Artigos Acadêmicos

O Julgamento de Páris e o Rapto de Helena

Os poemas épicos e a História da Arte.

Por Fatima Sans Martini - outubro 10, 2022
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As pinturas – O Casamento de Peleu e Tétis, o Julgamento de Páris e o Rapto de Helena – representadas por artistas ao longo da História da Arte e encontradas em representações nas antigas cerâmicas ou nas histórias contadas pelos antigos gregos e romanos, diferem, ou aproximam-se, de acordo com cada autor no decurso do tempo.

A literatura clássica identificada em ESTÁSINO de Chipre[3], EURÍPIDES[4], HERÓDOTO[5], PAUSÂNIAS[6], HIGINO[7], APOLODORO[8] e OVÍDIO[9], entre outros, ajudam, assim, a explicar a história e os personagens que antecedem a Ilíada[10], o poema épico de HOMERO[11] sobre a disputa entre gregos e troianos, que serviu de tema, também, para inúmeras pinturas produzidas durante o movimento artístico do Neoclássico, além de outros estilos anteriores.

O Casamento de Peleu e Tétis antecede o Julgamento de Páris, quando Eris, a deusa da Discórdia, lança o troféu da beleza na presença dos convidados, forçando uma disputa entre as deusas: Hera, Afrodite e Atena.

Anos se passaram com as deusas em desavença, até Zeus intervir e enviar as mulheres, aos cuidados de Hermes, ao local onde Páris, ou Alexandre, nome do príncipe de Tróia, pastoreava o rebanho de ovelhas. Ali, elas deveriam ser julgadas por ele. Assim, recém-saídas do banho elas se apresentam com grandes promessas ao jovem: “Hera, no caso de ser preferida às demais, a soberania total; Atena, a vitória na guerra, e Afrodite a mão de Helena.” (APOLODORO, Bibl. Epít. 3, 2, 2016, p. 229. Tradução nossa)  

Mas, quem é Helena, a mais bela e cobiçada das mulheres?

Helena é filha de Leda, casada com Tíndaro, rei de Esparta. “Zeus com a aparência de um cisne passou com Leda na mesma noite que Tíndaro e assim Pólux e Helena foram fecundados por Zeus e Castor e Clitemnestra por Tíndaro.” (APOLODORO, Bibl. III. 10, 7, 2016, p. 188. Tradução nossa) 

Em Eurípedes, Helena afirma:

Quanto a mim, tenho por pátria a célebre Esparta e é Tíndaro o meu pai. Conta-se, porém, que Zeus, sob a forma alada de um cisne, voou sobre a minha mãe, Leda, e, fingindo escapar à perseguição de uma águia, logrou unir-se a ela com este embuste – se é que a história é verdadeira… (EURÍPEDES, Helena, 16-21, 2015, p. 112)

Tíndaro entregou Clitemnestra em matrimônio para Agamémnon, filho de Atreu e rei de Micenas, enquanto, inúmeros espartanos queriam se casar com Helena, por sua sublime beleza. Para sua tranquilidade ele “deixou nas mãos de Helena a decisão de escolher aquele com quem desejasse se casar. Ela escolheu Menelau, a quem Tíndaro a entregou como esposa.” (HIGINO, Fáb. LXXVIII, 2-3, 2008, p. 97. Tradução nossa)

Com a morte de Tíndaro, Menelau herdou o trono de Esparta. 


O Julgamento de Páris

Anton Raphael MENGS (1728-1779) Julgamento de Páris , ca. 1757. (pintura inacabada) Óleo sobre tela, 226x295,5. Hermitagemuseum, St. Petersburg, Rússia.
Anton Raphael MENGS (1728-1779) Julgamento de Páris[12] , ca. 1757. (pintura inacabada) Óleo sobre tela, 226×295,5. Hermitagemuseum, St. Petersburg, Rússia.

A composição e o evento se dão com a justa e necessária informação, dentro dos limites do neoclassicismo: padrão estético da Antiga Grécia, rigor e pureza de linhas, simplicidade, figuras no primeiro plano, equilíbrio entre o naturalismo e a beleza ideal e sobriedade nos ornamentos.  

