Artigos Acadêmicos

O que faz da Pintura Realista uma obra de arte?


A Arte, quando possui um elevado nível de qualidade, traz dentro de si uma auto-afirmação. Esta afirmação vai além de um determinado estilo de arte, aqui a afirmação é plural e dialoga com um significado interior humano, onde a arte refina e educa não só o indivíduo, mas também a sociedade. Para a Pintura Realista se auto-afirmar há a necessidade do artista desenvolver um elevado nível de excelência técnica e conceitual.

Neste tipo de pintura é necessário desenvolver um senso de ordem e propriedade onde o conceito se estrutura através de uma técnica coerente.

A pintura realista busca mais do que uma simples estética visual, aqui a técnica da pintura quando constrói o conceito também constrói o significado, técnica e conceito não se separam da mesma forma que a mente e o corpo também não se separam.

Aqui podemos listar três conceitos inerentes à pintura realista e os utilizar como exemplos.

1) Hierarquia das informações

Carlos Borsa. Marat Velado, 2019 | Óleo sobre Tela, 110 x 80 cm.
Coleção Particular – São Paulo, Brasil

Na obra acima é estabelecida uma hierarquia da informação, uma ordenação, o ponto principal é focado no personagem principal ao centro da composição, aqui são apresentadas pinceladas mais definidas de caráter classicistas, enquanto que ao redor do personagem principal há pinceladas borradas e desfocadas de caráter expressionista.

Nesta obra foi escolhido hierarquizar os diferentes tipos de pinceladas, dando mais destaque ao estilo classicista em contraposição ao estilo expressionista.

Além disto, na Pintura Realista em geral, é possível também estabelecer hierarquia através de diferentes tipos de elementos visuais, tais como valores tonais, texturas ou cores, tudo depende da intenção da qual o artista se propõe a determinar em sua afirmação artística.


2) Construção do espaço Pictórico

Através da ilusão óptica o conceito de espaço se desenvolve, aqui o espaço se torna um conceito baseado na ordenação que organiza a informação visual, estabelecendo assim, um ritmo visual a partir de sucessivos planos pictóricos que se sobrepõe entre si dentro da composição da obra de arte.

O conceito de espaço se estabelece através do uso da técnica da perspectiva, aqui a técnica pode seguir diversos tipos diferentes de execuções, o que possibilita ao artista alcançar variados resultados visuais em sua arte.

Entretanto na Pintura Realista, a estruturação correta do espaço pictórico deve seguir os ensinamentos dos mestres Renascentistas para que se alcance a Excelência da técnica.

Cito aqui os ensinamentos de dois mestres da pintura: Piero Della Francesca (1415 – 1492), e Leonardo Da Vinci (1452 – 1519). Através destes dois distintos artistas é possível observar as diferentes abordagens em relação ao uso da perspectiva, o primeiro artista utiliza uma abordagem baseada na projeção matemática e o segundo baseado na observação da natureza.

Piero della Francesca. A Flagelação, 1460 | Óleo e Têmpera sobre painel, 58,4 x 81,5 cm.
Galleria Nazionale delle Marche – Urbino, Itália

Na perspectiva construída por Piero Della Francesca há uma ordenação que converge a um ponto de fuga central, a composição dos planos utiliza linhas convergentes que conduzem o olhar do espectador em um movimento da direita para esquerda, criando uma narrativa visual que conceitualiza uma intenção de retratar um pensamento lógico e racional dentro da obra.

Aqui os valores tonais não possuem protagonismo e pouco ou nada se diferem através dos diferentes planos visuais, o protagonismo aqui se dá na convergência das linhas que constroem o espaço pictórico da obra.

Leonardo Da Vinci. Mona Lisa (La Gioconda), 1503-5 | Óleo sobre Painel, 77 x 53 cm.
Musée du Louvre, Paris.

A Perspectiva Atmosférica, utilizada pelo mestre Leonardo Da Vinci nesta obra, cria a ilusão de um espaço visual, onde o espectador se sente gradativamente mais afastado da paisagem em segundo plano e mais próximo da figura da Gioconda em primeiro plano. Esta ilusão se dá graças às informações visuais que se abstraem gradativamente, e que se fundem ao plano de fundo da imagem conforme o olhar do espectador percorre a composição da obra.

A construção dos diferentes planos pictóricos e a sensação de volume se consolidam na obra através da técnica da veladura, é graças a esta técnica que é possível estabelecer os valores tonais claros e escuros.

Na obra o espaço pictórico construído através da perspectiva atmosférica demonstra uma intenção do artista em conceitualizar um pensamento, retratar a realidade natural da paisagem e relacioná-la à figura humana.


3) Movimento

O conceito de movimento na Pintura Realista é estruturado através do planejamento da composição das obras, estas composições podem ser projetadas a partir de linhas verticais, horizontais, diagonais ou em espiral, e com isto é gerado um modelo.

A inserção dos componentes visuais dentro deste modelo é o que gera a sensação de movimento na obra de arte, para o artista o movimento determinado através de uma intenção acaba por si só sendo uma afirmação em sua obra.

