Artista da Semana

Djanira da Motta e Silva e a sua arte social

Indentidade de Djanira_(acervo do museu Avaré)

Nasceu em Avaré, filha de Oscar Paiva e Pia Job Paiva.

Aos 23 anos, é internada com virus no Sanatório Dória, em São José dos Campos onde fez seu primeiro desenho: um Cristo no Gólgota. Com a melhora, continua o tratamento no Rio de Janeiro, e reside em Santa Teresa, por causa do seu ar puro. Em 1930, aluga uma pequena casa no bairro e instala uma pensão familiar.

Merio Marcier a incentivava e lhe dava aulas de pintura. Djanira também frequentava, à noite, o curso de desenho no Liceu de Artes e Ofícios, Nesse período trava contato com o casal Árpád Szenes e Maria Helena Vieira da Silva, com Milton Dacosta, Carlos Scliar, e outros que vivem em Santa Teresa e frequentam o meio artístico.

Djanira Motta

No fim da década de 1930, na capital fluminense, tem suas primeiras instruções de arte em curso noturno de desenho no Liceu de Artes e Ofícios e com o pintor Emeric Marcier, hóspede da pensão que Djanira instala no bairro de Santa Teresa. Os contatos com os artistas Carlos Scliar, Milton Dacosta, Árpád Szenes, Maria Helena Vieira da Silva e Jean-Pierre Chabloz, frequentadores da pensão, proporcionam um ambiente estimulador que a leva a expor no 48º Salão Nacional de Belas Artes, em 1942. No ano seguinte, realiza sua primeira mostra individual, na Associação Brasileira de Imprensa (ABI). Em 1945, viaja para Nova York, onde conhece a obra de Pieter Bruegel e entra em contato com Fernand LégerJoan Miró e Marc Chagall.

De volta ao Brasil, realiza o mural Candomblé para a residência do escritor Jorge Amado, em Salvador, e painel para o Liceu Municipal de Petrópolis. Entre 1953 e 1954, viaja a estudo para a União Soviética.

A sua pintura dos anos 40 é geralmente sombria, utiliza tons rebaixados, como cinza, marrom e negro, mas já apresenta o gosto pela disciplina geométrica das formas. Na década seguinte, sua palheta se diversifica, com uso de cores vibrantes, e em algumas obras trabalha com gradações tonais que vão do branco ao cinza claro. Apresenta em seus tipos humanos uma expressão de solene dignidade.

A artista sempre busca aproximar-se dos temas de suas obras: no fim da década de 1950, após convivência de seis meses, pinta os índios Canela, do Maranhão. Em 1950 em sua estada em Salvador ela conhece José Shaw da Motta e Silva, o Motinha, funcionário público, nascido em Salvador em 29 de janeiro de 1920 e com ele se casa no Rio de Janeiro em 15 de maio de 1952, e muda o nome para Djanira da Motta e Silva.

De volta ao Rio de Janeiro, torna-se uma das líderes do movimento pelo Salão Preto e Branco, um protesto de artistas contra os altos preços do material para pintura. Realiza em 1963, o painel de azulejos Santa Bárbara, para a capela do túnel Santa Bárbara, Laranjeiras, Rio de Janeiro. No ano de 1966, a editora Cultrix publica um álbum com poemas e serigrafias de sua autoria. Em 1977, o Museu Nacional de Belas Artes, realiza uma grande retrospectiva de sua obra.

Roberto Rossellini (diretor de cinema), Djanira e Di Cavalcanti

Na década de 1970, desce às minas de carvão de Santa Catarina para sentir de perto a vida dos mineiros e viaja para Itabira para conhecer o serviço de extração de ferro.

Djanira trabalha ainda com xilogravura, gravura em metal, e faz desenhos para tapeçaria e azulejaria. Em sua produção, destaca-se o painel monumental de azulejos para a capela do túnel Santa Bárbara (1958) no Rio de Janeiro. Inicialmente nomeada como “primitiva”, gradualmente sua obra alcança maior reconhecimento da crítica. Como aponta o crítico de arte Mário Pedrosa (1900-1981), Djanira é uma artista que não improvisa, não se deixa arrebatar, e, embora possuam uma aparência ingênua e instintiva, seus trabalhos são consequência de cuidadosa elaboração para chegar à solução final.

