Será esse o futuro da arte? O estilo único da inteligência artificial
Os modelos de IA não apenas refletem, mas ampliam as imagens que inserimos
O primeiro prêmio na categoria criativa do Sony World Photography Awards de 2023 foi entregue, em abril, a Boris Eldagsen, que impressionou os jurados com um retrato etéreo e em preto e branco de duas mulheres, em um estilo vintage.
No entanto, Eldagsen recusou o prêmio e revelou que sua imagem não havia sido criada por uma câmera, mas sim pela inteligência artificial (IA). O artista alemão afirmou ter se inscrito, apenas para ver se conseguiria enganar o júri.
Modelos de IA generativa criam imitações convincentes, seja produzindo retratos vintage ou imagens mais modernas – como a suposta foto do papa vestindo uma improvável jaqueta Balenciaga, que recentemente confundiu metade do Twitter.
Ainda assim, sua capacidade de produzir obras verdadeiramente originais é questionável. “A arte feita por IA tem sido, até agora, extremamente trivial”, criticou recentemente um colunista do Art Newspaper. Ela é, por natureza, derivativa, baseada nos milhões de imagens usadas como treinamento, que são absorvidas, processadas e regurgitadas sob demanda. “O plágio é uma característica do processo de IA”, declarou o Writers Guild of America, um dos muitos sindicatos de trabalhadores criativos que veem os modelos de IA generativa como simples imitadores.
Talvez seja verdade. Ainda assim, há indícios de que os modelos de IA estão desenvolvendo um estilo artístico próprio — e não apenas desenhando mãos com mais de cinco dedos, algo comum nos seus primeiros resultados. Ao identificar e acentuar padrões presentes nos dados de treinamento, os modelos generativos funcionam menos como espelhos dos estilos contemporâneos e mais como lentes de aumento. Aos poucos, está surgindo uma escola robótica de arte.
Obras em Destaque
Computadores já criam arte há algum tempo. Cinco anos atrás, a Christie’s leiloou sua primeira obra criada por inteligência artificial, Edmond de Belamy, uma vaga aproximação de uma pintura a óleo do século XVIII.
Apesar de inacabada e com um aspecto levemente alienígena, a novidade foi arrematada por US$ 432.500. “Pode não ter sido pintada por um homem com uma peruca empoadada”, disse a Christie’s, “mas é exatamente o tipo de obra de arte que vendemos há 250 anos.”
Desde então, a tecnologia avançou muito. Plataformas abertas, como o Midjourney e o DALL-E, geram imagens em segundos a partir de comandos simples em texto. Nenhuma habilidade artística é necessária, embora seja preciso alguma prática para obter bons resultados.
A capacidade de gerar qualquer imagem em qualquer estilo, desde cenas de filmes de ação dos anos 1990 até “flagrantes” papais, parece contrariar a ideia de um visual característico da IA. Ainda assim, alguns traços parecem predominar. Um deles é a nostalgia. A habilidade dos modelos de IA em recriar os estilos com os quais foram treinados os torna especialistas em simular a aparência de mídias antigas ou, às vezes, em reimaginar eventos históricos sob uma ótica contemporânea.
Uma série viral recente, por exemplo, imaginou selfies modernas tiradas em épocas pré-modernas, com vikings e homens das cavernas sorrindo para a câmera.
Assim como em eras anteriores da arte, o tema predominante é ditado por quem encomenda as obras. As galerias ocidentais estão repletas de retratos de homens brancos ricos e suas posses, não porque se destacavam em tinta a óleo, mas porque esses eram os assuntos preferidos pelos mecenas. Da mesma forma, o Midjourney é saturado de princesas guerreiras em estilo anime pelo mesmo motivo.
Os modelos de IA também parecem favorecer técnicas específicas. Ao analisar imagens produzidas pelo Midjourney em 2023, Roland Meyer, pesquisador da Ruhr University Bochum, na Alemanha, notou uma estética recorrente.
Muitas imagens “brilham e cintilam, como se fossem iluminadas de dentro para fora”. Elas combinavam essa iluminação característica com uma paleta de cores que contrastava tons quentes e terrosos com azuis ou verdes metálicos. Muitas também exibiam o que os fotógrafos chamam de “alto alcance dinâmico” (HDR), ou seja, uma ampla variação nos níveis de luz, com áreas de sombras profundas e outras intensamente iluminadas.
Essas características não são coincidências. Meyer atribui o brilho distinto ao modo como os modelos de IA tratam a iluminação. Em vez de utilizar técnicas de arte digital, como o “ray tracing” — em que o computador calcula como a luz incidirá sobre um objeto de determinado ângulo —, a IA imagina como algo deve parecer com base nas imagens do seu conjunto de treinamento, que foram iluminadas de diversos ângulos. Por isso, mesmo imagens de IA foto-realistas tendem a parecer iluminadas de uma maneira mais próxima à pintura do que à fotografia naturalista, segundo Meyer.
Pintura com algoritmos
As combinações de cores preferidas frequentemente unem tons de azul-esverdeado (teal ou turquesa) com laranja ou magenta. Isso reflete um gosto popularizado no Instagram e amplamente difundido pela internet, provavelmente bem representado nos dados de treinamento. (O alto alcance dinâmico também se tornou onipresente online graças às câmeras modernas de smartphones, que criam esse efeito ao combinar várias fotos tiradas com diferentes exposições).
Com as atualizações nos modelos de IA, surgem mudanças em suas produções. David Holz, fundador e CEO do Midjourney, rejeita a ideia de que existe um estilo único de IA. A versão mais recente do programa, lançada em março, ajustou algumas das tendências da anterior, segundo ele. “O visual das nossas imagens mudou radicalmente cinco vezes nos últimos 12 meses e continuará mudando por um bom tempo”, afirma Holz. “As pessoas querem diversidade.”
À medida que os modelos evoluem e melhoram, eles continuam dependentes de dados de treinamento criados por humanos. “Nenhuma coleção é neutra”, afirma James Coupe, chefe do departamento de fotografia do Royal College of Art, em Londres, onde está montando um laboratório de IA.
“Arquivos de imagens são índices dos investimentos ideológicos e compromissos políticos em constante mudança de uma sociedade.”
E, independentemente dos dados de treinamento, “acabaremos com um estilo que é uma espécie de denominador comum mais baixo da arte.” Coupe compara as imagens geradas por IA a um projeto dos anos 1990 realizado pelos artistas conceituais russos Vitaly Komar e Alexander Melamid. Eles pesquisaram os gostos do público em 14 países e criaram obras com base nos resultados. Quase todos preferiam paisagens banais no estilo do século XIX.
Ao identificar e condensar os estilos predominantes nos dados de treinamento, os modelos de IA generativa desempenham um papel semelhante. Meyer acredita que sua capacidade de resumir estilos visuais ou eras pode transformá-los em ferramentas poderosas de análise para historiadores da arte. Tanto sua fraqueza quanto sua força residem no fato de que, como ele descreve, eles são “detectores de clichês”. ■