Mengs apresenta Páris, que já decidiu a contenda e está entregando o pomo de ouro para Afrodite, enquanto é possível verificar os atributos das deusas, que acabaram de se banhar, observadas pelo deus do rio.  

De acordo com Apolodoro (Bibl. Epít. 3, 2-3, 2016, p. 229) com o pensamento em Helena, Páris navega para Esparta e pelo espaço de nove dias, ele é recebido na mansão de Menelau, com a justificativa de uma missão diplomática.

Enquanto isso, indignadas e unidas, Atena e Hera tramam a derrota dos troianos.

Maria Anna Angelika Kauffmann, conhecida por Angelica KAUFFMAN (1741-1807) Afrodite persuade Helena a aceitar o amor de Páris, 1790. Óleo sobre tela, 102x127,5. Hermitagemuseum, St Petersburg, Rússia
Maria Anna Angelika Kauffmann, conhecida por Angelica KAUFFMAN (1741-1807) Afrodite persuade Helena a aceitar o amor de Páris, 1790. Óleo sobre tela, 102×127,5. Hermitagemuseum, St Petersburg, Rússia

Nascida em Chur (Coira) na Suíça, treinada por seu pai na pintura de frescos e no estilo Rococó, Angelica Kauffman KAUFFMAN (1741-1807)  viajou por volta de 1754 e novamente no início da década de 1760, ao lado do pai pela Áustria e Itália. Em contato com os artistas e pesquisadores neoclássicos – Anton Raphael MENGS[13] e WINCKELMANN[14] –   Kauffman se tornou popular, admirada como pintora de retratos e principalmente por se comunicar em inglês, italiano e alemão.

Em Londres a partir de 1766, amiga e influenciada por Sir Joshua REYNOLDS[15], Kauffman se firmou como retratista,trabalhando para uma variedade de patrocinadores aristocráticos, incluindo a corte inglesa, austríaca e russa.

Listada como membro da Royal Academy of Arts, Kauffman produziu ao longo dos anos inúmeras pinturas com temas mitológicos e outros projetos artísticos ligados ao estilo neoclássico[16].

Na pintura Kauffman representa o encontro de Páris e Helena no Palácio de Menelau. É nesse momento que Afrodite, acompanhada de Eros, lança um encanto para Helena se apaixonar pelo príncipe de Tróia.

Gavin HAMILTON (1723-1798) O Rapto de Helena, 1782-1784. Óleo sobre tela, 61x75. The Pushkin State Museum of Fine Arts, Rússia.
Gavin HAMILTON (1723-1798) O Rapto de Helena, 1782-1784. Óleo sobre tela, 61×75. The Pushkin State Museum of Fine Arts, Rússia.

Essa pintura faz parte da série sobre os personagens da Ilíada de Homero produzida por Gavin Hamilton[17] e por muitos outros artistas do período Neoclássico, que seguiram o método da descrição histórica com “figuras de trajes clássicos” e atitudes e expressões heroicas, de acordo com Janson (1992, p. 582-583)

Hamilton apresenta a cena do rapto de Helena por Paris, ou a fuga e o embarque do casal, aproveitando-se da viagem de Menelau à Creta para render honras fúnebres a seu avô materno. Alguns autores argumentam que Helena teria deixado a pátria e sua própria filha voluntariamente, sob o feitiço de Afrodite e Eros no dia anterior.

Abandonando Hermione, sua filha de nove anos e tendo transportado todas as suas riquezas, Helena embarca à noite na companhia de Alexandre. Hera, no entanto, envia sobre eles uma grande tormenta, por isso eles são obrigados a atracar em Sidón, na Fenícia. (APOLODORO, Bibl. Epít. 3, 3-4, 2016, p. 230. Tradução nossa) 

Para atrapalhar uma provável perseguição, Alexandre permaneceu por um longo tempo na Fenícia e depois em Chipre e conta-se que ali eles se casaram. Quando finalmente, ele concluiu que já não os perseguiam, de lá partiram na embarcação com destino a Troia.

