Artigos Acadêmicos

Classicismo Barroco na França


A partir do século XVII a França ampliou seus domínios e conquistou enorme projeção2. Coroado em 1654, Luís XIV (1638-1715) tornou-se um dos maiores líderes da história3, encarnando o símbolo do absolutismo.

Luís XIV deu à França o máximo de esplendor e projeção, merecendo o título de “rei-Sol”, com uma corte das mais brilhantes e luxuosas.

A arte Barroca procedente da Itália, que havia influenciado de forma coordenada e semelhante Flandres, Holanda e Espanha, tomou um caminho diferente ao chegar na França, antes mesmo de Luís XIV subir ao trono.

O estilo da Escola de Fontainebleau4, sob a tutela de Francisco I (1494-1547), havia se espalhado por toda França em meados do século XVI. A partir de 1594, durante o reinado de Henrique IV (1553-1610) e na Regência de Maria de Médici (1575-1642) as atividades artísticas da segunda Escola de Fontainebleau, embora tardia, alcançaram êxito com a maior utilização de motivos clássicos.

Portanto, enquanto as obras de CARAVAGGIO e CARRACCI se espalhavam e ganhavam adeptos, a França permanecia5 ligada aos temas clássicos alimentados pelo humanismo, que incluía a literatura e o racional, e a busca da felicidade em um mundo perfeito.

Em 1648, no Grand Palais-Royal, a então regente, Anne da Áustria (1601-1666) mãe de Luís XIV e o Conselho real aprovaram a fundação da Académie royale de peinture et de sculpture.

Colbert assumiu o controle estratégico com Charles LE BRUN6, que garantiu a glorificação do rei, por meio das artes e o Classicismo Barroco, resultado da união da Antiguidade Clássica com a arte Barroca italiana, tornando-se o estilo oficial da corte.

A partir da segunda metade do século XVII, a capital francesa passou a competir com Roma como capital do mundo das Artes.

Em 1666, Colbert fundou L’Académie de France à Rome, para os ganhadores de bolsa de estudos com origem na competição artística do Grand Prix de Roma, patrocinada pelo governo francês. Em Roma, por cerca de um ou dois anos, os jovens artistas devotavam-se a fazer cópias das Antiguidades e das obras Renascentistas, adquirindo conhecimento e treinamento adicional.

Os pintores franceses: Nicolas POUSSIN (1594-1665) e Claude LORRAIN7 (ca. 1600/5-1682); o gravador e aquarelista,Abraham BOSSE (ca.1602-1676); François José Hyacinthe RIGAUD (1659-1743) de origem espanhola, Philippe de CHAMPAIGNE (1602-1674) de origem flamenga e os escultores franceses: François GIRARDON (1628-1715), Antoine COYSEVOX (1640-1720), Pierre PUGET (1620-1694), Jean CORNU (1650-1710), Michel ANGUIER (1612-1686), Anselme FLAMEN (1647-1717), Jean-Baptiste TUBY (1635-1700), Gaspard MARSY (1624-1681) e Balthasar MARSY (1628-1674), entre outros, atuaram na França durante o século XVII.


Nicolas POUSSIN (1594-1665)

O francês Nicolas Poussin é considerado um dos maiores mestres acadêmicos do século XVII, também, chamado de Classicismo barroco ou estilo Luís XIV.

Poussin estudou fielmente e por uma longa temporada as estátuas clássicas na cidade de Roma, a qual considerava a segunda pátria. Ali desenvolveu um gosto pela beleza e dignidade por tudo que pertencia à Antiguidade, imaginando-a como um mundo incomparável e sublime. De acordo com Gombrich (2000), o artista francês desejava que a beleza e a perfeição das obras greco-romanas o ajudassem a ter uma visão das antigas terras da beleza e dignidade.

O artista imagina a Antiguidade como um mundo aprazível e utópico, mas esse mundo ideal, na sua interpretação deve ser representado de maneira lógica e ordenada.

O classicismo de Nicolas Poussin exige o emprego de cores harmônicas em contraste com a tendência barroca dos artistas italianos, cujas obras dramáticas são impregnadas de sombra e luz.

A paisagem é o ponto de partida para as intenções do grande artista, em que os planos e as massas são distribuídos e elaborados com rigor formal e matemático. Simples arranjo que nasce do enorme conhecimento artístico.

“Antes de Poussin ninguém estreitara tanto a analogia entre a pintura e a literatura, nem a pusera em prática com tanta determinação.” (JANSON, 1992, p. 539)

Nicolas POUSSIN (1594-1665) Lamentação de Cristo, 1628. Óleo sobre tela, 102,7×146,1. Alte Pinakothek, Munique, Alemanha

O rico José de Arimateia disponibiliza o seu túmulo para o enterro de Cristo. Os personagens são adicionados criteriosamente no primeiro plano. Os baixos tons de terra determinam a cor fundamental e se espalham pela composição. O verde se esparrama na vegetação e na blusa de uma Maria Madalena angustiada. O cinza esverdeado destaca a palidez mortal de Cristo e reflete a dor na face de Maria, enquanto putti8 rosados choram a morte do grande homem. O tom frio do azul, o vermelho brilhante e os brancos iluminam o design colorido.

