Murakami, do pop ao lúdico
Sua obra é aberta a inúmeras interpretações por conectar tanto a arte ocidental como os mangás (quadrinhos) e a pintura mitológica japonesa de antanho.
A arte sempre surpreende por envolver sensibilidade, criatividade, arrojo, poesia, reflexão, contestação, harmonia entre tantas outras características que enaltecem o espírito renovador e humanista dos verdadeiros protagonistas das revoluções culturais que ocorrem de tempos em tempos.
A instigante mostra do artista japonês Takashi Murakami, aberta recentemente, no Instituto Tomie Ohtake, reunindo 35 obras permite ao visitante um entrosamento lúdico com trabalhos alinhados no pop, mas que são enraizados na tradição nipônica, heróis, lendas, fantasias, uma infinidade de referências que transmitem uma efervescência ímpar, aliando requinte e dinamismo propondo releituras oportunas das revoluções artísticas passadas com as que virão, projetando interpretações e buscas por novos caminhos.
Tendo produzido diversos videoclipes de destacados artistas do pop como Pharrel Williams, Kanye West e criado produtos para Issey Miyake e Louis Vuitton, solidificou uma trajetória variada chegando a dirigir filmes de animação, portanto com uma experiência multifacetada, mas sempre aberto a novos desafios, atualmente comanda inclusive galerias de arte tendo praticamente 300 pessoas sob seu comando.
A sua arte faz uma incursão pela arte pop americana com ícones incontestáveis como Andy Warhol e Roy Lichtenstein, alinhando aspectos culturais japoneses, criando uma feição diversa indo muito além de um Jeff Koons, resgatando antigas visões como do período Edo (1603-1868) propondo uma graduação estética permeada por fantásticas mitologias que buscam o sentido da existência como sua própria limitação.
A obra de Murakami é aberta a inúmeras interpretações por conectar tanto a arte ocidental como os mangás (quadrinhos) e a pintura mitológica japonesa de antanho. Vale observar dentre as obras expostas a sua releitura do famoso tríptico de Francis Bacon (Three Studies for figures at the Base of Cruxifixion) de 1944. Substitui as três Fúrias antropomórficas da Oresteia, de Ésquilo, pintadas pelo artista inglês, por três monstros de animação, com olhos assustadores, seres submetidos aos horrores da radioatividade e/ou da poluição ambiental.
Obras em Destaque
Entre as pinturas, os desenhos e esculturas se destaca um robô vestido como um “arhat” (ser de espírito elevado), que fala bem baixo como o artista e revira os olhos. Uma imagem bem impactante de cabeça dividida como uma Hidra, alguns apreciadores afirmam serem resquícios de sua passagem por Nova York onde conheceu Bob Flanagan. Os monstros representam uma fixação dos japoneses, mas no Ocidente a sua origem vem do misticismo, mas no caso japonês provem das catástrofes nucleares. Nos anos 90, criou o personagem Mr Dob, uma figura que representa uma crítica ao consumismo desenfreado, o vazio de uma sociedade que perde a vitalidade cultural humanista.
Uma das obras que se destacam pelo teor dramático é “Transcendente Atacando um Redemoinho” que tem tudo a ver com o acidente de Fukushima, uma necessidade de transcender, de estar no céu.
As esculturas lúdicas aprimoram o olhar do observador e por outro lado na sua obra não tem hierarquia, não existe divisão entre alta cultura e cultura popular, surgindo daí o conceito “superflat”, (superplano) onde as interpenetrações são essências para se refletir sobre o homem e seus devaneios, seus anseios, suas fragilidades, suas fugas e suas buscas na complexidade vivencial dos tempos atuais.