpo com o herói grego.

Vencida, cercada por Erotes[9] e influenciada pela deusa do amor, Helena segue para o belíssimo leito e para os braços do divo Alexandre. Ao mesmo tempo, Menelau e seus aliados procuram pelo principe troiano, forçando Agamémnon dar vitória ao irmão e quebrar o juramento firmado por Príamo.

Richard WESTALL (1765-1836) A reconciliação de Helena e Paris após sua derrota para Menelau, 1805. Óleo sobre madeira, 127×101. Tate, UK.

Britânico, aprendiz de um gravador heráldico de prata, em Londres, Westall entrou para a Royal Academy Schools em 1785, e desde então, passou a expor regularmente, com pinturas à óleo e aquarelas, assim, como produzir inúmeras ilustrações publicadas em livros de autores famosos da Inglaterra, que o admiravam, principalmente os poetas.

Associado em 1792 da Royal Academy of Arts[10], Westall foi eleito acadêmico a partir de 1794.

Artista Neoclássico no firme desenho acadêmico e na disposição da cena teatral, Westall ousou junto aos temas históricos e mitológicos, aprofundando o cenário com pinceladas e nuances derivadas da técnica da aquarela. As figuras etéreas criam a sensação de movimento na cena teatral, alterando o cenário imutável em transitório, distanciando-se do rigor clássico, do racionalismo francês e da técnica inflexível dos “primeiros Neo-Classicistas – Mengs[11], Hamilton e Vien[12].” (JANSON, 1992, p. 596)


Referências

HOMERO. Ilíada. Tradução Carlos Alberto Nunes. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2015. 536 p.

HOMERO. Ilíada. Tradução Frederico Lourenço. São Paulo: Penguin & Companhia das Letras, 2017. 715 p.

JANSON H. W. História da Arte. Tradução J.A. Ferreira de Almeida; Maria Manuela Rocheta Santos. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1992. 823 p.

MUSÉE DU LOUVRE, Paris, França. Disponível em: https://collections.louvre.fr/ark:/53355/cl010270005 Acesso em: 10 jan. 2022

MUSÉE DU LOUVRE, Paris, França. Disponível em:   https://collections.louvre.fr/ark:/53355/cl010063647 Acesso em: 10 jan. 2022

MUSÉE DU LOUVRE, Paris, França. Disponível em: https://collections.louvre.fr/ark:/53355/cl010067627 Acesso em: 10 jan. 2022

TATE, Londres, UK. Disponível em: https://www.tate.org.uk/art/artworks/westall-the-reconciliation-of-helen-and-paris-after-his-defeat-by-menelaus-t00088 Acesso em: 10 jan. 2022

MUSÉE DU LOUVRE, Paris, França. Disponível em: https://guiadolouvre.com/sala-das-cariatides-no-louvre/ Acesso em: 08 jan. 2022

MUSEO DI ROMA, Roma, Itália. Disponível em: http://www.museodiroma.it/it/didattica/didattica_per_tutti/gavin_hamilton_1723_1798_un_artista_dalla_scozia_a_roma Acesso em: 10 jan. 2022

THE J. PAUL GETTY MUSEUM, VILLA COLLECTION, Malibu, California. Disponível em: https://www.getty.edu/art/collection/artists/34/douris-greek-attic-active-500-460-bc/ Acesso em: 10 jan. 2022


[1]     Douris trabalhou como pintor de vasos e ocasionalmente como oleiro em Atenas no início de 400 a.C. Conhecido por quase quarenta vasos assinados, dois dos quais ele também envasou. Douris decorava principalmente Kilix com figuras vermelhas, mas também pintou alguns vasos de outras formas e em outras técnicas, incluindo fundo branco. Suas cenas são divididas igualmente entre mitologia e representações da vida cotidiana. Disponível em: https://www.getty.edu/art/collection/artists/34/douris-greek-attic-active-500-460-bc/ Acesso em: 10 jan. 2022

[2]     Formato semelhante a um cálice, o Kylix era usado para se beber vinho na Antiga Grécia Antiga. O corpo raso recebia duas asas e um pé, e recebia decoração interna.

[3]     Saiba mais sobre Jacques Louis DAVID (1748-1825) https://arteref.com/artigos-academicos/expansao-neoclassica-seculo-xviii/

[4]     Luís Augusto de Bourbon (1754-1793) Casado com a arquiduquesa Maria Antonieta de Habsburgo, filha da imperatriz Maria Teresa da Áustria. Luís XVI foi o último rei da França (1774-1792) antes da Revolução Francesa.

[5]     A Sala das Cariátides, no Palais du Louvre, teve sua obra iniciada em 1546, pelo arquiteto Pierre Lescot (1515-1578) Ao mesmo tempo foi construído um mezanino – tribuna para os músicos – e o escultor Jean GOUJON (1510-1572), se ocupou da decoração da sala, inclusive as quatro Cariátides que sustentam o mezanino. As Cariátides foram esculpidas em 1551, somente com informações tiradas por leituras sobre a Acrópole de Atenas. Atualmente a Sala, no Musée du Louvre, abriga cópias de antigas esculturas romanas executadas a partir de esculturas gregas que há muito tempo desapareceram. Musée du Louvre, Paris, França. Disponível em: https://guiadolouvre.com/sala-das-cariatides-no-louvre/ Acesso em: 10 jan. 2022.

[6]     Odisseu, chamado de Ulisses pelos romanos, é uma figura secundária na narrativa da disputa entre gregos e troianos. O herói, grande guerreiro e extremamente ardiloso, é casado com Penélope, filha de Ícaro, prima de Helena.

[7]     Saiba mais de Gavin HAMILTON (1723-1798) em: https://arteref.com/artigos-academicos/a-pintura-neoclassica-de-gavin-hamilton/

[8]     Marcantonio III Borghese (1730-1800) foi o responsável por remodelar a Villa Borghese em um museu, por volta de 1775.

[9]     Filhos alados e companheiros de Afrodite, os Erotes personificavam as diferentes características do amor.

[10]   A Royal Academy of Arts (RA) com sede em Londres foi fundada em 1768 pelo rei George III com o intuito de ser uma academia para os estudantes de arte promovendo exposições anuais. Sir Joshua REYNOLDS (1723-1792) foi eleito o primeiro presidente e pregava sobre o gênero elevado da pintura histórica no período. Saiba mais sobre Reynolds em: https://arteref.com/artigos-academicos/pintura-inglesa-iluminismo-estetica-xviii/

[11]   Saiba mais sobre Anton Raphael MENGS (1728-1779) em: https://arteref.com/artigos academicos/neoclassicismo-antiguidade-grega-imitacao-poesia/

[12]   Saiba mais sobre Joseph-Marie VIEN (1716-1809) em: https://arteref.com/artigos-academicos/joseph-marie-vien-neoclassicismo-franca/

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Fatima Sans Martini

Mestre em Artes Visuais com Abordagens Teóricas, Históricas e Culturais pela UNESP. Pós-graduação em História da Arte pela FAAP-SP. Formada em Artes Plásticas. Experiência profissional: Projetista em Design de Interiores. Experiência acadêmica: nas disciplinas de Projetos, Desenho, História do Mobiliário e História da Arte nos cursos de Arquitetura e Design de Interiores. Professor das disciplinas de Estética e História da Arte Mundial e Brasileira no Curso de Artes da Unimes, Universidade Metropolitana de Santos, SP

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