Artista da Semana

Daniel Lie e seu trabalho com cores, palavras e memórias

Por Paulo Varella - dezembro 5, 2014
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"ESCROTO" (2014) -  Plantas: costela de adão, banana macaco, coqueiro. Frutas: manga, banana da terra, cacau, laranjas, limão, abacaxi. Cordas, ganchos, sarjentos, lixeira de plástico, roldanas e cristal de quartzo fumê.

Participante da última edição do Programa de Residência do Red Bull Station (Em exposição), Daniel Lie formou-se -há não muito tempo- em bacharelado e licenciatura em Artes Visuais pelo Instituto de Artes da Unesp  e se configura como um expoente entre a nova gerações de artistas.

Através de uma produção plural e carregada de simbologia, o artista faz da vivência artística uma constante e se apropria da multiplicidade de linguagens da arte contemporânea. Após ter visitado o trabalho de Daniel no Red Bull, conversei com o artista e fiz uma entrevista a qual segue abaixo.

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"OPP" (2012 a 2014): Da esquerda para a direita - "Tropical Punk", "Sexy sem ser vulgar", "A creche", "Tumblr" e "Funcionário"

Arte Ref: Em alguns de seus trabalhos vemos títulos que podem acrescentar diferentes visões sobre estes. Qual a função da palavra em sua produção?
Daniel Lie: Antes de tudo meu objetivo é criar algo que está na linguagem das artes visuais e isso engloba a experiência, a imagem, estética, sensações, memórias, etc. Muito do que vou falar aqui faz parte das minhas pesquisas e visões, elas não são de forma alguma totalitárias para o entendimento do trabalho. Se alguém tem um contato com o que eu faço e tem algum tipo de relação, isso para mim já é o objetivo alcançado. Por tanto, a relação com a palavra, muitas das vezes, vem como um nome próprio da obra, ou como uma palavra para levar a leitura em outra direção.

AR: Como a experimentação é vista por você e qual a contribuição dela para suas obras?
DL: A experimentação é essencial. Vejo hoje minha produção em grupos, faço uma série de obras que pertencem a mesma família, por aproximadamente dois anos, e depois paro de fazer esse trabalho. Foi assim com os desenhos que realizava na faculdade, esculturas de madeira que fiz em 2010, performances com vídeo e luz nos espaços que aconteciam na Voodoohop (coletivo que faço parte). Todos esses começaram de uma forma descontraída, com o passar do tempo foram tomando corpos e significados.

AR: As cores são um forte elemento no seu trabalho, como você as escolhe? É em vista de uma construção apenas estética ou também de significado?
DL: A cor depende muito de cada trabalho, ela vem como um elemento essencial, não estaria lá se não fosse absolutamente necessária. Consequentemente, elas entram com o significado estético – seja para realçar, destacar ou apresentar algo – ou como simbologia – seja um referencial a um universo pop, significados místicos ou a cor das coisas como elas são.

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"E não desisto nunca" (2013) - Bananeira, coração de bananeira, fio de nylon, pregos e tempo.

AR: Materiais como lonas, lacres e objetos de plástico às vezes são contrastados com elementos orgânicos (como as frutas), como você enxerga a relação das origens destas matérias? Ou seja, como é visto por você a relação da intervenção/não- intervenção humana nos elementos?
DL: Encontrar algo em que sua natureza é virgem no contexto da cidade é praticamente uma utopia. Se estamos comendo algo de origem orgânica isso provavelmente passou por um plano ou ideia humana, ou seja, a intervenção do homem está sempre presente. As plantas e frutas são escolhidas por sua características de um lugar tropical, elas ficam no espaço para realçar a passagem do tempo, já que na maioria dos casos ficam expostas perecendo. Com isso, os materiais industriais, no caso os plásticos são escolhidos por não terem essa característica em relação ao tempo, muitos desses materiais plásticos não sabemos o quanto podem durar, pois podem durar uma eternidade.

