Artigos Acadêmicos

Zeus: o governante do mundo


Em Hesíodo (2013, p. 67) após destronar Crono com sua força, Zeus retirou do estômago do pai todos seus irmãos e libertou os filhos de Urano das profundezas, recebendo em agradecimento, o raio flamejante, o trovão e o relâmpago. Depois de expulsar os Titãs do céu e encerrá-los, com a ajuda dos Cíclopes, sob escuras e pesadas nuvens1, e derrotar o gigante Tífon2, Zeus dividiu o Universo com seus dois irmãos: Poseidon recebeu o mar, Hades foi para o mundo subterrâneo.

E sentado no alto do Olimpo ao lado da águia, símbolo de força e autoridade, Zeus governa mortais e imortais.

A sorte não te colocou como rei dos deuses, mas os esforços de tuas mãos,
tua força e poder, que também assentaste junto a teu trono.
Colocaste a mais eminente das aves como mensageira
de teus portentos; que os mostres favoráveis a meus amigos.
(HINOS DE CALÍMACO: A Zeus, 66-69, 2012, p. 229)
Pietro da BARGA (ativo entre 1574 e 1588) Cópia após modelo por Benvenuto CELLINI (1500-1571) Júpiter, ca. 1580. Escultura em bronze, 29.5×14.3×8.3 cm. The Metropolitan Musem of Art. Nova Iorque, EUA.

Pietro da BARGA (ativo entre 1574 e 1588) nascido em Florença, na Itália, é o provável escultor italiano responsável pela fundição em bronze do modelo que o ourives e escultor italiano Benvenuto CELLINI executou em prata, entre 1540 e 1544, para o rei Francisco I em Fontainebleau3, na França.

Cellini iniciou seu aprendizado artístico como ourives ainda em Florença, onde nasceu. Em Roma executou inúmeros trabalhos em ourivesaria para os cardeais e papas.

Na França, já bastante conhecido, Cellini foi convidado pelo rei Francisco I a trabalhar para a corte, onde produziu dezenas de peças, inclusive o famoso saleiro de ouro4.

Cellini produziu a pequena escultura de Zeus no estilo Maneirista, marcado pelas antigas estátuas clássicas e mitológicas, porém mais esguia e impregnada de sensualidade, bem ao gosto da Escola de Fontainebleau.

Como o deus mais poderoso, Zeus passou a reinar sobre o mundo de seu palácio no topo do monte Olimpo, instaurando a terceira geração divina, na companhia de suas esposas, irmãos e filhos.

De acordo com Hesíodo (2013) da primeira esposa, Métis, deusa da astúcia e sabedoria, nasceu Atena, terrível e infatigável guerreira.

Com Têmis, Zeus gerou as Moiras e as Horas.

Da terceira esposa, a encantadora Eurínome, filha do Oceano, nasceram as três Graças, dotadas de grande beleza e de olhos brilhantes: Aglaya, Eufrosine e Talía.

Da união com a irmã gêmea, a ciumenta Hera, nasceram: Ares, Eilêitia e Hebe. Alguns dizem que Hefesto também é filho do casal, outros que Hera o gerou sem a união do amor.

Jacques BELLY (1609–1674) depois de Annibale CARRACCI 5 (1560-1609) e Agostino CARRACCI (1557-1602) Júpiter abraçando Juno, do Palácio Farnese, 1641. Gravura, 22.5×15. The Metropolitan Musem of Art. Nova Iorque, EUA.

Nascido em Chartres, na França, o pintor e gravador, Jacques BELLY (1609–1674) também chamado por Belli completou sua formação artística em Roma por volta de 1641, estabelecendo-se em Lyon a partir de 1642. A maioria de suas gravuras conhecidas são cópias das obras executadas em afresco junto ao Palazzo Farnese6 em Roma, pelos irmãos italianos Annibale CARRACCI (1560-1609) e Agostino CARRACCI (1557-1602).

A gravura mostra a deusa Hera abraçada por Zeus. Presentes no íntimo ambiente estão os símbolos do casal. O pavão atributo de Hera está ao seu lado e a águia se acomoda sob as pernas de Zeus, tendo a seus pés a tocha flamejante.

Longe do casamento, Zeus se uniu a outras incontáveis mulheres: imortais, semideusas e mortais, que lhes deram inúmeros filhos, alguns heróis, outros transformados em deuses ou semideuses. Mas, pode-se afirmar que de nenhuma ou de qualquer filho Zeus se esqueceu. Todos foram transformados em deuses ou semideuses ou ficaram conhecidos por seu heroísmo.

Hermes nasceu da união com Maia e o alegre deus Dioniso nasceu de Sêmele.

Com a irmã, Deméter, Zeus gerou Perséfone e da união com Leto nasceram os imortais: Apolo e Ártemis.

Com Mnemósina, de formosos cabelos, Zeus gerou as nove Musas, que nasceram para louvar os grandes feitos dos seres divinos: Clio, Euterpe, Tália, Melpômene, Terpsícore, Érato, Polímnia, Urânia e Calíope. (HESÍODO, 77-79, 2013, p.35-37)

Héracles nasceu do amor por Alcmena, esposa de Anfitrião.