No entanto, de acordo com Eurípedes (Helena, 31-36 e 42-48, 2015, p. 112-113) despeitada, Hera envolveu Helena em uma nuvem de fantasia ainda no palácio de Menelau, e o iludido Páris, deste modo, possuiu apenas uma imagem esculpida em matéria do que é feito o céu. No dia seguinte, por determinação de Zeus, Helena foi levada clandestinamente por Hermes ao Egito para esperar por Menelau. Alexandre, portanto, teria se apresentado em Troia com uma imitação de Helena feita de névoa.


Veja também


Referências

APOLODORO. Biblioteca Mitológica. Tradução Julia García Moreno. Madrid, Espanha: Alianza Editorial, 2016. 340 p.

EURÍPIDES. Helena. Tradução Alessandra Cristina Jonas Neves Oliveira. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra / Annablume, 2015. 219 p. Disponível em: https://digitalisdsp.uc.pt/bitstream/10316.2/37387/1/AG%20_%20Helena%20ebook.pdf?ln=pt-pt Acesso em: 25 set. 2021.

HERMITAGEMUSEUM, St. Petersburg, Rússia. Disponível em: https://www.hermitagemuseum.org/wps/portal/hermitage/digital-collection/01.+paintings/38280 Acesso em 20 set. 2021.

HERMITAGEMUSEUM, St. Petersburg, Rússia. Disponível em:https://www.hermitagemuseum.org/wps/portal/hermitage/digital-collection/01.+paintings/38242 Acesso em: 26 set. 2021.

HIGINO, C. J. Fábulas e Astronomia. Tradução Guadalupe Morcillo Exposito. Madrid, Espanha: Ediciones Akal, 2008. 359 p.

HOMERO. Ilíada. Tradução Frederico Lourenço. São Paulo: Penguin & Companhia das Letras, 2017. 715 p.

HOMERO. Ilíada. Tradução Carlos Alberto Nunes. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2015. 536 p.

JANSON H. W. História da Arte. Tradução J.A. Ferreira de Almeida; Maria Manuela Rocheta Santos. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1992. 823 p.

OVIDIO. Metamorfoses. Tradução Domingos Lucas Dias. São Paulo: Editora 34, 2017. 909 p.

THE J. PAUL GETTY MUSEUM, VILLA COLLECTION, Malibu, California. Disponível em: http://www.getty.edu/art/collection/objects/12837/attributed-to-painter-of-louvre-mnb-1148-apulian-red-figure-loutrophoros-greek-south-italian-apulian-about-330-bc/ Acesso em 21 set. 2021.

THE PUSHKIN STATE MUSEUM OF FINE ARTS, Rússia. Disponível em: https://pushkinmuseum.art/data/fonds/europe_and_america/j/1001_2000/zh_2148/index.php?lang=en Acesso em: 26 set. 2021.


[1]     Na pintura Leda e o Cisne, produzida em ca. de 330 a.C., Zeus aparece na forma de um cisne e beija a rainha espartana Leda. Hypnos, a personificação do sono, auxilia Zeus e estica seu cajado para Leda dormir.

[2]     Potes altos e estreitos para casamentos e funerais, os Loutrophoros recebiam pescoço longo e estreito, boca larga e tampa plana. Para os funerais apresentavam um furo no fundo.

[3]     Estásino de CHIPRE. Poeta de origem imprecisa, do século VII a.C., autor do poema épico sobre os troianos: Os Cantos cíprios. Diversos autores se apoiaram nos fragmentos do que restou dos seus contos para desenvolverem semelhantes histórias.

[4]     Poeta trágico grego EURÍPIDES (ca. 480-406 a.C.) ressaltou em suas obras as agitações da alma humana e em especial a feminina. Tratou dos relacionamentos da sociedade ateniense de seu tempo, valorizando as ações do homem e suas tradições.

[5]     HERÓDOTO (ca. 485-425 a.C.) Historiador grego, autor de As Histórias de Heródoto, lançado no século V a.C.