AR: Com suas arquitetônicas instalações existe a busca pela construção de um universo imaginário ou algum misticismo até religioso? Escolho a instalação por ser um local de interação mais ampla do espectador, porém a pergunta também se estende aos objetos.
DL: A busca na realização das instalações ou dos objetos é fazer algo que faça sentido para mim e para o outro e esse sentido pode estar em várias instâncias, a principal que viso é a instância da linguagem nas Artes Visuais.
A constante pergunta sobre a existência da vida e das coisas é algo que sempre está em minha mente, por consequência aflorou um interesse em estudar as teorias que tentam explicar isso tudo. Seja por meio das pesquisas do universo científico, como a biologia, geologia, astronomia e em contraponto outras visões que são relacionadas ao universo místico/religioso, seja no estudo de energias, no candomblé, na umbanda, budismo e até no catolicismo.

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"Hierarquia Tropical" (2013) - Coco verde, lona plástica, fita hellermann.

AR: Os seus O.P.P (Objetos para pescoço/parede) podem ser usados pelos visitantes?
DL: Os O.P.Ps são feitos a partir de um objeto que tem um significado/simbologia de afeto ou que nele contém uma lembrança de uma história. Quando me pedem para fazer um, peço que a pessoa me traga 3 objetos desses e me empreste. A partir deles realizo o trabalho e depois devolvo em forma de obra. Essa pessoa que possuir o O.P.P pode fazer com ele o que bem entende. O último P de O.P.P tem um significado que pode variar – seja Objeto para pescoço/parede/pessoa/piso/pensamento. Então conforme o suporte para o trabalho, sua apresentação muda. Em um contexto de exposição os O.P.Ps não são interativos (por enquanto).

AR: Alguns de seus trabalhos podem ser vistos com uma determinada finalidade, ou seja, algo que está próximo da discussão forma/função tanto vista no design. Você se vê como construindo uma espécie de joia/ornamento?
DL: Encaro eles como objetos que tem em sua essência o TRANS – tem muito do pensamento de escultura neles, bricolagens, pintura, o corpo como suporte – não são coisas que são facilmente encaixadas em um determinado lugar, para mim. Um dos pensamentos na produção desses objetos é o desapego de coisas que venho colecionando a vida toda, como brinquedos, fotografias, objetos encontrados etc. Ao mudar o significado deles, os colocando em um novo contexto, eles adquirem um novo lugar. Alguns viraram amuletos para mim.

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"A percepção da história" (2013) - Cristal de quartzo, fio de nylon, pregadores borboletas.

AR: Como são escolhidos os tipos de plantas presentes em seu trabalho? E as frutas? Todas têm origem tropical ou algum tipo de característica semelhante entre si?
DL: Quando uma pessoa me pede um O.P.P, peço que ela me traga coisas que tem significado e simbologia para ela. Na instalação, esse desafio é maior, pois busco uma simbologia que está presente em nossa cultura. Com isso utilizo as frutas e plantas tropicais, os minerais também vem nesse sentido. Neste caso, a intenção de realizar algo que tenha significado para o outro não é um caso individual, mas para várias pessoas.

AR: Como foi a experiência de residência no Red Bull Station e como isso se refletiu no seu trabalho?
DL: A experiência foi maravilhosa. Ser artista em São Paulo, no Brasil, não é uma tarefa simples e há muitos desafios, desde como sobreviver financeiramente, como tornar viável uma ideia ou até mesmo a importância que a sociedade dá aos artistas. Na residência pude ter a experiência de dedicar meu tempo integralmente para a minha produção, pois a estrutura oferecida vai desde financiamento para as obras, espaço expositivo, local para ateliê, contato com público, mídia e ajuda de custo semanal. Com isso, senti que no meu trabalho mais recente, a instalação “ESCROTO” (que está exposta na Galeria da Redbull até o dia 17 de janeiro) vi minha produção com um corpo em que pude me reconhecer e o trabalho foi para um lugar muito além do que imaginava, fiquei bem feliz.
Além de tudo isso, uma das coisas mais importantes da residência foi o convívio com os outros artistas, todos incríveis e alguns me tornei amigo, sou muito grato.