Nicolas POUSSIN (1594-1665) Órion cego à procura de sol nascente, 1658. Óleo sobre tela, 119.1×182.9. The Metropolitan Museum of Art. Nova York, EUA

A pintura de quase dois metros de largura, Órion cego à procura de sol nascente, produzida por Nicolas Poussin em meados do século XVII, apresenta uma cena de paisagem dividida em vários planos horizontais, em que o céu, ao fundo, ocupa a metade da composição.

À direita, o gigante Órion, guiado por Cedálion sobre seus ombros, caminha na direção em que Éos, dedos de rosa, surge pela manhã. A pequena figura, próxima aos seus pés, transmite informações para onde se dirigir.

Outros dois homens cortados por um dos planos horizontais, revelam profundidade e o caminho a seguir, por meio dos sucessivos planos, de tonalidades diferentes.

Vapores sobem da terra, formando pesadas e escuras nuvens, onde Ártemis observa o amigo do alto.

Ártemis era grande amiga do gigante conhecido por Órion. Em Apolodoro (I, 4, 3, 2016, p. 53) nascido da terra, Órion era de descomunal tamanho. Alguns asseguravam que era filho de Poseidon e Euríale, filha de Minos9.

Os dois se conheceram quando Órion, ainda cego, caminhava em direção ao Oriente em busca de cura, com um jovem sobre seus ombros.

No encontro, a deusa entusiasmou-se quando ele contou sobre o amor que dedicava aos animais e sua habilidade nas atividades de caça aos bichos selvagens no interior das densas florestas ou escondidos nas altas montanhas. O novo amigo narrou também o motivo de estar cego.

Seu pai tinha lhe concedido o dom de caminhar sobre as ondas do mar, assim como sobre a terra. Entre suas andanças, Órion chegou na ilha de Quios, governada por Enópion10, enamorando-se de sua filha, Mérope.

Após várias tentativas de cortejo e reciprocidade, Órion embebedou-se, entrou nos aposentos e violou Mérope. O pai, indignado e enfurecido, enviou alguns servos para embebedar o gigante de tal forma que estando inconsciente, pudessem lhe cegar, para que assim, não mais baixasse os olhos sobre nenhuma donzela.

Abandonado ao largo do oceano, andando a esmo, Órion cruzou o caminho de um vidente. O velho encaminhou-o até Lemnos, o lar de Hefesto, além de profetizar que seus olhos voltariam a ver a luz, se ele olhasse diretamente para os primeiros raios de Hélio, “logo que a Aurora, de dedos de rosa”, surgisse matutina no oceano (HOMERO, Odisseia, II, 1, 2015, p. 45)

Com pena de Órion, Hefesto lhe emprestou um de seus aprendizes, o jovem Cedálion como guia de sua jornada. E foi assim que Ártemis lhe encontrou e passou a observá-lo em sua longa caminhada em busca de cura.

Chegando ao destino, Hélio lhe devolveu a vista e, Órion, depois de um lépido romance com Éos, de dedos de rosa, voltou à procura da amiga.

Na ilha de Creta, o gigante passou a caçar, constantemente, ao lado de Ártemis.

“Órion gigantesco, que pelo prado de asfódelos11 feras num ponto reunia, que anteriormente ele próprio nos montes desertos caçara com uso, apenas, da clava, toda ela de bronze inquebrável.” (HOMERO, Odisseia, XI, 572-575, 2015, p. 200)

No entanto, essa amizade, que alguns começaram a divulgar que era amor, causou grande desconfiança e ciúmes em Apolo, seu amado irmão. Porque os deuses de vida tranquila ficam enfurecidos e são duros “e mais invejosos que os homens, e se zangam, quando por acaso, uma deusa se acolhe no leito de homem mortal e resolve esposar quem na terra lhe agrade.” (HOMERO, Odisseia, V, 118-120, 2015, p. 102)

Segundo uma das versões de Higino (Astronomia, II, 34, 3, 2008, p. 288) apesar de todas as críticas, Apolo não conseguia afastar os dois, até dar-se conta de que quando Órion nadava ao longe, só se via sua cabeça. Chamando sua irmã, desafiou-a a atirar na mancha escura que se via no mar.

Ártemis, ligeira, aceitou o desafio e lançou a flecha, que sem saber era a cabeça de Órion. Aflita, ao descobrir que era o amigo, Diana arrastou-o para a praia e chorando desconsoladamente por sua morte, dizem que o colocou no céu.

No céu se encontram as Plêiades12, “Órion robustíssimo, as Híades13, e mais, ainda, a Ursa”14 que gira num ponto somente, e “Órion sempre espiando.” (HOMERO, Ilíada, XVIII, 486-488, 2015, p. 398)


Referências

ALTE PINAKOTHEK, Munique, Alemanha. Disponível em: https://www.sammlung.pinakothek.de/en/bookmark/artwork/gR4kQ0gLEe Acesso em: 26 out. 2019.

