Arte feminista: história, impactos e vozes no Brasil e no mundo

A Arte feminista é mais do que um movimento estético — é uma prática crítica que, desde o século XX, questiona normas patriarcais, denuncia apagamentos históricos e propõe novas visões sobre corpo, identidade e a experiência das mulheres na sociedade. Ao romper com os cânones masculinos da história da arte, artistas feministas trouxeram à tona discussões sobre gênero, sexualidade, opressão, trabalho doméstico, maternidade, prazer, dor e poder.
O início
Com raízes nos Estados Unidos e Europa, a arte feminista emergiu nas décadas de 1960 e 70, impulsionada pela segunda onda do feminismo. Pioneiras como Judy Chicago, criadora da icônica instalação The Dinner Party (1974–79), e Suzanne Lacy, que abordou a violência contra a mulher em ações públicas, abriram caminhos para uma nova estética politizada. Valie Export, na Áustria, e Mary Kelly, no Reino Unido, também foram fundamentais na construção dessa linguagem, combinando performance, vídeo e crítica institucional.

Já nos anos 80, o coletivo Guerrilla Girls surge com suas campanhas anônimas e irreverentes, utilizando máscaras de gorila para denunciar o sexismo nas instituições de arte.

Com o tempo, a arte feminista expandiu seus territórios e tornou-se interseccional, incorporando pautas de raça, classe, sexualidade e identidade de gênero. Hoje, essa produção é marcada por sua diversidade, conectando artistas de diferentes contextos geográficos e culturais.
Arte feminista no Brasil: insurgências visuais contemporâneas
No Brasil, a arte feminista assume contornos específicos, atravessada pela herança colonial, pelas desigualdades sociais e pelas múltiplas experiências do feminino em contextos racializados e periféricos. Artistas contemporâneas assumidamente feministas vêm criando obras que confrontam normas sociais, reescrevem memórias e propõem novas imagens de resistência.
Obras em Destaque
Pri Barbosa
Artista visual, muralista e ilustradora paulistana, Pri Barbosa investiga a iconografia da mulher revolucionária latino-americana. Seus retratos, em tons rosados e com corpos diversos, confrontam os padrões estéticos e comportamentais impostos às mulheres. A artista mescla símbolos domésticos — como panos de prato e utensílios de limpeza — com elementos de insubordinação, criando imagens que tensionam a docilidade esperada do feminino. Sua exposição Ofensiva (Sesc Niterói, 2023) é um exemplo da potência crítica de sua produção.
Rosana Paulino
Referência central do feminismo negro na arte brasileira, Rosana Paulino utiliza bordado, colagem, escultura e instalação para abordar a violência racial, o apagamento da mulher negra e os efeitos da escravidão. Em Assentamento(s), por exemplo, reinterpreta imagens científicas de mulheres negras com dignidade e narrativa própria. Em 2024, foi reconhecida com o prêmio Munch, concedido pelo Museu Munch (Noruega), pelo seu engajamento político e sua coragem artística diante das tensões da arte contemporânea.
Juliana Notari
Conhecida por obras provocadoras, Juliana Notari lida com questões de gênero e sexualidade por meio da performance e da intervenção no espaço. Em Diva (2020), escavou uma vulva gigante em uma encosta de Pernambuco, gerando intensos debates sobre representação do corpo feminino. Sua prática desafia fronteiras simbólicas e propõe o corpo como campo de disputa.
Aline Motta
Trabalhando com vídeo, fotografia e instalação, Aline Motta investiga a memória ancestral e os apagamentos da história oficial brasileira. Suas obras entrelaçam oralidade, imagem e texto para reconstituir linhagens e afetos, principalmente a partir da perspectiva das mulheres negras. Em trabalhos como Se o mar tivesse varandas e Pontes sobre abismos, seu feminismo é também um exercício de cura e reexistência.
Yacunã Tuxá
Ilustradora e artista visual da etnia Tuxá (Bahia), Yacunã Tuxá é uma das principais vozes do feminismo indígena no Brasil. Suas ilustrações digitais retratam mulheres indígenas em toda sua diversidade e potência, rompendo com estereótipos e reafirmando identidades. O projeto Filhas da Terra e Suas Resistências Invisíveis propõe novas narrativas visuais para o feminino indígena, articulando ancestralidade, espiritualidade e luta política por meio da arte.
Imagens que desafiam, corpos que falam
A arte feminista, em sua dimensão histórica e contemporânea, segue sendo uma ferramenta de transformação cultural e política. Seja nas instituições ou nas ruas, em galerias ou nos muros das cidades, suas imagens provocam, curam e reencantam. Das vozes pioneiras no exterior às potências insurgentes do Brasil, o que une essas produções é a recusa à normatividade e a insistência em imaginar outras formas de viver, criar e existir.