Com a percepção de um modelo mental baseado numa leitura espacial há uma correspondência com situações afetivas, isso gera no espectador um complexo de sentimentos de segurança ou insegurança, de sentir apoiado e aconchegado ou de temer ser abandonado, de prazer e alegria ou aflição e medo. Nisto são identificadas situações afetivas, e graças a esta identificação, as formas espaciais se tornam formas simbólicas.

Raffaello Sanzio. A Madona Ansidei, 1505 | Óleo sobre madeira, 209,6 x 148,6 cm.
National Gallery, Londres.

Na obra do mestre Raffaello Sanzio é possível observar que a composição foi projetada pelo artista com o uso de linhas horizontais e verticais, o movimento da composição traz uma narrativa que expressa uma visão baseada na ordem racional, visão esta baseada nos princípios da época Renascentista da qual o artista produziu sua obra.

Rembrandt. Sagrada Família com Santa Anna, 1640, Óleo sobre madeira, 41 x 34 cm
Musée du Louvre, Paris

Na obra acima o mestre Rembrandt traz em sua composição um movimento diagonal de cima para baixo, da esquerda para a direita, e a representação da luz pintada pelo artista reforça a projeção de uma linha diagonal na composição.

A figura humana aqui não se encontra centralizada, o ambiente ganha importância na representação e ocupa maior protagonismo na composição. Todas estas características, quando somadas e observadas dentro da obra, conceitualiza a intenção do artista em expressar uma maior emoção e dramaticidade em sua obra.

Ilya Repin. Os cossacos de Zaporozhye em resposta ao sultão, 1891 | Óleo sobre Tela, 217 x 361 cm.
Russian Museum, St Petersburg.

A obra do artista russo Ilya Repin demonstra uma pintura composta por um modelo baseado em linhas curvas e em linhas espiraladas. A cena possui uma complexidade de informações, onde há o retrato de muitos personagens em diversas ações e com diferentes expressões.

Apesar do caos na imagem, a cena se torna agradável de ser apreciada pelo espectador graças ao modelo de composição utilizado pelo artista, aqui os personagens representam elementos visuais e são ordenados de modo que é gerado um movimento em espiral.

Nasce desta forma uma dicotomia*, onde há um modelo estruturado e ordenado dentro da composição, e que traz a sensação de caos e desordem. A dicotomia aqui se torna uma intenção de afirmar que a obra expressa um caos controlado.

*Divisão de um conceito cujas partes, geralmente, são opostas.


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Referências

ALBERTI, Leon Battista. Da pintura. Campinas: UNICAMP, 1989

CAMARGO, Patrícia. Entendendo o Barroco. Disponível em: <https://www.turomaquia.com/entendendo-o-barroco/>

DA VINCI, Leonardo, La Gioconda, 1503-5. Disponível em:< https://www.wga.hu/index1.html>.

FRANCESCA, Piero Della, The Flagellation 1455. Disponível em:<https://www.wga.hu/index1.html >.

HEMENWAY, Priya. O Código Secreto. São Paulo. Editora TASCHEN, 2019.

JONES, Christopher. How Raphael Composed His Paintings. Disponível em <https://medium.com/thinksheet/how-raphael-composed-his-paintings-724a7208b600>

KAMINSKI, Ândria. Guia Definitivo de Composição – Parte 1. Disponível em: <https://revolutionnow.com.br/o-guia-definitivo-de-composicao-parte-1/>

LYON, Howard. A Baroque Composition. Disponível em: <http://www.muddycolors.com/2013/12/a-baroque-composition/>

OLIVEIRA, Rafaela Mendes; MOREIRA, Daniel de Carvalho, “A PERSPECTIVA NA ARTE DO RENASCIMENTO”. Educação Gráfica. V.18 – nº.01, ISSN 2179-7374,  2014.

OSTROWER, Fayga. Acasos e Criações artísticas. Campinas. Editora Unicamp, 2013.

SHUSTERMAN, Richad. “Body Consciousness and Performance: Somaesthetics East and West”. EUA. The Journal of Aesthetics and Art Criticism. 2009.

VINCI, Leonardo da. Tratado de Pintura, “O verdadeiro mestre é universal”. (col. A pintura. Vol. 10 os gêneros pictóricos. Coord. Lichtenstein, Jaqueline) São Paulo: Ed 34, 2006.


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Carlos Borsa

Carlos Borsa é natural de São Paulo(1980). É um artista visual que trabalha com pintura em vários suportes. Usa várias técnicas entre as quais destacam-se: óleo sobre tela, carvão em papel, e afresco contemporâneo. Seus trabalhos possuem uma dualidade entre opostos, (Luz e Escuridão, o Líquido e o Concreto, Classicismo e Expressionismo) e com isto é criado uma identidade baseada no pensamento existencialista. No trabalho o existencialismo é estruturado na ideia de dualidade, traz referência baseada em variados movimentos artísticos, entre eles o expressionismo, o barroco, o classicismo e o abstracionismo. Na sua obra há o conceito de contraposição que se realiza em dois momentos: através da pincelada de caráter expressionista se contrapondo à pincelada de caráter classicista; e através da contraposição entre o suporte utilizado na obra e a pintura executada.

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