Maria Andrade: uma intensa carreira artística transformada em paisagens
Seus trabalhos apresentam um frescor e um ar de displicência positiva.
Maria Andrade (1967) é uma artista plástica atualmente representada pela Galeria Virgílio.
Em 1979, aos 12 anos teve aulas de gravura em metal com o artista Sérgio Fingermann. Aos 22, fundou a banda de rock “Diorama” onde era guitarrista e cantora, além de cuidar de figurinos e cenários.
Desde 1992 realiza exposições individuais de objetos e esculturas de zinco e lata. A partir disso, coordenou: a Oficina de Esculturas em Metal no MAM-Museu de Arte Moderna de São Paulo (1998 – 2003), Oficina de Esculturas em lata no Sesc Ipiranga e oficinas de arte (esculturas em lata e madeira) para comunidades no interior de Minas Gerais – Circuito Guimarães Rosa.
Inspirada no trabalho desenvolvido com artesãs no interior de Minas, começou no ano 2000, a desenvolver bolsas, utilizando diferentes tipos de tecidos e materiais. 4 anos depois, inaugurou sua loja de bolsas na rua Aspicuelta – Vila Madalena- onde é responsável pela concepção e produção de todos os produtos.
Entre 2004 e 2005 publicou semanalmente histórias em quadrinho de seu personagem “Brux” na Folha de São Paulo.
Obras em Destaque
Como artista gráfica e ilustradora, continua realizando diversos trabalhos para artistas e instituições culturais tais como: livros infantis, CDs, DVDs, folders e materiais educativos. Além disso, pinta telas à óleo abstratas e figurativas.
Trajetória artística de Maria Andrade
- 2014 – Curso de História da Arte com Rodrigo Naves
- 2015 – Curso de pintura com Bruno Dunley
- 2016 – Exposição coletiva “Um desassossego”, na Galeria Estação
- 2016 – Exposição coletiva “BR 2016”, na Galeria Virgílio
- 2017 – Exposição coletiva “Tristes Trópicos”, em março na Galeria Mezanino
- 2017 – Exposição coletiva “Árvores, Galhos e Folhas”, em novembro nos Galpões Santo Antônio, Amparo, SP
- 2017 – Curso de pintura com Rodrigo Bivar
- 2017 – Exposição coletiva no Ateliê 397
- 2018 – Em fevereiro, Mostra Coletiva na Galeria Virgílio
- 2018 – Em março, exposição individual “3 Marias” na Galeria Virgílio. Texto de Rodrigo Bivar.
- 2018 – Em setembro ArtRio pela Boiler Galeria
- 2018 – Em outubro, exposição individual “Cerrado”, na Boiler Galeria. Texto de Tiago Mesquita.
- 2019 – Em março, exposição coletiva “Em Suspensão”, na Galeria Virgílio.
Conversa com o Arteref, técnica e influências no trabalho
“A pintura de paisagem foi um gênero que escolhi naturalmente, e que está ligado a uma longa história de pintura que vi durante a vida, com muitas referências que acabaram me influenciando: Cézanne, Van Gogh, Monet, Constable, Gauguin, Matisse… Outros artistas que são importantes no meu trabalho são: Guston, Diebenkorn, Richter, Basquiat. Também devo dizer que o curso com Bruno Dunley me abriu horizontes interessantes para meu trabalho”, nos conta Maria Andrade.
Suas telas não apresentam dimensões muito grandes, o que permite fazer mais pinturas (o que acelera o desenvolvimento do trabalho). Isso torna mais fácil de serem feitas de uma só vez, algo importante para que elas guardem no resultado a aparência de serem algo em processo, deixando sua fatura à mostra.
Depois de muitos anos trabalhando com tecidos, artes gráficas, ilustrações e as peças de metal, onde usava cores puras e mais vivas, ou estampados, com grande influência do universo pop, as primeiras pinturas da série sobre as paisagens mantinham ainda características gráficas e ilustrativas, mas logo foram ganhando um caráter mais explicitamente pictórico, gestual. Com isso, ela começou a explorar relações de cores mais tonais, matizadas com o branco, o que colaborou para que as pinturas resultassem em paisagens bem atmosféricas.
“Meus quadros são feitos a partir de referências fotográficas, mas não é importante para mim que essas referências sejam usadas com muita fidelidade. Pelo contrário, ao olhar a fotografia de referência imagino as cores que quero usar, não necessariamente as cores que vejo. Assim como as cores, a pintura como um todo também não é realista, às vezes quase abstrata, e, talvez por meu temperamento, tem um tom leve”.
A artista faz a mistura das cores na paleta e pinta ao mesmo tempo, misturando com o pincel. São todas “one shot painting”, ou seja, feitas de uma vez só, sendo que eventualmente são retocadas no dia seguinte, ainda com a tinta molhada.
Por fim, complementa: “Meu trabalho foi se aproximando cada vez mais de uma pintura mais puramente pictórica, sem nenhum outro sentido que não seu próprio fazer. É importante para mim que elas pareçam terem sido feitas num fluxo só de trabalho, rapidamente, facilmente, mesmo que o processo seja mais demorado e difícil. E isso é uma coisa que a pintura a óleo naturalmente me oferece, não só pelas minhas referências na história da pintura, mas principalmente pela sua prática no dia a dia”.
Exposição “3 Marias”
É possível separar as pinturas de Maria Andrade em 3 grupos: paisagens, abstrações e pinturas de matas.
