Instituto Tomie Ohtake

A participação das mulheres na história da arte


Essa matéria trata de uma pesquisa historiográfica e crítica sobre a participação das mulheres na história da arte no Brasil nos séculos XIX e XX.

O conteúdo foi desenvolvido pela equipe do Instituto Tomie Ohtake, com a presença de cinco professores convidados e sete educadores que fazem parte do Instituto. A matéria está ligada a exposição Invenções da mulher moderna, para além de Anita e Tarsila.


Contexto histórico

O processo de institucionalização do ensino artístico no Brasil teve início com a chegada da corte portuguesa, o que impulsionou diversas reformas que buscaram alçar a antiga colônia, estruturalmente e culturalmente, ao posto de sede do Império.

Parte desse processo foi a missão Artística Francesa, uma comitiva de artistas, arquitetos e artesãos que chegaram no Brasil em 1816 com o objetivo de criar um sistema oficial das artes que pudesse integrar, padronizar e orientar a produção segundo o modelo acadêmico francês, pautado nos princípios do neoclassicismo.

Obra do artista Jean Baptiste Debret que retrata o Brasil durante a missão artística francesa. O artista fez vários registros entre 1816 e 1831, época em que viveu no país.

Antes disso, o ensino das artes acontecia de modos diversificados e informais, por meio das relações entre mestre e aprendiz que produziam objetos vinculados, principalmente, ao barroco colonial e à arte sacra.

Somente a partir de 1892 as mulheres começaram a ser aceitas na Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro, nome que passou a designar a Academia Imperial de Belas Artes após a proclamação da República.

Muitas mulheres optavam pelo ingresso livre e não pela matrícula oficial devido aos exames de admissão, que exigiam conhecimentos aos quais elas não tinham acesso nas poucas instituições de ensino secundário que as aceitavam.

As escolas particulares de arte começaram a aceitar mulheres antes, mas cobravam um valor equivalente ao dobro daquele cobrado dos homens. Além disso, a maioria dos artistas que tinham acesso ao ensino vinha de famílias com alto poder aquisitivo. No caso das mulheres, grande parte possuía outros artistas na família, representados pelos pais ou maridos.

Mesmo com permissão do ingresso de mulheres na academia ter ocorrido em 1892, apenas em 1896 foi criado um ateliê de modelo vivo exclusivo para elas e, ainda assim, houve resistência à matrícula porque tal prática não era vista com bons olhos pela sociedade devido ao fato de o modelo se portar nu.

Aula de anatomia no Instituto de Artes da UFRGS em 1928, uma escola inspirada no modelo da Academia Imperial de Belas Artes.

Alunos e professores do Instituto de Artes em 1925

Formavam-se miniaturistas, pintoras de naturezas-mortas, de porcelanas e outros tipos de artes que não exigissem a representação do corpo humano. As duas primeiras mulheres que se matricularam na aula de modelo vivo foram Julieta de França e Nicolina Vaz de Assis.

Ainda que muitos artistas construíssem suas obras à margem do ensino oficial, o modelo neoclássico francês exerceu forte influência na produção artística do século XX ao reforçar o distanciamento entre a arte erudita e a arte popular.

É importante mencionar que, mesmo com a dificuldade de acesso a documentos e pesquisas sobre o assunto, é inegável a existência de uma produção que não se enquadrava no modelo de arte imposto pelos aparatos institucionais, como os objetos produzidos pelas populações indígenas e africanas, a artesania popular e incontáveis outras modalidades expressivas encontradas ao longo do território nacional.

Julieta de França em seu Ateliê. Acervo do Museu Paulista da USP, São Paulo. Reprodução de José Rosael.
Nicolita Vaz de Assis e a modelagem final do busto-retrato do Barão do Rio Branco.
Acervo Museu Nacional de Belas Artes.

Arte feminina?

Durante muito tempo as mulheres estiveram presentes na produção artística apenas como modelos e musas. Isso se deve, principalmente, às dificuldades de acesso aos equipamentos de ensino da arte e a barreiras sociais que impediam que se dedicassem profissionalmente a essa ocupação.

De modo algum isso significa que elas não produziram e, principalmente, que suas obras não tiveram as qualidades que justificassem a sua inserção nos livros de arte.

Quando as mulheres começaram a participar dos salões de arte, no final do século XIX, a crítica abordava sua produção em relação à de outras mulheres e, eventualmente, em relação à produção de artistas homens vistos como amadores. Assim criou-se uma categoria exclusiva que ficou conhecida como “arte feminina”.

Esse filtro isolava as qualidades estéticas das produções femininas e impedia que fossem avaliadas segundo os mesmos critérios utilizados na abordagem de obras feitas por homens.

A crítica era voltada a identificação de características femininas expressas nas obras feitas por mulheres, como a pincelada leve, o olhar feminino, a delicadeza e outros termos que, sob a análise coerente, não se sustentam nas obras em si.

Abigail de Andrade | Um Canto do Meu Ateliê. (Essa obra ganhou uma medalha de ouro no Salão de 1884, no Brasil imperial.)

Dentre os gêneros da pintura ensinados e estimulados pela Escola Nacional de Belas Artes havia uma hierarquia clara, seguida pelo retrato; paisagem; natureza-morta e, por último, pela pintura de gênero.

Durante muito tempo a pintura histórica foi um campo de atuação restrito aos homens, do qual as mulheres eram excluídas pela ausência de domínio da anatomia humana, pelo fato de que não tinham acesso ao ensino da arte, e especificamente ao estudo do nu.

Com o surgimento de uma nossa classe média urbana e as transformações do contexto politico e social no Brasil, as cenas de gênero começaram a ganhar mais visibilidade. Essas mudanças representaram, também, maiores possibilidades de inserção das mulheres no campo da produção artística.

Mais tarde, com a chegada do modernismo e o enfraquecimento da rigidez temática formal do academicismo, as questões de gênero já não eram mais colocadas como um critério de hierarquia na produção artística, exemplo visto claramente no surgimento de nomes como Anita Malfatti e Tarsila do Amaral, que se encontram em posição de grande relevância na história da arte.

Anita Malfatti | A Estudante, 1915.
Tarsila do Amaral | Abaporu, 1928.

Algumas obras e artistas brasileiras

Nair de Teffé

Nair de Teffé von Hoonholtz, mais conhecida como Nair de Tefé, foi uma pintora, cantora, atriz e pianista brasileira. É notada por ter sido a primeira caricaturista mulher do mundo, e por ter sido primeira-dama do Brasil de 1913 a 1914, como esposa do marechal Hermes da Fonseca.

Caricatura de Juscelino Kubitschek.
Caricatura de Réjane.

Lygia Clark

Lygia Clark, pseudônimo de Lygia Pimentel Lins foi uma pintora e escultora brasileira contemporânea que se autointitulava “não artista”.

Lygia Clark foi uma das fundadoras do Grupo Neoconcreto e participou da sua primeira exposição em 1959. Com o passar do tempo, trocou sua pintura gradualmente pela experiência com objetos tridimensionais.

Lygia Clark | Bicho Linear, 1960.

Georgina Albuquerque

Georgina Moura Andrade de Albuquerque foi uma pintora, desenhista e professora brasileira. Considerada uma das primeiras mulheres brasileiras a conseguir firmar-se internacionalmente como artista, Georgina foi também pioneira na pintura histórica nacional.

Georgina de Albuquerque | No cafezal, 1930.
Pinacoteca do Estado de São Paulo.

Veja também


Fonte

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