Opinião

Julio González: A escultura em tom maior

Por José Henrique Fabre Rolim - junho 24, 2019
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No panorama artístico internacional a diversidade do peso histórico de certos movimentos são referenciais para se compreender os percursos dos artistas na ampla gama de fatores que levam ao ato de criar, abrindo novas perspectivas plásticas e analíticas do ser humano na sua complexidade existencial.

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A surpreendente mostra “Espaço e Matéria” do escultor catalão Julio González (Barcelona, 1876 – Arcueil, França, 1942) no Instituto Tomie Ohtake revela uma preciosidade ímpar, reunindo 70 obras da Coleção do Museu Nacional d’Art de Catalunya, entre, esculturas, pinturas, gravuras, relevos e desenhos dentre alguns itens, uma incursão impecável, inédita no Brasil.

O visitante poderá constatar a força poética de uma obra em que o equilíbrio da matéria notadamente o ferro se impõe sutilmente no espaço, um revolucionário da linguagem escultórica do século XX.

Julio González Torso c. 1936
Julio González Torso c. 1936

 A exposição faz uma incursão pelas fases criativas do mestre escultor, começando pela atuante Barcelona modernista na sua acepção mais contundente bem no final do século XIX, onde se envolveu na arte de forjar os metais de forma artística na serralheria de sua família.

Por outro lado existia um pendor para a pintura, havia uma ânsia de desenvolver essa paixão, uma vocação incontrolável. Seguiu então para Paris, onde se instalou em 1899, tentando aos poucos conquistar seu espaço, mas paralelamente se sustentava como metalista e bijoutier.

Julio-Gonzalez
Julio Gonzalez

Na época de sua chegada à Cidade Luz consagrados artistas atuavam intensamente no meio cultural como Rodin, Degas, Cézanne, Monet, Gauguin, Renoir, Toulouse Lautrec, Vuillard, Denis, Bonnard, Maillot, Vallotton, entre tantos ilustres, mas se aproximou de Constantin Brancusi e Pablo Picasso resultando num forte laço de amizade.

A sua linha criativa a partir de 1927 foi direcionada para a escultura, buscando uma perfeita harmonia na construção da realidade em vez de reproduzi-la. Uniu a matéria e o espaço por meio do ferro em suas infindáveis possibilidades, valorizando um material que era renegado, lhe dando um grau de nobreza incontestável.

Desenhar no espaço é em essência o ponto de referência que lhe permitiu romper os esquemas clássicos da escultura, pioneiro na utilização do ferro numa linguagem calcada na modernidade, buscando arrojadas concepções.

Nos anos 50, mais precisamente em 1952, o Musée d’Art Moderne de Paris realiza a primeira retrospectiva e posteriormente sua obra é exposta no MoMA de Nova York, ganhando assim destaque internacional.

A habilidade de trabalhar o ferro se deve em parte na experiência adquirida na serralheria de seu pai denominada C.González e Hijos localizada na rua central Rambla de Cataluña, onde juntamente com seus irmãos Joan (1968-1908), Pilar (1870-1951) e Lola (1874-1962) criavam objetos disputados e elogiados como espelhos, luminárias, grades, ramos de flores, jardineiras, coroas funerárias entre diversos itens.

Quando de sua viagem a Madri, em 1894, conheceu Joaquin Torres-Garcia, início de uma grande amizade, tendo inclusive frequentado o meio artístico de Barcelona como o Círculo Artístico de Sant Lluc, fundada por artistas de forte formação católica, abandonada por ambos após a proibição da utilização de modelos femininos para desenhar.

Casa-se com Louise Berton, conhecida como Jeanne em 1909 e nasce sua filha Roberta que futuramente em 1939 se casará com Hans Hartung, um dos expoentes do abstracionismo lírico, que dividia ateliê com o sogro Julio.

Em 1927, realiza as suas primeiras obras em ferro, relevos em pequenas dimensões, nos anos seguintes colabora com Brancusi e Picasso. Inicia contato com membros do recém-criado grupo Cerclé et Carré, sendo membro fundador o seu amigo de juventude Joaquin Torres-Garcia e amplia seu rol de amigos com Alberto Magnelli e Jean Xceron.

Em 1934 realiza uma individual na Galerie Percier, o catálogo é apresentado pelo crítico Maurice Raynal, obtendo grande repercussão. Participa da importante exposição de arte abstrata Abstrakte Malerei und Plastik na Kunsthaus de Zurique com Hans Arp, Max Ernst, Alberto Giacometti e Jean Miró.

Henry Moore, em 1971, situava Julio González na origem da escultura moderna, certa vez ao ser indagado quando havia ocorrido os avanços nessa área declarou: “Eu diria que foi uma contribuição geral. Rodin e Medardo Rosso abriram o caminho. Depois, Brancusi, em um extremo da balança, simplificou a forma, fez as pessoas voltarem a olhar a forma por ela mesma. Depois, muito depois, um homem como González reuniu, soldando-os, muitos elementos diferentes para convertê-los em uma única coisa. Trabalhava na direção contrária”.

Fatos pontuais de sua carreira são documentados num belíssimo catálogo que acompanha a bem montada mostra, envolvendo o visitante nas notáveis pinturas que se conectam com uma época onde o lirismo predominava nas relações humanas ao lado de notáveis esculturas que se impõem como um parâmetro inovador, enobrecendo o ferro e a poética da forma e do espaço.

Em certa ocasião, González disse:

“A idade do ferro começou há séculos produzindo infelizmente armas, algumas muito bonitas. Em nossos dias permite também a construção de pontes, prédios industriais. Já está na hora de o ferro deixar de ser mortífero e simples material de uma ciência mecanizada: a porta está completamente aberta hoje para que esse material, penetrando no domínio da Arte, seja batido e forjado por pacientes mãos de artistas”.

A colaboração entre o Museu Nacional d’Art de Catalunya com o Instituto Tomie Oktahe já é a segunda no prazo de dois anos. Em 2017 uma belíssima seleção de obras da Barcelona Modernista de Gaudí ocupou os generosos espaços da instituição paulistana, proporcionando uma leitura ampla de um dos grandes revolucionários da arte do século XX.

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