Acredito que o grupo que menos se relaciona com os outros dois seja a série das pinturas de paisagens. Essas pinturas se baseiam em fotografias, ou são reconstruções efetuadas pela memória. Embora sejam pinturas de paisagens, o uso da cor empregado pela artista não tem a intenção – salvo uma peça – de serem naturalistas. A maioria das pinturas dessa série guarda alguma semelhança, ou até mesmo deriva do interesse da artista por peças gráficas, cartazes, pôsteres.
Há nessas paisagens, quase todas feita sobre madeira, uma pincelada decidida e decisiva, algo que está diretamente ligado à natureza do suporte. Isso permite também uma materialidade que dá a entender que Maria resolve essas pinturas de uma forma rápida. Nesse suporte, na forma como a artista o utiliza, não há tempo para o arrependimento e dúvidas. Tudo tem que ser resolvido de forma rápida. As dúvidas que provavelmente aparecem são resolvidas e rapidamente eliminadas pela próxima ação decisiva. Os trabalhos ganham assim um frescor e um ar de displicência positiva.
Esse clima de displicência positiva se faz igualmente presente nos outros dois grupos de trabalho. Porém, aqui, diferentemente das paisagens, os trabalhos passam por um escrutínio maior por parte da artista. As marcas da indecisão e da dúvida aparecem também como forma de expressão. Maria Andrade passa mais tempo agindo sobre essas pinturas.
O que ao primeiro olhar pode parecer muito diferente, as pinturas abstratas (círculos) e as pinturas de mata, ao fim ganham proximidade por serem representações que deixam rastros do seu fazer. Embora o grupo de pinturas de mata – suas cores, azul, cinza, verde e preto nos remetem a Picasso e Manet – possam ter um aspecto mais sombrio e até mais dramático, o outro grupo de pinturas de círculos tem um aspecto mais bem humorado e, porque não, mais absurdo, dada a sua simplicidade. São meus favoritos, devo dizer. Acredito que esses dois assuntos diferentes, matas e círculos, relacionam-se pelo modo como a artista os trata com a mesma intensidade. Há uma intenção de fazer uma pintura densa e séria, porém com humor.
Este é o grande mérito de Maria: trata-se de uma artista ambiciosa, mas com um senso de humor que possibilita que ela tire melhor proveito de seu ofício.
Texto de Rodrigo Bivar
Exposição “Cerrado”
As paisagens de Maria Andrade são tão secas quanto as tábuas sobre as quais ela pinta. A artista cria vistas horizontais, áridas, amplas, feitas com pinceladas retorcidas, fortes contrastes de cor e luz ofuscante. O sol por vezes é tão intenso que não se vê sombra nem vento, apenas o ar parado, cintilando de calor.
Como a primeira camada de tinta é lisa, expõe os veios da madeira, como os raios de sol que tingem a atmosfera ao bater no chão desidratado. A aparência é de um lugar vazio, por onde ninguém passa, ocupado esparsamente por uma vegetação rala, que já fez parte de um meio ambiente e agora sobrevive apenas de maneira residual.
Essas paisagens são imaginárias. Os descampados inventados por Maria Andrade lembram vagamente a vegetação rasteira encontrada nos campos do município de Morro da Garça, em Minas Gerais. No entanto, não pretendem semelhança com o mundo real, nem naturalismo no estilo. Talvez por isso funcionem tão bem como alegoria de um pedaço de terra esquecido.
Essa aparência está nos galhos secos coloridos, berrantes, que brotam nas pinturas sobre um gramado assimétrico. Eles são pincelados com gestos rápidos e irregulares. As cores das figuras contrastam muito com o fundo. A passagem do espaço para a figura não é uniforme. Assim, as plantas parecem isoladas, como se não fizessem parte daquele terreno. São aquilo que resta em meio àquele lugar nenhum.
A pintura para Maria Andrade é feita desses lampejos, talvez uma promessa tênue, em meio ao sol forte do sertão, de que logo mais virá chuva.
Tiago Mesquita
Exposição “A diferença entre as coisas”
Que paisagens são essas? A natureza expressa por Maria não é hostil, também não é sublime, é intrigante. E está certamente subjugada por suas memórias, conquistando na ligeireza do traço, forma e figura.
Árvores, pedras, nuvens e chão, terra e água, protagonizam a cena em um ambiente muitas vezes envolto numa atmosfera de solidão e desamparo. O conjunto flutua no espaço cortado por uma linha ou em planos sucessivos que não se abrem numa perspectiva visual e, sim, nos lança num horizonte ao mesmo tempo que traça uma divisão com o infinito do céu.
As imagens tentam se sustentar numa superfície que desaparece fazendo surgir novos espaços em cores que não se misturam mas, às vezes, apenas se tocam e se anulam. E as figuras se dissolvem numa luz sem origem.
A moldura é um novo elemento também sem uniformidade que não delimita os dois mundos, nem o de fora nem o de dentro, numa desobediência onde se incorpora no plano da pintura e, indo além, se expande em cor e forma. A própria pintura simula a divisa onde a moldura não está presente avançando em linha reta na mesma cor, confundido os materiais e as funções entre borda, tinta metal e continência.
Podemos supor um prazer através da capacidade de criar e transformar com isso o mundo a sua volta e de volta àquilo que estava aprisionado em sua memória, ganhando realidade em cor e forma. Eram experiências depois lembranças que, povoando o universo interno de Maria, agora são transformadas em paisagens.
Vania Reis
Aberta para visitação de 12/11 a 21/12 de dezembro
Horário de visitação da Galeria Virgílio | b_arco
- Segunda à sexta 10h – 19h
- Sábados 11h – 17h
- A entrada para todas as exposições é gratuita.
Rua Dr. Virgilio de Carvalho Pinto, 426