No século XIV, Francesco PETRARCA[1] e Giovanni BOCCACIO[2] iniciam lentamente o movimento em busca da Antiguidade, introduzindo manuscritos de obras ignoradas e integrando a civilização ocidental por meio de traduções latinas da obra de Homero[3].
O assunto religioso se une à cultura e literatura clássica greco-romana nesse período e, a produção artística e as experiências individuais se expandem com os poemas clássicos e a mitologia.
O artista do Renascimento, inspirado no humanismo[4], vê o homem e a natureza como expressão grandiosa de Deus. Segundo H. W. Janson (1992, p. 367) “o objetivo do Renascimento não foi o de copiar as obras da Antiguidade, mas o de igualá-la e, se fosse possível, o de superá-las.”
Na segunda metade do século XV, formaram-se vários círculos de intelectuais em Roma, Florença e em Veneza, os quais introduziram mais manuscritos, completando o processo de reconquista cultural. Embora julgassem os séculos anteriores obscuros e bárbaros, os humanistas, porém, percorreram caminhos inovadores e fecundos baseados no passado medieval.
Final do século XIV e início do século XV
Durante o século XIV, na Itália, o artista representa cuidadosamente os objetos, desenvolvendo o naturalismo na pintura, em fiel imitação à criação de Deus. No período, a pintura do estilo gótico italiano se mistura aos estilos românico, bizantino e sarraceno. O artista é um intérprete da mudança de atitude mental, onde o homem examina a natureza.
O mundo da aristocracia busca uma vida de conforto e gosto sofisticado. Socialmente, na Itália, esta época é caracterizada pelo aparecimento das Cidades-Estados de Ferrara, Veneza, Perúgia, Roma, Siena e Florença, as duas últimas os principais centros artísticos do período.
Os italianos Gentile da FABRIANO (ca. 1370 – 1427), CIMABUE (ativo entre 1272 e 1302) e GIOTTO di Bondone (1265/66 – 1337) se afastam da tradição pictórica bizantina e do gótico universal iniciando um novo período artístico.
Entre os artistas do início do Renascimento encontram-se os italianos: DONATELLO (1386 – 1466); FRA ANGÉLICO (ca. 1395 – 1455); Paolo UCCELLO (1397 – 1475) MASACCIO (1401 – 1428/9); Fra Filippo LIPPI (ca. 1406 – 1469) e Piero DELLA FRANCESCA (1416/17– 1492).
Na pintura em Têmpera sobre madeira, A Crucificação, Guido di Pietro conhecido por FRA ANGÉLICO (c. 1395-1455) acentuou o drama na composição circular em que mostra a desolação de Maria, a lamentação das mulheres ao seu redor e as várias atitudes dos demais homens e soldados romanos.
Fra Angélico realizou, na primeira metade do século XV, suas melhores pinturas em afresco, no Convento de São Marcos, em Florença, atualmente convertido em Museu Nacional de São Marcos. Sua obra apresenta formas elegantes fortemente delineadas, que se distribuem no espaço arquitetônico. A ordem espacial e o emprego inovador da perspectiva classificam Fra Angélico como um dos mais importantes artistas do final do Gótico e início do Renascimento.
A obra A adoração dos Magos, que mostra a chegada dos Reis Magos acompanhado de uma comitiva, é atribuída aos dois grandes artistas do período. Guido di Pietro conhecido por FRA ANGÉLICO (c. 1395-1455) que iniciou o retábulo, retomado posteriormente por Fra Filippo LIPPI (ca. 1406-1469)
A pintura Madona e o Menino no trono com dois anjos, posicionada no painel central de um Tríptico[5], mostra a Virgem, sentada no trono, segurando uma rosa como a noiva de Cristo. O menino Jesus é representado como uma agitada criança, que ciente do seu carisma, olha direto nos olhos do observador.
Fra Filippo LIPPI (c. 1406 – 1469) é um dos primeiros pintores a representar a Virgem em um interior doméstico, vestida como uma mulher florentina, distanciando-a do sagrado. No entanto, o artista mantém uma profunda devoção à virgem, apresentando não apenas como protetora, mas um exemplo de comportamento e inspiração.
Educado pelos freis carmelitas de Santa Maria del Carmine, Lippi fez seus primeiros votos aos dezesseis anos. Ainda muito jovem trabalhou e recebeu influência do grande artista Masaccio[6], por meio dos afrescos na Capela Brancacci, em Florença.
Nomeado capelão do Mosteiro Santa Maria Madalena, produziu algumas pinturas, apoiado pela família Medici. No Mosteiro iniciou um romance com a noviça Lucrezia Buti e com ela teve um filho — Filippino LIPPI (c. 1457 – 1504) que seguiu, posteriormente, os passos do pai.
Irrequieto, Lippi inova no emprego dos tondi (pintura circular) em meados do século XV e na sacra conversação, quando representa a Virgem, o menino Jesus e os santos em uma única cena, com o apoio da perspectiva.