De Leda, nasceram Helena e Pólux, irmãos de Castor e Clitemnestra, filhos de Tíndaro, rei de Esparta.

Europa após ser raptada teve três filhos: Radamanto, Eaco e Minos.

De Io, transformada em novilha, nasceu Épafo do sêmen de Zeus.

Árcade é o nome do filho de Calisto7.

De Antíope nasceu Anfión, irmão gêmeo de Zeto, filho de Epopeu8.

E com a mortal Dânae, Zeus gerou Perseu, o heroico neto de Acrísio.

René BOYVIN (ca. 1525-1598 ou 1625/6) após Luca PENNI (1500-1557), Júpiter e Antíope, 1550/1559. Gravura, 162×286. Art Institute of Chicago, Chicago, EUA.

A gravura Júpiter e Antiope executada por René BOYVIN (ca. 1525-1598 ou 1625/6) baseada na obra maneirista do italiano Luca PENNI (1500-1557) ilustra a história mitológica dos dois amantes. Alunos da Escola de Fontainebleau, as cenas mitológicas deram aos artistas uma desculpa para retratar figuras nuas sem medo de repercussões negativas.

Antíope descansa em uma pose clássica, apoiada em seu braço direito. Ao seu lado no chão, o menino alado representado como eros — o desejo — acompanhado do arco e flechas, segura o dedo de sua mão esquerda. Nesse instante Zeus travestido de sátiro, gesticula e avisa-o para não a acordar. A mão esquerda pousa sobre uma das pernas de Antíope, deixando claro sua intenção. A forma graciosa da jovem e os músculos acentuados da figura masculina fazem parte do estilo desenvolvido na Escola de Fontainebleau.

Existem semelhantes versões sobre a história de Antíope, descrita por Apolodoro, Higino (Fábulas VII), Pausânias, Ovídio e outra que Higino se refere a Pacuuius antes de Eurípedes (Fábulas, VIII, 1, 2008, p. 49)

Antíope era filha de Nicteo, rei de Tebas. De acordo com Apolodoro (III, 5,5, 2016, p.162 – 163) a jovem fez amor com Zeus9 e para fugir das ameaças do seu pai, fugiu para Sición10 junto à Epopeu, com quem se casou.

Nicteo, abatido, se matou, encomendando a Lico, seu irmão, castigar o casal. Chegando a Sición, Lico matou Epopeu e levou a jovem cativa. Durante o retorno, Antíope deu à luz dois filhos e os abandonou aos cuidados de um pastor, chamando a um de Zeto e a outro de Anfión.

Orazio Lomi GENTILESCHI (1563-1639) Danaë, ca. 1623. Óleo sobre tela, 162 x 228.5. The Cleveland Museum of Art, Cleveland, EUA.

Nascido na Toscana, Orazio Lomi GENTILESCHI (1563-1639) começou sua carreira em Roma, pintando no estilo Maneirista. Na virada do século XVII, no entanto, seu estilo tendeu mais para o naturalismo, sob a influência da pintura de Michelangelo Merisi da CARAVAGGIO11 (1571-1610)

A pintura mostra Dânae recebendo uma chuva de ouro.

Filha de Eurídice e do rei de Argos, Acrísio, a mortal Dânae foi encarcerada ainda bem jovem numa torre de bronze por seu pai, que temia um mau presságio dito por um oráculo. Segundo a profecia o rei seria assassinado por seu neto, antes mesmo de se tornar pai de um varão.

A princesa virgem, foi mantida prisioneira por muitos anos, constantemente vigiada por uma ama e alguns guardas do rei, fortemente armados, evitando assim que qualquer homem a assediasse.

Porém uma noite, Júpiter apaixonado pela jovem, enganou os guardas, introduziu-se na torre transformado em uma chuva de ouro e fecundou a jovem. Quando o rei descobriu, esperou o neto nascer e mandou lançá-los ao mar dentro de uma pequena barca, que as águas jogaram nas praias da ilha de Sérifo, junto ao arquipélago das Cíclades, no mar Egeu.

Dânae e o filho Perseu12 amados pelos deuses, foram resgatados pelo rei Polidectes, que cuidou da educação do menino.


Veja também




Referências

APOLODORO. Biblioteca Mitológica. Tradução Julia García Moreno. Madrid, Espanha: Alianza Editorial, 2016. 340 p.

ART INSTITUTE OF CHICAGO, Chicago, EUA. Disponível em: https://www.artic.edu/artworks/182410/jupiter-and-antiope?q=jupiter Acesso em03 set. 2019.

HESÍODO. Teogonia. Organização e tradução Christian Werner. São Paulo: Hedra, 2013. 103p.

HIGINO, C. J. Fábulas e Astronomia. Tradução Guadalupe Morcillo Exposito. Madrid, Espanha: Ediciones Akal, 2008. 359 p.

HINOS DE CALÍMACO. In: WERNER, Erika. Os hinos de Calímaco: poesia e poética. São Paulo: Humanitas, 2012. 464 p. p. 223-268.