Análise

Pintora importante do modernismo brasileiro. Na obra de Djanira coexistem a religiosidade e a diversidade de cenas e paisagens brasileiras. Sua trajetória permite compreender a condensação de elementos apresentada em seus desenhos, pinturas e gravuras.

A infância e a adolescência da artista se caracterizam pela vida simples e pelo trabalho no campo. Avaré, cidade no interior de São Paulo onde nasce, e Porto União, cidade de Santa Catarina onde cresce e trabalha na lavoura. Esses temas reaparecem em sua pintura, ofício que começa a exercer nos anos 1940. É o caso do quadro Cafezal (1952).

Cafezal, Djanira (1952) [Coleção Gilberto Chateaubriand – MAM RJ]

A artista retrata aquilo que habita sua memória e o que a rodeia no bairro de Santa Teresa, no Rio de Janeiro: o cotidiano de trabalhadores, as festas de rua, as paisagens, os amigos e parentes. A expressão deste mundo insere-se no contexto artes do Brasil dos anos 1940. O início da carreira artística de Djanira coincide com a convivência com pintores modernos como Milton Dacosta (1915-1988) e Emeric Marcier (1916-1990), com quem tem aulas de pintura durante alguns meses, em 1940.

Assim, sua obra possui temas caros à chamada arte primitiva ou ingênua, como as festas folclóricas, mas com elementos do modernismo: um exemplo são as padronagens, como a do quadro Costureira (1951), e as imagens sem perspectiva em que os corpos parecem colagens, como o cartaz para a peça Orfeu para Conceição (1956), que lembram os trabalhos do pintor francês Henri Matisse (1869-1954). O escritor Paulo Mendes Campos (1922-1991) nota essa ambivalência em seu trabalho e afirma que Djanira “nos comunica a ingenuidade brasileira” com “técnica muito disciplinada”1.

Nos anos 1950, após temporada nos Estados Unidos, Djanira volta ao Brasil e decide viajar o país e retratar sua diversidade. Se antes as cenas representadas eram seu ambiente natural de vida e trabalho, agora a artista viaja em busca de material para sua produção. Em diversos estados brasileiros, realiza pinturas de colhedores de café, vaqueiros, mulheres no campo e na praia, índios, tecelões, oleiros e trabalhadores de usinas de cana-de-açúcar.

As cenas não se restringem ao trabalho rural: há operários da indústria automobilística e mineiros, como mostram as pinturas dos anos 1960 e 1970. Seu interesse nas cenas únicas do cotidiano dos trabalhadores resulta numa pintura que transcende essa singularidade e busca o “aspecto permanente do assunto”, conforme afirma o crítico José Valladares (s/d). Um vendedor de gaiolas revela uma espécie de personalidade comum a todos os outros vendedores, como se Djanira buscasse, na multiplicidade da cultura brasileira, arquétipos que se repetem.

O aspecto religioso dos trabalhos de Djanira está presente desde seu primeiro desenho – um Cristo (1939) feito no sanatório de São José dos Campos. Para o crítico Clarival do Prado Valladares (1918-1983), também aparece nas obras em que não há a figura de santos e outros seres celestes. Os temas prosaicos ganham “transcendência plástica”, levando o objeto captado para outro plano. Valladares afirma, além disso, que a dualidade da obra de Djanira, composta pela fusão entre pintura mística e pintura terrena, tem “resultado” que “surpreende pela poesia e drama”3.

Características da Obra de Djanira

Com uma temática predominantemente brasileira, Djanira reproduziu em sua obra, de maneira singela e poética, a paisagem nacional em um estilo chamado de arte primitiva, com linhas e cores simplificadas. Em sua obra coexistem uma diversidade de cenas, como as festas folclóricas, as temáticas religiosas, o cotidiano dos tecelões, os colhedores de café, os batedores de arroz, os vaqueiros etc.