[6]     Geógrafo grego, PAUSÂNIAS (ca. 110/115-180) viajou pela Grécia e regiões próximas, onde pesquisou sobre a história de cada local. Autor da Descrição da Grécia.

[7]     Escritor da Roma Antiga, Caio Júlio HIGINO (64 a.C. – 17 d.C.) é, segundo autores, da Província Ibérica, provavelmente de Valência, na atual Espanha.

[8]     Do século I a.C. ou I d.C., a Biblioteca mitológica, apoiada em Homero, Hesíodo, e outros autores, inclusive alguns anônimos, atribuída à APOLODORO é um compêndio de mitologia escrito em prosa sobre a genealogia dos deuses gregos até a história de Odisseu.

[9]     Em Metamorfoses, influenciado pelos poemas épicos e pela genealogia grega, Publios OVÍDIO Naso (43 a.C.- 17 d.C.) descreveu em cerca de doze mil versos, em latim, as histórias dos deuses e heróis.  A obra que abrange a cosmogonia e a etiologia fundiu ficção e realidade, transformou personagens e deuses mitológicos em animais, plantas, rios e pedras, no princípio dos tempos e chegou até o tempo do poeta e de Augusto. Ovídio seguiu o conceito da Teogonia, de HESÍODO (ca. VIII-VII a.C.) na divisão cronológica da mitologia clássica e uniu os deuses aos mortais nas descrições sobre o amor, incesto, ciúme e morte. Os personagens ganharam humanidade e se afastaram das solenes divindades.

[10]   A Ilíada trata da guerra de Troia e a disputa entre o herói Aquiles e Agamémnon comandante, dos exércitos gregos em Troia. O longo poema se encerra com a morte e o funeral de Heitor, herói troiano, filho do rei Príamo. Um dos personagens centrais da guerra de Troia, Aquiles, de ânimo feroz, é filho de Peleu, rei da Ftia, na Tessália e da nereida Tétis (uma das cinquenta filhas de Nereu e Dóris, filha de Oceano). Rei de Micenas, Agamémnon, da casa Atreu, é um dos maiores heróis dos aliados gregos e irmão de Menelau, marido de Helena, uma das causas da guerra de Troia. 

[11]   HOMERO (ca. IX-VIII a.C.) é autor de Ilíada e Odisseia. Os poemas heroicos datados por volta do século IX a.C., relatam as aventuras e os combates de diferentes personagens gregos e troianos, envolvidos e manipulados por poderosos deuses.

[12]   Saiba mais sobre o Julgamento de Paris, junto à pintura O Casamento de Peleu e Tétis executada em 1636 por Peter Paul RUBENS (1577-1640) em: https://arteref.com/artigos-academicos/peter-paul-rubens/

[13] Saiba mais de Anton Raphael MENGS (1728-1779) em https://arteref.com/artigos-academicos/neoclassicismo-antiguidade-grega-imitacao-poesia/

[14] Saiba mais sobre Johann Joachim WINCKELMANN (1717-1768) em https://arteref.com/artigos-academicos/neoclassicismo-antiguidade-grega-imitacao-poesia/

[15] Saiba mais sobre Sir Joshua REYNOLDS (1723-1792) em: https://arteref.com/artigos-academicos/pintura-inglesa-iluminismo-estetica-xviii/

[16]   Kauffman ampliou sua fama, participando de uma série de projetos de pintura decorativas para o interior das residências neoclássicas projetadas por Robert ADAM (1728-1792) um dos principais arquitetos e designers do período. Em 1781, Kauffman mudou-se para Roma acompanhando o marido, o pintor veneziano Antonio Zucchi (1728-1795) e continuou a pintar até a morte.

[17] Saiba mais sobre Gavin HAMILTON (1723-1798) em: https://arteref.com/artigos-academicos/a-pintura-neoclassica-de-gavin-hamilton/


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Caio Nakazoni
Caio Nakazoni
3 anos atrás

Maravilhoso! Estes poemas inspiraram e ainda inspiram artista do mundo inteiro! E os artista que ousaram ilustra e representar estes poemas são fantásticos!!
Amei! Grande abraço minha sempre querida prof. Fátima!!!