A obra de Lippi apresenta perfeito equilíbrio no emprego das cores e nos motivos decorativos. Inclusive ornamento é uma característica da obra do artista. As figuras apresentam movimento, elegância, alegria, enfim uma grande variedade nas ações e nos contrastes coloridos.
Por meio dos detalhes, como: movimento, transparências, tecidos leves e ondulantes, o artista desenvolveu, imprimiu e distribuiu a luz, como nenhum outro até então.
Nas extremidades das pinturas, Lippi adiciona partes de figuras ou objetos para reafirmar a sensação de que a obra permanece além do quadro, envolvendo o observador na cena. É comum, o artista pintar figuras, muitas vezes secundárias, olhando para fora do quadro, encarando o observador. Na mesma linha de um certo humor, ele representa uma janela dentro de outra, ou corta a asa do anjo, para dar a ideia de continuidade da cena para o exterior, aproximando o observador.
A capacidade de criar realismo na aplicação de rochas e árvores aos grupos de figuras com simetria e equilíbrio, aliados à sua experiência o levaram a “um papel decisivo na orientação da pintura de Florença durante a segunda metade do século” XV. (JANSON, 1992, p. 415-416)
ARGAN, Giulio Carlo. História da arte italiana: de Giotto a Leonardo. São Paulo: Cosac & Naify, 2003. 448 p.
GOMBRICH, E. H. A História da Arte. Tradução Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: LTC, 2000. 714 p.
HAUSER, Arnold. História Social da Arte e da Literatura. São Paulo: Martins Fontes, 2000. 1032 p.
JANSON H. W. História da Arte. Tradução J.A. Ferreira de Almeida; Maria Manuela Rocheta Santos. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1992. 823 p.
MARTINI, Fátima R. S. A formação do mundo moderno. In Estética e História da Arte Mundial I: aula 26. Santos/SP: UNIMES, 2014. 101 p.
MARTINI, Fátima R. S. A Pintura Renascentista e Maneirista nos Museus. In Curso de Extensão/UNIMES virtual. Santos/SP: UNIMES, 2016. 57 p.
NATIONAL GALLERY OF ART, Washington, EUA. Samuel H. Kress Collection. 1952.2.2 Disponível em: https://www.nga.gov/collection/art-object-page.41581.html Acesso em: 12 jul. 2019.
THE METROPOLITAN MUSEUM OF ART, Nova York, EUA. Disponível em: https://www.metmuseum.org/art/collection/search/436895 Acesso em: 11 jul. 2019.
THE METROPOLITAN MUSEUM OF ART, Nova York, EUA. Disponível em: https://www.metmuseum.org/art/collection/search/437007 Acesso em: 12 jul. 2019.
[1] Poeta, Francesco PETRARCA (1304-1374) é considerado o pai do Humanismo, na Itália.
[2] Giovanni BOCCACCIO (1313-1375) é o grande narrador italiano do século XIV. Imortalizou a Comédia de Dante ALIGHIERI (1265-1321) e a renomeou de A Divina Comédia. Boccaccio conheceu pessoalmente Petrarca em Florença em 1350. A correspondência ininterrupta e a troca contínua de textos são o testemunho mais tangível do confronto intelectual frutífero entre os dois escritores.
[3] HOMERO (ca. IX-VIII a.C.) é autor de Ilíada e Odisseia. Os poemas heroicos datadospor volta do século IX a.C., relatam as aventuras e os combates de diferentes personagens gregos e troianos, envolvidos e manipulados por poderosos deuses.
[4] No humanismo o homem domina as forças da natureza. Movimento estético, filosófico e religioso, que, preparado pelas correntes do pensamento medieval, surgiu na Itália no século XV e difundiu-se pela Europa no século XVI.
[5] Conjunto de três pinturas adicionadas em molduras, que muitas vezes se fecham por dobradiças para preservar a pintura. Por vezes, essas molduras recebiam outras pinturas no verso. O tríptico era aplicado principalmente nas igrejas cristãs e capelas da alta sociedade.
[6] Tommaso di ser Giovanni di Mone, conhecido por MASACCIO (1401 – 1428/9) é um dos primeiros mestres do Renascimento italiano depois de GIOTTO di Bondone (1265/66 – 1337). Em Florença, Masaccio entrou em contato com a arte de Giotto, Leon Battista ALBERTI (1404 – 1472), Filippo BRUNELESCHI (1377 – 1446) e DONATELLO (1386 – 1466) afastando-se das tradições bizantinas e da pintura ornamentada de Gentile da FABRIANO (ca. 1370 – 1427) no estilo gótico internacional, voltando-se para uma pintura mais natural e realista, valendo-se, inclusive, da perspectiva, uma técnica inovadora, no período, para a representação pictórica.
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Texto muito bonito sobre o renascimento, uma das fases da historia da arte, que mais me fascina. A autora do texto mostra de forma clara e expressiva, e com imagens com muita qualidade de cores. Texto belissimo.
abracos