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Peter Paul Rubens: Barroco na Flandres católica


A pintura no estilo Barroco se espalhou rapidamente entre os artistas tornando-se rapidamente universal. Os traços dramáticos, a representação de figuras simples no interior das casas, os autorretratos sem vaidade e a fantasia clássica e mitológica, são encontrados nas mais variadas regiões da Europa no século XVII.

Os artistas da Flandres1 católica foram influenciados pela pintura italiana, principalmente pelas obras produzidas por Michelangelo Merisi da CARAVAGGIO2. A fama do artista rebelde já tinha se espalhado e suas obras com pessoas comuns do povo, dominando o cenário por vezes teatral, impregnado por linhas diagonais, grandes efeitos e contrastes de luz e sombra, chamavam atenção dos mais diferentes artistas.

No período, três artistas se destacaram entre os flamengos: Peter Paul RUBENS (1577-1640), Jacob JORDAENS (1593-1678) e Antoon VAN DYCK3 ou Sir Anthony VAN DYCK (1599-1641)


Peter Paul Rubens (1577-1640)

A admiração pela Itália e pela cultura latina clássica marcou toda a obra de Peter Paul Rubens, um dos mais famosos artistas flamengos do século XVII.

Rubens nasceu na região de Vestfália, na Alemanha, mas ainda criança retornou com a mãe para a Antuérpia, nos Países Baixos espanhóis. Em 1600, o jovem chegou à cidade de Roma e entrou em contato com as pinturas de TICIANO4 e RAFAEL5. E em 1603, viajou para Madrid, na Espanha em missão diplomática.

Entre 1604 e 1608, Rubens viajou por Mântua, Roma, Gênova e Milão, estudando as obras dos irmãos CARRACCI6, de MICHELANGELO7 e do grande artista do início da arte Barroca: Caravaggio, cuja produção era admirada pelos artistas flamengos.

O artista absorveu tanto a tradição italiana, que poderia competir com os melhores desse período, em absoluta paridade, “e até poderia ter feito carreira na Itália, uma possibilidade que não tinha sido dada a nenhum pintor nórdico antes dele”. (JANSON, 1992, p. 522)

Ao retornar para a Antuérpia, por motivos pessoais, Rubens, já considerado um grande conhecedor na arte de manejar os pincéis e tintas, foi nomeado pintor da corte e trabalhou para o arquiduque Albrecht (1559-1621) da Áustria em Bruxelas. Ao mesmo tempo aceitou trabalhar comissionado para igrejas e prédios públicos, o que lhe permitiu abrir uma oficina de trabalho.

Pouco tempo depois, Rubens recebeu missões diplomáticas, entrando em contato com diferentes potências, formando um círculo de clientes particulares nas altas cortes, e na Igreja, por conseguinte, inúmeras encomendas.

Em Gombrich (2000) uma combinação de dotes incomparáveis na organização de grandes composições coloridas e na energia eufórica das figuras dá a Rubens fama e êxito como a nenhum outro pintor.

Para o deleite dos príncipes, na obra do artista flamengo, as alegorias, os episódios bíblicos, as cenas mitológicas, os eventos históricos, os retratos e as paisagens se destacam vivas e atuais nas telas gigantescas, inerentes aos grandes palácios.

O estilo Barroco combinava com o espirito do artista, que sabia como ninguém distribuir as figuras em grande escala, impregnadas de força e paixão, aliadas aos volumes, luzes, cores e dinamismo. “Por volta de 1630, o caráter turbulento e dramático das obras precedentes de Rubens transformou-se num estilo amadurecido de lírica ternura”. Combinando a tradição de cenas de gênero e paisagens com a mitologia clássica, “Rubens criou um reino encantado onde o mito e a realidade se fundem”. (JANSON, 1992, p. 523).

Inúmeros artistas foram treinados no seu estúdio na Antuérpia. Aos esboços freneticamente executados, os aprendizes adicionavam a tinta e cor à pintura que era finalizada por ele. Por certo, após a morte de Rubens, grande parte das pinturas foram copiadas por seus assistentes.