APOLODORO. Biblioteca Mitológica. Tradução Julia García Moreno. Madrid, Espanha: Alianza Editorial, 2016. 340 p.

ART INSTITUTE CHICAGO, Chicago, EUA. Disponível em: https://www.artic.edu/artworks/5848/landscape-with-saint-john-on-patmos Acesso em: 26 out. 2019.

GOMBRICH, E. H. A História da Arte. Tradução Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: LTC, 2000. 714 p.

HIGINO, C. J. Fábulas e Astronomia. Tradução Guadalupe Morcillo Exposito. Madrid, Espanha: Ediciones Akal, 2008. 359 p.

HOMERO. Ilíada. Tradução Carlos Alberto Nunes. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2015. 536 p.

________ . Odisseia. Tradução Carlos Alberto Nunes. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2015. 424 p.

JANSON H. W. História da Arte. Tradução J.A. Ferreira de Almeida; Maria Manuela Rocheta Santos. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1992. 823 p.

THE METROPOLITAN MUSEUM OF ART, Nova York, EUA. Disponível em: https://www.metmuseum.org/art/collection/search/437326 Acesso em 20 out. 2019.


1 São João, um dos quatro Evangelistas, reclina ao lado de seu atributo, a águia. Poussin o representa como um velho poderoso, presumivelmente depois de se aposentar e se transferir para a ilha grega de Patmos, afim de escrever seu evangelho e o livro de Apocalipse no final de sua vida. Para sugerir a glória desaparecida do mundo antigo, Poussin cuidadosamente constrói um cenário idealizado com um obelisco, um templo e fragmentos de coluna. As formas naturais e artificiais são ajustadas de acordo com princípios de geometria e lógica para transmitir o sentido de ordem. Art Institute Chicago. Disponível em: https://www.artic.edu/artworks/5848/landscape-with-saint-john-on-patmos Acesso em: 26 out. 2019.

2 No fim do reinado de Henrique IV (1553-1610) as violentas lutas religiosas na França entre católicos e protestantes calvinistas foram encerradas com o Edito de Nantes, que concedeu liberdade de culto aos protestantes em 1598. Fortalecido o poder do rei Luís XIII (1601-1643) apoiado pelo Cardeal Richelieu (1585-1642) a França alcançou enorme projeção com a sucessiva ampliação dos seus domínios, abrindo caminho para o rei absolutista e o projeto glorioso do Palácio de Versailles.

3 O reinado de Luís XIV (1638-1715) teve o apoio do primeiro-ministro Cardeal Mazzarino (1602-1661) seguido do ministro de estado Jean-Baptiste Colbert (1619-1683). No longo período, os nobres foram atraídos para a corte e a rica burguesia foi favorecida na indústria e comércio, transformando a França em uma grande potência econômica.

4 No período de Francisco I (1494-1547) o Palácio abrigou a Escola de Fontainebleau (ca. 1530-1610) de onde saíram importantes nomes que influenciaram a arte Maneirista francesa.

5 Dois artistas franceses parecem ter seguido a orientação de Caravaggio, executando algumas obras independentes das alegorias francesas da época: Georges de LA TOUR (1593-1652) e Louis LE NAIN (1593-1648).

6 Primeiro artista oficial da corte de Luís XIV, Charles LE BRUN (1619-1690) atuou como pintor, decorador e arquiteto, trabalhando no Palácio de Versailles e dirigindo a Académie royale de peinture et de sculpture até morrer.

7 Claude LORRAIN (ca. 1600/5-1682) também é conhecido por Claude Gellée ou ainda, Claude Lorraine.

8 No singular putto e no plural putti, ou ainda, amorini, termos em italiano, que significa meninos nus alados ou não, destinados a representar anjos ou cupidos/erotes. Adornavam a arte greco-romana, assim como aparecem rotineiramente na arte Renascentista e Barroca.

9 Filho de Zeus e Europa, Minos foi rei de Creta, responsável por mandar Dédalo construir o labirinto no Palácio de Cnossos para prender o Minotauro.

10 Filho de Ariadne e Dioniso, chamado de Baco pelos romanos.

11 Planta bulbosa, da família das Liliáceas, de flores vistosas. O caule bulboso era comestível.

12 Filhas de Atlas e Pléyone, as Plêiades são em número de sete.

13 Ninfas, filhas de Atlas e de uma Oceânida, as Híades foram amas de Dioniso. Em reconhecimento, Zeus as levou para o céu sob a forma de constelação.

14 Hera, com ciúmes, transformou Calisto em Ursa e Zeus levou-a para o céu.

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Fatima Sans Martini

Mestre em Artes Visuais com Abordagens Teóricas, Históricas e Culturais pela UNESP. Pós-graduação em História da Arte pela FAAP-SP. Formada em Artes Plásticas. Experiência profissional: Projetista em Design de Interiores. Experiência acadêmica: nas disciplinas de Projetos, Desenho, História do Mobiliário e História da Arte nos cursos de Arquitetura e Design de Interiores. Professor das disciplinas de Estética e História da Arte Mundial e Brasileira no Curso de Artes da Unimes, Universidade Metropolitana de Santos, SP

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