Caboclinhos, Djanira (1962) [Museu Nacional de Belas Artes – Rio de Janeiro, RJ

Aonde ver as obra de Djanira?

Exposição de Djanira abre o ciclo dedicado a Histórias das Mulheres, Histórias Feministas no MASP.

O MASP resgata a obra de uma das mais importantes artistas brasileiras, na maior exposição monográfica dedicada a ela desde a sua morte, há 40 anos.

O Museu dá início à sua programação 2019, pautada pelo eixo temático “Histórias das mulheres, histórias feministas”, com uma grande mostra dedicada a Djanira da Motta e Silva (Avaré, 1914 – Rio de Janeiro, 1979).

Uma das maiores artistas brasileiras, com carreira internacional e reconhecimento da crítica ainda em vida, Djanira teve pouca visibilidade após sua morte, em 1979. Maior exposição monográfica dedicada à artista nesses 40 anos, com cerca de 70 obras e curadoria de Isabella Rjeille e Rodrigo Moura, Djanira: a memória de seu povo busca revisitar e reposicionar seu trabalho no cenário artístico brasileiro. A mostra abre ao público dia 1o de março e segue em cartaz até 19 de maio, no MASP. Entre junho e outubro, será apresentada no Rio de Janeiro pela Casa Roberto Marinho, co-organizadora da exposição.
O recorte curatorial proposto pela exposição Djanira: a memória de seu povo enfoca a busca da artista por uma pintura nativista e os temas da cultura popular aos quais se dedicou ao longo de toda a sua carreira – e onde reside sua contribuição mais original para o modernismo brasileiro. De origem social trabalhadora, Djanira retratou suas vivências e seu entorno social, pintando amigos e vizinhos, operários e trabalhadores rurais, paisagens do interior e manifestações sociais, culturais e espirituais, como religiões afro-brasileiras, populações indígenas e danças folclóricas.

“A ideia de uma pintura brasileira que refletisse e forjasse a identidade cultural da nação é o que de fato sempre buscou”

Rodrigo Moura.

Organizada cronologicamente e em torno de núcleos temáticos que surgiram ao longo dos seus anos de viagens e pesquisas, a mostra abrange quatro décadas da produção de Djanira, possibilitando tanto uma análise ampla de sua trajetória como das mudanças de linguagem pelas quais passou ao longo da carreira. Autodidata, Djanira da Motta e Silva surge e se relaciona com a segunda fase do modernismo no Brasil, quando o diálogo com as vanguardas europeias já não é uma questão tão importante e o interesse dos artistas se volta para a transposição de suas experiências para as suas obras.

De ascendência austríaca por parte de mãe e indígena por parte de pai, Djanira da Motta e Silva teve uma infância marcada por deslocamentos. Antes de se casar pela primeira vez, trabalhou em lavouras de café e foi vendedora ambulante em São Paulo. Aos 23 anos, contraiu tuberculose e foi internada em Campos do Jordão, no interior de São Paulo, onde começou a fazer seus primeiros desenhos. Mudou para o Rio no final dos anos 1930 e, estimulada pelo convívio com pintores na pensão em que vivia em Santa Teresa, entre eles o refugiado romeno Emeric Marcier (1916-1990), matriculou-se em um curso noturno no Liceu de Artes e Ofícios, que frequentou por pouco tempo. Em 1942, participou pela primeira vez
do Salão Nacional de Belas Artes, no Rio, e, no ano seguinte, realizou sua primeira mostra individual.


Nos anos 1940, embarcou por conta própria para Nova York, onde passaria uma temporada. Em 1946, expôs nas galerias da New School for Social Research. A exposição seria visitada e comentada, com grande entusiasmo, pela então primeira-dama dos Estados Unidos, Eleanor Roosevelt (1884-1962) em seu programa de rádio e coluna de jornal, e repercutida por outros veículos da imprensa nova-iorquina. Antes de voltar ao Brasil, Djanira faria ainda uma exposição na União Pan-americana em Washington.