Peter Paul RUBENS (1577-1640) Rubens, sua esposa Helena Fourment (1614-1673) e seu filho Frans (1633-1678), ca. 1635. Óleo sobre madeira, 203.8×158.1. The Metropolitan Museum of Art, Nova York, EUA.

Rubens representa a si mesmo com Helena, sua segunda esposa, e um de seus filhos no jardim de sua casa em Antuérpia. A jovem Helena com cerca de trinta e seis anos a menos que Rubens serviu de modelo para algumas de suas pinturas.

O amplo jardim no interior da residência ricamente ornamentado com esculturas, a postura elegante e as roupas de tecidos finos e rendas indicam a boa situação social e financeira da família.

Peter Paul RUBENS (1577-1640) O Casamento de Peleu e Tétis, 1636. Óleo sobre painel, 27×42.6. Art Institute Chicago, Chicago, EUA.

Ao redor da mesa festiva estão todos os deuses do Olimpo. No canto direito Hera se apoia em Zeus, seu marido. Do lado direito no primeiro plano, um dos erotes acompanha Afrodite e atrás dela, de pé, posiciona-se a guerreira Atena. No centro da mesa se encontram os recém-casados, com Hermes atrás e a Discórdia8, que acaba de jogar o pomo dourado.

O quadro revela a técnica do grande artista do Barroco flamengo. No seu tempo, Rubens, é um dos poucos pintores capazes de reproduzir os símbolos da fartura e fecundidade, na robustez e nas curvas generosas dos corpos femininos, ao mesmo tempo em que estes revelam sensualidade e delicadeza nos gestos e vitalidade nos movimentos.

Na pintura, O Casamento de Peleu e Tétis, Rubens interpreta um assunto anterior à Guerra de Tróia e ao Rapto de Helena9 por Páris, príncipe de Tróia.

Os detalhes sobre a história de Helena e as circunstâncias em que Páris se vê obrigado a escolher a mais bela entre as três deusas, Atena, Hera e Afrodite, diferem ou se assemelham de acordo com cada autor, no decurso do tempo, entre eles: Estásino de Chipre10, Eurípides11, Heródoto12, Higino13 e Pausânias14.

A história começou em um banquete celestial, para comemorar o casamento entre Peleu, filho do rei Éaco, e Tétis15, filha de Nereu.

Zeus havia convidado todos os deuses para o banquete exceto Eris, a Discórdia. Esta se apresentou mais tarde, porém não foi admitida no banquete. Assim, pois, ante todos lançou pela porta uma maçã dourada com a inscrição: “para a mais bela”. Hera, Afrodite e Atena começaram a reivindicar para si o título de beleza, surgindo entre elas uma grande discórdia. (HIGINO, Fábulas, XCII, 1-2, 2008, p. 105. Tradução nossa)

O pomo fatal foi a causa do julgamento de Páris, que acabou por lançar à destruição à cidade de Priamo, seu pai, rei de Tróia.

Anos se passaram com as deusas em desavença, até Zeus intervir e enviar as mulheres, aos cuidados de Hermes, para o Monte Ida16, onde o príncipe de Tróia apascentava o rebanho de ovelhas.

Páris, o jovem e belo pastor, tinha sido afastado da família por causa de uma profecia, em que se afirmava que ele seria o causador da ruína de Tróia. E ali, estava ele cuidando do rebanho em enorme calmaria e tédio, quando assombrado viu a chegada das três jovens.

Hermes mais do que depressa se adiantou a proferir as recomendações de Zeus. Contou sobre o encargo, afirmando que Páris seria o árbitro da antiga disputa.

