Artigos Acadêmicos

Início do Neoclassicismo – Antiguidade grega, imitação e poesia


Da segunda metade do século XVIII ao início do século XIX ocorreram inúmeras discussões no território germânico no âmbito da estética, reunindo nomes como Johann Joachim Winckelmann (1717-1768), Gotthold Ephraïm Lessing (1729-1781), filósofo e crítico da arte alemã, autor de extrema importância para o neoclassicismo, Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832) e Johann Christoph Friedrich von Schiller (1759-1805), figuras das mais importantes da literatura alemã e do Romantismo europeu, que escreveram sobre a instrução social e o melhoramento moral dos homens, a elegância dos costumes, o prazer da intimidade e reflexões teóricas sobre a arte.

Os debates reforçaram o referencial estético clássico grego na composição do ideal de beleza, o qual orientou e influenciou filosoficamente os artistas e pensadores europeus e ocidentais.


Johann Joachim Winckelmann (1717-1768)

Leitor, entre outros, de Sófocles, Aristóteles, Homero, Platão, Heródoto e Xenofonte, no ano de 1755 Winckelmann publicou: Reflexões sobre a imitação das obras gregas na pintura e na escultura, apoiado no seu trabalho como bibliotecário em Dresden, e no contato com gravuras e cópias de esculturas greco-romanas em gesso e, algumas peças abandonadas nos jardins. No mesmo ano em Roma e um alto cargo junto às antiguidades e achados particulares, Winckelmann, que tanto buscava a Grécia, chegou até Nápoles[1], entre 1758 e 1767, mas nunca alcançou Atenas, na Grécia.

Em História da Arte da Antiguidade, publicado em 1764, Winckelmann é objetivo no conceito da superioridade da arte grega, organiza as categorias estéticas segundo uma visão histórica, inaugura a ideia de estilo e estabelece as bases da Estética e da História da Arte ao atribuir as diferenças entre a arte grega, greco-romana e romana, possibilitando a manifestação do neoclassicismo durante o século XVIII.

Com Winckelmann, o mundo até então muito mais romano que grego, subitamente dirigiu o foco somente para a Antiga Grécia. “Não mais para uma Grécia puramente literária, com Homero […], mas para uma Grécia visível, tangível, a da arte, sobretudo da escultura.” (HARTOG, 2003, p. 152)

Em Reflexões sobre a imitação das obras gregas na pintura e na escultura, Winckelmann analisa os fundamentos do belo trilhado pelos antigos e que, portanto, a arte moderna deveria seguir os mesmos ensinamentos. Segundo Winckelmann (1954, p. 95) “O único meio para [nós alemães] nos tornarmos grandes e, se possível, inimitáveis, é imitarmos os antigos”. (apud HARTOG, 2003, p. 152)

Para Winckelmann o homem do mundo antigo vivia em comunhão com a natureza e nisto residia a origem da beleza. E de acordo com sua teoria, a verdade era sinônimo da natureza e se o ideal de beleza dos antigos consistia na simplicidade, a arte deveria ser simples, longe do exagero e paixão do Barroco. Assim, para o artista moderno encontrar a beleza seria necessário imitar, idealizar e buscar a criatividade dos antigos, principalmente na arte produzida na Antiga Grécia.

Mesmo se a imitação da natureza pudesse dar tudo ao artista, este não lhe deveria a exatidão de contorno que somente os gregos podem ensinar. Nas figuras gregas o mais nobre contorno une ou circunscreve todas as partes da mais bela natureza e das belezas ideais; ou melhor, o contorno é, nos dois setores, o conceito mais elevado. (WINCKELMANN, 1975, p. 49)

As obras de Winckelmann serviram de reflexão para os alemães: Lessing, Schiller e Goethe, quanto aos fundamentos da poesia, arte, beleza, idealização da antiguidade, harmonia entre o homem e a natureza, liberdade e expressão universal.

Goethe trata da passagem do Iluminismo para o Romantismo, analisa os reflexos da Revolução Francesa em 1789, o desenvolvimento da Estética e a relação da modernidade com a Antiguidade.