No seu regresso, Djanira viajaria pelo país, visitando diversas regiões a partir dos anos 1950, sobretudo a Bahia, onde manteve um ateliê e registrou cenas do comércio popular e se aproximou da cultura afro-brasileira. Para o concurso Cristo de Cor, promovido pelo Teatro Experimental do Negro, pintou Jesus como um homem negro escravizado sendo açoitado no Pelourinho de Salvador, um ambiente que remonta à colonização brasileira. Esta tela estará em exposição no MASP. Também dos anos 1950, data o painel Candomblé (1954), encomendado por Jorge Amado e pintado para o apartamento do escritor no Rio de Janeiro. A obra será apresentada pela primeira vez em uma mostra de museu.
Em comum com o romancista, Djanira também tinha um forte engajamento político, que a aproximou do Partido Comunista Brasileiro (PCB), a levou à União Soviética (URSS) e também a pintar cenas de trabalhadores Brasil afora.

Da coleção da Casa Roberto Marinho, entram na exposição quadros como Casa de Farinha (1956) e Serradores (1959), em que o trabalho é seu principal tema.
“Os trabalhos que ela produz a partir das viagens pelo país, entre os anos 1950 e 1970, são testemunhas de um Brasil em acelerada transformação”, diz a curadora Isabella Rjeille.

“Djanira via a pintura como uma linguagem profundamente engajada com a realidade social e cultural do país, sem abrir mão de certo rigor formal.”
Em 1964, Djanira foi presa nos primeiros meses da ditadura militar. O episódio teve profundo impacto sobre a artista, que a partir daí se retirou da vida pública, passando 14 anos sem realizar uma exposição individual. Nesse período, a artista não deixou de pintar, recebendo colecionadores pessoalmente e se afastando do mercado de arte tradicional, refugiando-se no seu sítio em Paraty ao lado de seu companheiro, José Shaw da Motta e
Silva. O retorno da artista se deu com uma mostra de cerca de 200 obras, organizada pelo Museu Nacional de Belas Artes, em 1976, sua última grande exposição em vida.

“Djanira teve uma significativa exposição pública e manteve intensa relação com a crítica em vida. Contudo, sua obra teve pouca circulação desde sua morte. Esta exposição tem como missão reparar essa ausência, apontando não apenas para a potência e complexidade de
seu trabalho, mas também para sua inquestionável relevância hoje”.

Rodrigo Moura

Catálogo

Organizado por Adriano Pedrosa, Isabella Rjeille e Rodrigo Moura, o catálogo será lançado na abertura da exposição, com edições em português e inglês. A publicação inclui ensaios inéditos encomendados aos críticos e curadores Carlos Eduardo Riccioppo, Frederico Morais Kaira Cabañas, Luiza Interlenghi, e textos republicados de Mario Pedrosa, Mark Berkowitz,
Flávio de Aquino, Clarival do Prado Valladares e Lélia Coelho Frota, além de textos inéditos dos organizadores.
Este livro também inclui uma seleção inédita de recortes de jornais, catálogos e folders de exposições que foram guardados pela própria artista ao longo de sua vida e serão reproduzidos de maneira fac-similar no catálogo. Os documentos – muitos deles com anotações de próprio punho da artista – foram doados pelo marido de Djanira, José Shaw da Motta e Silva, para o arquivo da Funarte, onde estão conservados desde 1981.

Fonte:

DJANIRA . In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2019. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa9397/djanira>. Acesso em: 15 de Fev. 2019. Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7

MASP

Wikipedia

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Paulo Varella

Estudou cinema na NFTS (UK), administração na FGV e química na USP. Trabalhou com fotografia, cinema autoral e publicitário em Londres nos anos 90 e no Brasil nos anos seguintes. Sua formação lhe conferiu entre muitas qualidades, uma expertise em estética da imagem, habilidade na administração de conteúdo, pessoas e conhecimento profundo sobre materiais. Por muito tempo Paulo participou do cenário da produção artística em Londres, Paris e Hamburgo de onde veio a inspiração para iniciar o Arteref no Brasil. Paulo dirigiu 3 galerias de arte e hoje se dedica a ajudar artistas, galeristas e colecionadores a melhorarem o acesso no mercado internacional.

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