O simples pastor considerou que a solução não seria fácil, pois ao escolher uma, seria odiado pelas outras duas, portanto, decidiu ouvir os argumentos das deusas. Primeiro chamou Hera, a rainha das deusas, esposa do soberano do Olimpo. A oferta foi de abundância de riquezas na terra. Desejou que todas as cabeças se curvassem e que a vontade do jovem fosse satisfeita imediatamente por seus súditos se ele a escolhesse. Refletindo, Páris chegou à conclusão que não cederia às honras e riquezas oferecidas pela esposa do deus excelso, chamando, em seguida a deusa da guerra, Atena. Languidamente, a deusa ofereceu o comando de seus soldados, prometendo, além da intuição, honras e fama em qualquer disputa.

Por fim Afrodite, sedutora, com a voz aveludada, aproximando-se, ofereceu um amor que ninguém outro mortal receberia, a mais bela e a mais cobiçada de todas, Helena, filha de Zeus com a mortal Leda. Com a promessa de se tornar o homem mais feliz sobre a terra e invejado por todos, Páris entregou o pomo dourado à deusa do amor. Com essa escolha, o pastor conflagrou a ira das outras duas, que unidas tramaram ao longo de anos, para que a cidade do jovem caísse frente a Grécia.


Referências

ART INSTITUTE CHICAGO, Chicago, EUA. Disponível em: https://www.artic.edu/artworks/59956/the-wedding-of-peleus-and-thetis Acesso em: 23 set. 2019.

GOMBRICH, E. H. A História da Arte. Tradução Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: LTC, 2000. 714 p.

HAUSER, Arnold. História Social da Arte e da Literatura. Tradução Álvaro Cabral. São Paulo: Martins Fontes, 2003. 1032 p.

HIGINO, C. J. Fábulas e Astronomia. Tradução Guadalupe Morcillo Exposito. Madrid, Espanha: Ediciones Akal, 2008. 359 p.

JANSON H. W. História da Arte. Tradução J.A. Ferreira de Almeida; Maria Manuela Rocheta Santos. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1992. 823 p.

ONZE-LIEVE-VROUWEKATHEDRAAL, Antuérpia, Bélgica. Disponível em: www.dekathedraal.be/en/kunstschat/ks_13.htm Acesso em: 25 set. 2019.

THE METROPOLITAN MUSEUM OF ART, Nova York, EUA. Disponível em: https://www.metmuseum.org/art/collection/search/437532 Acesso em 23 set. 2019.


1 No século XVI as províncias unidas do Norte se separaram e Flandres ficou sob o domínio da Espanha católica até por volta de 1713, quando passou à soberania austríaca. Em 1830, após diferentes levantes e o domínio francês, Leopoldo I (1790-1865) foi eleito o primeiro rei da Bélgica. As principais cidades que fazem parte de Flandres são: Antuérpia, Hasselt, Gent, Bruges e Leuven. Bruxelas, capital da Bélgica, é uma região autônoma, mas se localiza em Flandres também.

2 Michelangelo Merisi da CARAVAGGIO (1571-1610) excedeu a todos os pintores do período. Uma das personalidades mais fascinantes da História da Arte. O pintor de telas monumentais interpretou as novas convenções sociais e os ideais dos jovens artistas, angariando fama ao utilizar um caráter dinâmico e o claro-escuro nas obras profundamente dramáticas.

3 Aprendiz na oficina de Peter Paul RUBENS (1577-1640) o artista flamengo Antoon VAN DYCK ou Sir Anthony VAN DYCK (1599-1641) ficou famoso ao trabalhar na corte de Carlos I (1600-1649) da Inglaterra.

4 Grande retratista, procurado por toda corte europeia, ricos e famosos, TICIANO Vecellio di Gregorio (1488/90-1576) conhecido, também, por Tiziano Vecellio é, talvez, o representante supremo da pintura veneziana. Com uma obra versátil, abrangendo temas religiosos, mitológicos e paisagísticos, com a aplicação de tons quentes e frios, e o uso do chiaroscuro. A dissolução das linhas com o ambiente de fundo influenciou os futuros artistas.