Além das discussões sobre o belo e o sublime, Schiller, acompanhando Winckelmann, trata do ideal com inspiração na Grécia Helênica e da graça, que pode ser definida como uma categoria estética importante na apreciação e na produção das obras de arte.


Gotthold Ephraïm Lessing (1729-1781)

Frente às querelas acerca da valorização e do prestígio da poesia ou das obras de arte, Lessing publica em 1766, a obra Laocoonte – ou sobre as fronteiras da Pintura e da Poesia. em que delineia os limites das artes e da poesia. As reflexões do autor enfatizam as condições e funções específicas de cada uma, reprova e alimenta as discussões sobre o assunto, criticando aqueles que argumentam e comparam o poder de cada uma, tomando partido, ora para a poesia, ora para as Artes visuais.

Ora eles forçaram a poesia dentro dos confins estreitos da pintura; ora eles deixaram a pintura preencher toda a larga esfera da poesia. Tudo que está certo para uma, também deve ser permitido para a outra; tudo o que agrada ou desagrada numa delas, deve necessariamente também agradar ou desagradar na outra. (LESSING, 2011, p. 78)

Em Lessing, a pintura apresenta ações no espaço e esse instante representado deve possibilitar ao observador imaginar o antes e o depois da ação.

A pintura pode utilizar apenas um único momento da ação nas suas composições coexistentes e deve, portanto, escolher o momento mais expressivo a partir do qual torna-se mais compreensível o que já se passou e o que se seguirá” (LESSING, 2011, p. 195-196).

Lessing, Schiller e Goethe deram atenção a dois aspectos que os artistas germânicos do período perseguiam: a afirmação da liberdade como característica da cultura antiga e a preocupação em defender a poesia como o terreno da ação.


O início do Neoclassicismo

Entre os principais nomes responsáveis por iniciar o que se denominou de arte Neoclássica encontram-se: o negociante de arte, arqueólogo e pintor escocês, Gavin HAMILTON (1723-1798) e Anton Raphael MENGS (1728-1779), ambos do mesmo círculo e admirados por Winckelmann, e influenciadores do estilo entre seus contemporâneos e a próxima geração de artistas.


Anton Raphael MENGS (1728-1779)

Considerado um dos principais artistas do início do estilo Neoclássico, Anton Raphael Mengs nasceu em Aussig, na Bohemia, atual República Tcheca. Em Roma, com a família, teve a oportunidade de estudar a antiguidade clássica e as obras de Michelangelo e Rafael no Vaticano. Em Dresden, como pintor da corte saxônica, Mengs executou um grande número de retratos, a maioria em tons pastéis no estilo Rococó[2].

No retorno à Roma, por volta de 1755, Mengs tornou-se amigo de Winckelmann, passando a compartilhar o entusiasmo do arqueólogo pela antiguidade clássica e defensor do conceito de beleza ideal.

Anton Raphael MENGS (1728-1779) Johann Joachim Winckelmann (1717–1768) ca. 1777. Óleo sobre tela, 63.5 x 49.2. Metropolitan Museum of Art, Nova York, EUA.

Executado por volta de 1777, a pintura representa um Winckelmann idealizado na versão póstuma. Mengs apresenta o amigo segurando uma edição grega da Ilíada de Homero, uma referência à erudição e seu conhecimento da poesia clássica.

A disposição de Mengs em estabelecer a ascensão da pintura Neoclássica realizou-se com o enorme sucesso causado após o término, em 1761, do afresco Parnassus, executado na Villa Albani[3] em Roma.

Anton Raphael MENGS (1728-1779) Parnassus, depois de 1761. Óleo sobre tela, 55×101. The State Hermitage Museum. São Petersburgo, Rússia.

Esta pintura, produzida por Mengs em 1761, representa um esboço ou uma réplicada do afresco executado na parte central do teto do salão principal da Villa Albani em Roma, encomendado pelo cardeal Alessandro Albani (1692-1779).

O estilo da pintura de Mengs rompe com a tradição Barroca e Rococó e volta-se para os padrões que ainda estão sendo articulados para a arte Neoclássica.

A composição, de forma geral, é inspirada em Parnaso executada por Rafael de Sanzio[4] em uma das paredes da Stanza della Segnatura[5], no Musei Vaticani, na Itália.