AR: Você constrói em si um caráter muito performático enquanto artista, como isso se dá no seu produto estético?
DL: A relação de arte e vida para mim é intrínseca. Artistas que pensaram isso, como Joseph Beyus e Hélio Oiticica foram e são muito importantes para minha formação. Com isso penso a construção estética em todas as instâncias, seja na internet, na forma que me visto/apresento, no espaço que trabalho, no convívio com as pessoas e claro no que eu faço como trabalho.

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AR: Qual a relação da passagem do tempo, da morte e da vida em seu desenvolvimento plástico?
DL: A morte é algo muito importante para mim. Nos momentos em que perdi alguém próximo e o encontro desse alguém já sem vida foi algo que me gerou muitas perguntas. Nesse momento em que se encontra um corpo vazio, a vida toma uma potência que fica latente. A morte é uma instância que nenhuma ciência soube dizer com certeza o que acontece, isso é algo que ocorrerá com todos ( você que está lendo esta entrevista também morrerá) e esse pode ser considerado o fim do tempo presente na terra. Porém, tempo é algo que possui muitas definições. Quando me aprofundei nesses pensamentos, meu trabalho começou a ter mais sentido para mim. Pensando o tempo na relação familiar, o tempo das coisas, o tempo afetivo, o tempo relativo e o tempo que nunca será ou foi alcançado.

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"3 Tempos" (2014) -  6 árvores-do-viajante, nylon e cristal de quartzo.

AR: Porque as plantas usadas por você não são regadas e como isso se caracteriza num cenário de falta d’água como o vivido no estado de São Paulo?
DL: Na instalação “3 Tempos” que fiz no Instituto Tomie Ohtake na exposição EDP nas Artes as plantas ficavam sem ser regadas, como oferendas, para simbolizar a passagem do tempo orgânico, o mesmo tipo de tempo que estamos submetidos. Nessa mesma instalação, também coloquei outros dois elementos que simbolizavam os outros dois tempos – o cristal como o tempo inorgânico, que são as coisas que o mundo produz que não tem vida – e o nylon, como o tempo manufaturado, algo que o homem fez, que possui extrema força e pode perdurar por anos incontáveis. A falta de água na cidade de São Paulo é um reflexo da administração e das escolhas por trás dessas administrações. Se olharmos o fluxo de rios presentes na cidade e se esses rios tivessem sido preservados, a configuração da cidade seria completamente diferente. Esses rios ainda passam e ainda existem, o que temos não é uma falta de água mas sim uma péssima administração do Estado. O irônico é que minha família tanto por parte de pai como por parte de mãe passaram por inúmeras enchentes na Zona Leste da cidade. A água levava tudo e isso também foi uma inconsequência da ação do homem.

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Segue também um vídeo do artista realizado pela produção do Red Bull Station aonde Daniel conta um pouco mais sua produção.

Daniel Lie from Red Bull Brasil on Vimeo.

Para conhecer mais do trabalho de Daniel, acesse seu site cargocollective.com/liedaniel

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Estudou cinema na NFTS (UK), administração na FGV e química na USP. Trabalhou com fotografia, cinema autoral e publicitário em Londres nos anos 90 e no Brasil nos anos seguintes. Sua formação lhe conferiu entre muitas qualidades, uma expertise em estética da imagem, habilidade na administração de conteúdo, pessoas e conhecimento profundo sobre materiais. Por muito tempo Paulo participou do cenário da produção artística em Londres, Paris e Hamburgo de onde veio a inspiração para iniciar o Arteref no Brasil. Paulo dirigiu 3 galerias de arte e hoje se dedica a ajudar artistas, galeristas e colecionadores a melhorarem o acesso no mercado internacional.

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