MARTINI, F. R. Sans. Virgem Ártemis: protetora e implacável. Revista Interdisciplinar. Art&Sensorium, Curitiba, v.5, n.2, p. 073 – 092 Jul. – Dez. 2018. Disponível em: http://periodicos.unespar.edu.br/index.php/sensorium/article/view/2340/1673 Acesso em: 02 set. 2019.

MARTINI, F. R. Sans. Belo Apolo: apaixonado e vingativo. Interfaces da Educação., Paranaíba, v.9, n.25, p. 423-451, 2018. Disponível em: https://periodicosonline.uems.br/index.php/interfaces/article/view/2449 Acesso em 02 set. 2019.

OVIDIO. Metamorfoses. Tradução Domingos Lucas Dias. São Paulo: Editora 34, 2017. 909 p.

THE CLEVELAND MUSEUM OF ART, Cleveland, EUA. Disponível em http://www.clevelandart.org/art/1971.101 Acesso em: 02 set. 2019.

THE METROPOLITAN MUSEUM OF ART, Nova Iorque, EUA. Disponível em: https://www.metmuseum.org/art/collection/search/203935 Acesso em 28 jun. 2019.

THE METROPOLITAN MUSEUM OF ART, Nova Iorque, EUA. Disponível em: https://www.metmuseum.org/art/collection/search/208568 Acesso em: 02 set. 2019.

THE METROPOLITAN MUSEUM OF ART, Nova Iorque, EUA. Disponível em: https://www.metmuseum.org/art/collection/search/694375 Acesso em: 02 set. 2019.


[1]O Tártaro é um abismo profundo encoberto por pesadas e escuras nuvens. Domínio de Hades.

[2]O gigante Tifon é filho da Terra e de Tártaro por meio dos dons de Afrodite, chamada de Vênus pelos romanos

[3]O Château de Fontainebleau, próximo a Paris, na França serviu de residência para os monarcas franceses. No período de Francisco I (1494-1547) o Palácio abrigou a Escola de Fontainebleau de onde saíram importantes nomes que influenciaram a arte Maneirista, entre eles: Giovan Battista do Jacopo, conhecido por ROSSO FIORENTINO (1494-1540), Francesco PRIMATICCIO (1504 – 1570), Niccolò dell’Abbate, também conhecido como NICOLINO (1509/1512-1571) Léonard THIRY (1490-1550), Luca PENNI (1500-1557), Antoine CARON (1521-1599), François CLOUET (ca. 1510-1572), Benvenuto CELLINI (1500-1571), Ambroise DUBOIS (1542-1614), Martin FRÉMINET(15671619) e Toussaint DUBREUIL (c. 1561-1602)

[4]Benvenuto CELLINI (1500-1571) Saleiro em ouro cinzelado e esmalte, cobre ébano, 1543, 26 x 34. O saleiro compõe-se dos deuses Ceres e Netuno com as pernas entrecruzadas, que representam a junção da terra e a água, responsáveis pela produção do sal. No acervo do Kunthistorisches Museum, Viena, Áustria.

[5] Annibale CARRACCI (1560-1609) e seu irmão Agostino CARRACCI (1557-1602) estão entre os primeiros pintores do século XVII a combater a exagerada tendência Maneirista em voga até então.

[6] Concluído em 1589, o Palazzo Farnese, em Roma, abrigou importantes esculturas clássicas do período romano e cópias gregas. Uma das salas apresenta grandiosa pintura em afresco no teto com tema mitológico: Os Amores dos deuses executado entre 1597 e 1608 pelos irmãos italianos: Annibale CARRACCI (1560-1609) e Agostino CARRACCI (1557-1602) e sua equipe.

[7] Filha de Licáon, da Arcádia, Calisto foi metamorfoseada em ursa por Hera.

[8] Segundo Higino (Fábulas, VII e VIII, p. 49) e Apolodoro (III, 5,5, p. 162-163)

[9] Em Ovídio, Zeus está disfarçado na figura de um sátiro (VI, 110-111, 2017, p. 323)

[10]Antiga cidade da Grécia, Sición estava localizada no norte do Peloponeso, perto do Golfo de Corinto.

[11] Michelangelo Merisi da CARAVAGGIO (1571-1610) produziu grandes telas, entre os anos de 1599 a 1610, cujas composições naturalistas receberam traços vibrantes e dramáticos claro-escuro.

[12]Herói mítico grego, Perseu decapitou a Medusa, monstro que transformava em pedra qualquer um que olhasse em seus olhos.

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Fatima Sans Martini

Mestre em Artes Visuais com Abordagens Teóricas, Históricas e Culturais pela UNESP. Pós-graduação em História da Arte pela FAAP-SP. Formada em Artes Plásticas. Experiência profissional: Projetista em Design de Interiores. Experiência acadêmica: nas disciplinas de Projetos, Desenho, História do Mobiliário e História da Arte nos cursos de Arquitetura e Design de Interiores. Professor das disciplinas de Estética e História da Arte Mundial e Brasileira no Curso de Artes da Unimes, Universidade Metropolitana de Santos, SP

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