No centro da composição, Apolo, o deus sol, patrono das artes segura seus atributos: a lira e a coroa de louros. Abaixo correm as águas da fonte Castália e da fonte Hipocrene[6].

À esquerda, sentada, se encontra Mnemósine, deusa da memória.

“Por Mnemósine, de belos cabelos, Zeus se enamorou, e dela nasceram as nove Musas coroadas de ouro, que apreciam as festas e o prazer do canto.” (HESÍODO, 915-917, 2013, p. 95)

Com ela se encontram, de acordo com Hesíodo (77-79, 2013, p.35-37): Clio, musa da História; Talía, da comédia; Terpsícore, musa da dança e Érato, da lírica e dos cantos de amor.

À direita, ou à esquerda de Apolo, estão Calliope, superior a todas, a musa da poesia épica; Polímnia, da poesia sacra; Euterpe, da poesia lírica; Melpomene, da tragédia e Urania da astronomia, com o globo celeste.

No final de 1761, chamado à corte espanhola por Carlos III, Mengs permaneceu em Madrid como pintor do rei, trabalhando na decoração dos palácios reais, exercendo influência decisiva na arte da corte espanhola.

Sua obra com conceitos sobre ideologia estética foi publicada em 1762 e postumamente traduzidas para o francês, alemão e inglês.

Por volta de 1772, Mengs foi chamado à Roma para executar o fresco –  O triunfo da história ao longo do tempo – no centro do teto na Sala dei Papiri junto à Biblioteca Apostolica Vaticana. Inicialmente sob sua direção, deixou a decoração sob os cuidados do seu auxiliar, Cristoforo Unterperge (1732-1798) e retornou à Madrid, onde permaneceu até 1777, dois anos antes de sua morte na cidade de Roma.

Entre os últimos trabalhos realizados em Roma, por volta de 1778, destaca-se Perseu e Andrómeda[7],  inspirado na antiguidade clássica.

Anton Raphael MENGS (1728-1779) em colaboração com Cristoforo Unterperge (1732-1798) O triunfo da história ao longo do tempo, 1772-1773. Fresco no teto da Sala dei Papiri do Museo Cristiano/Musei Vaticani, Itália.

A Sala dei Papiri leva o nome dos documentos homônimos da Igreja de Ravenna, dos séculos VI ao IX. A decoração do ambiente foi concebida pelo Cardeal Alessandro Albani e implementada por Anton Raphael Mengs entre 1772 e 1773, em colaboração com Cristoforo Unterperger e o tema remete ao Egito e à fundação do Museo Pio-Clementino[8], que faz parte do complexo de museus da cidade do Vaticano, na Itália.


Referências

ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna. Do Iluminismo aos movimentos contemporâneos. Tradução Denise Bottmann; Federico Carotti. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. 709 p.

HARTOG, François. Os Antigos, o passado e o presente. Tradução Sonia Lacerda; Marcos Veneu; José Otávio Guimarães. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2003. 206 p.

HESÍODO. Teogonia. Tradução Christian Werner. São Paulo: Hedra, 2013. 103 p.

JANSON H. W. História da Arte. Tradução J.A. Ferreira de Almeida; Maria Manuela Rocheta Santos. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1992. 823 p.

LESSING, G. E. Laocoonte ou sobre as fronteiras da pintura e da poesia: com esclarecimentos ocasionais sobre diferentes pontos da história da arte antiga. Introdução, tradução e notas de Márcio Seligmann-Silva. São Paulo: Iluminuras, 2011. 317 p.

MUSEI VATICANI, Vaticano, Itália. Disponível em: https://m.museivaticani.va/content/museivaticani-mobile/it/collezioni/musei/museo-cristiano/sala-dei-papiri/sala-dei-papiri.html Acesso em: 29 jul. 2021.

THE METROPOLITAN MUSEUM OF ART, Nova York, EUA. Disponível em: https://www.metmuseum.org/art/collection/search/334926 Acesso em: 02 ago. 2021.

THE METROPOLITAN MUSEUM OF ART, Nova York, EUA. Disponível em: https://www.metmuseum.org/art/collection/search/437067 Acesso em: 02 ago. 2021.

THE STATE HERMITAGE MUSEUM. São Petersburgo, Rússia. Disponível em:  https://www.hermitagemuseum.org/wps/portal/hermitage/digital-collection/01.+paintings/38284 Acesso em: 02 ago. 2021.

THE STATE HERMITAGE MUSEUM. São Petersburgo, Rússia. Disponível em:  https://www.hermitagemuseum.org/wps/portal/hermitage/digital-collection/01.+paintings/38285 Acesso em: 29 jul. 2021.

THE TRIUMPH OF HISTORY OVER TIME. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Anton_Raphael_Mengs,_The_Triumph_of_History_over_Time_(Allegory_of_the_Museum_Clementinum),_ceiling_fresco_in_the_Camera_dei_Papiri,_Vatican_Library,_1772_-_M0tty.jpg Acesso em: 29 jul. 2021.

WINCKELMANN, J. J. Reflexões sobre a imitação das obras gregas na pintura e na escultura. Porto Alegre, Movimento, UFRGS, 1975. Disponível em: https://www.ppgav.eba.ufrj.br/wp-content/uploads/2017/01/WINCKELMANNJ.J.Reflexoessobreaimitacaodasobrasgregasnapinturaenaescultura.pdf Acesso em: 27 jul. 2021.


[1] A descoberta de Herculano (1748) e Pompéia (1748) sob as cinzas em Nápoles, representou um grande choque, levando os estudiosos a revisitar a Antiguidade, um mundo diferente daquele conhecido por intermédio da Antiga Roma e levou no início do século XIX engenheiros, pesquisadores e entusiastas Neoclássicos, às escavações, transformando a cidade em outro ponto de interesse, depois de Roma.

[2] Saiba mais do Estilo Rococó em https://arteref.com/artigos-academicos/fragonard-e-o-rococo-frances/; https://arteref.com/artigos-academicos/o-espirito-rococo-na-escultura/; https://arteref.com/artigos-academicos/o-rococo-italiano-e-as-vedute/ e https://arteref.com/artigos-academicos/tiepolo-entre-o-barroco-final-e-o-rococo/

[3] O Palácio construído na cidade de Roma se tornou um dos centros de cultura, com destaque para a coleção de Antiguidades e o estudo da Arqueologia, referência fundamental para todos os artistas do período Neoclássico.

[4] Filho do pintor e poeta, Giovanni Santi (ca. 1435-1494), Rafael também é conhecido por Rafael Sanzio, Rafaello Sanzio, Raphael Sanzio e Rafael Santi. Saiba mais em: https://arteref.com/artigos-academicos/rafael-a-perfeicao-no-renascimento-pleno/

[5] Saiba mais em: https://arteref.com/artigos-academicos/parnaso-um-dos-afrescos-de-rafael/

[6] Nascente de água doce situada na encosta do Monte Hélicon, tradicionalmente consagrada a Apolo/Febo e às Musas, que teria brotado de uma pedra fendida por uma patada do cavalo Pégaso. Considerada a fonte de inspiração poética, por intermédio das Musas. 

[7] Anton Raphael MENGS (1728-1779) Perseu e Andromeda, 1778. Óleo sobre tela, 227×153,5. The State Hermitage Museum. São Petersburgo, Rússia. Disponível em: https://www.hermitagemuseum.org/wps/portal/hermitage/digital-collection/01.+paintings/38285 Acesso em: 29 jul. 2021.

[8] A arquitetura neoclássica do Museo Pio-Clementino, inaugurado em 1772 para abrigar um imenso acervo de antiguidades, estabeleceu um padrão copiado por diferentes países europeus durante meio século.

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Fatima Sans Martini

Mestre em Artes Visuais com Abordagens Teóricas, Históricas e Culturais pela UNESP. Pós-graduação em História da Arte pela FAAP-SP. Formada em Artes Plásticas. Experiência profissional: Projetista em Design de Interiores. Experiência acadêmica: nas disciplinas de Projetos, Desenho, História do Mobiliário e História da Arte nos cursos de Arquitetura e Design de Interiores. Professor das disciplinas de Estética e História da Arte Mundial e Brasileira no Curso de Artes da Unimes, Universidade Metropolitana de Santos, SP

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