5 Classificado entre os grandes e insuperáveis mestres do Renascimento Pleno, pintor de qualidades insuperáveis, RAFAEL Sanzio (1483-1520) viveu em busca da perfeição, da harmonia e do equilíbrio, inspirando-se nos conceitos clássicos. Mais de Rafael em: https://arteref.com/artigos-academicos/rafael-a-perfeicao-no-renascimento-pleno/ e em: https://arteref.com/artigos-academicos/parnaso-um-dos-afrescos-de-rafael/

6 Os artistas bolonheses Ludovico (1555-1619), Agostino (1557-1602) e Annibale CARRACCI (1560-1609) são responsáveis pelo desenvolvimento do estilo Barroco, introduzindo novos temas na pintura eminentemente religiosa de Bolonha, na Itália, no período da Contrarreforma. Mais de Carracci em: https://arteref.com/artigos-academicos/barroco-na-italia/

7 Um dos maiores artistas italianos, a carreira de MICHELANGELO Buonarroti (1475-1564) se desenvolveu na transição do Renascimento para o Maneirismo e seu estilo compreendeu influências da Antiguidade clássica e dos primeiros renascentistas. Mais de Michelangelo em: https://arteref.com/artigos-academicos/michelangelo-e-a-pintura-do-teto-da-capela-sistina/ e em: https://arteref.com/artigos-academicos/michelangelo-um-genio-da-escultura/

8 Expulsa do céu por Zeus, porque não cessava de causar indisposições entre os habitantes do Olimpo, Discórdia (Éris, pelos romanos) filha da Noite, era companheira de Ares. Na terra tinha prazer em semear dúvidas e rancor entre as famílias. Discórdia, muitas vezes era representada como uma das Erínias, com cabelos formados por cobras, carregando tochas e chicotes.

9 Irmã de Pólux, Castor e Clitemnestra, filha de Zeus e Leda, Helena é a mais bela e desejada de todas as mulheres. Cobiçada por grande número de príncipes, o rei de Esparta, Menelau é o escolhido e o casal compartilha uma vida feliz. Sob a proteção de Afrodite, Páris, filho de Príamo, rei de Tróia, viaja para a Grécia e é recebido por Menelau e Helena, no cais do porto, onde já se escondem a deusa e um dos erotes, Pothos, o eros da paixão. Ao ver Helena, o impetuoso príncipe, se apaixona imediatamente. Por seu lado, Helena ao pousar os olhos sobre o jovem é flechada por Pothos. Assim, com a ajuda de Afrodite, Páris convence Helena a fugir em sua companhia, na ausência de Menelau. Ao chegar em Tróia os dois se casam, forçando uma guerra entre os gregos e troianos.

10 Estásino de CHIPRE. Poeta de origem imprecisa, do século VII a.C., autor do poema épico sobre os troianos: Os Cantos cíprios. Diversos autores se apoiaram nos fragmentos do que restou dos seus contos para desenvolverem semelhantes histórias.

11 Poeta trágico grego EURÍPIDES (ca. 480-406 a.C.) ressaltou em suas obras as agitações da alma humana e em especial a feminina. Tratou dos relacionamentos da sociedade ateniense de seu tempo, valorizando as ações do homem e suas tradições.

12 HERÓDOTO (ca. 485-425 a.C.) Historiador grego, autor de As Histórias de Heródoto, lançado no século V a.C.

13 Escritor da Roma Antiga, Caio Júlio HIGINO (64 a.C. – 17 d.C.) é, segundo autores, da Província Ibérica, provavelmente de Valência, na atual Espanha.

14 Geógrafo grego, PAUSÂNIAS (ca. 110/115-180) viajou pela Grécia e regiões próximas, onde pesquisou sobre a história de cada local. Autor da Descrição da Grécia.

15 Uma das cinquenta filhas de Nereu e Dóris, filha de Oceano, Tétis gerou o herói Aquiles do casamento com Peleu.

16 As montanhas Ida ou Kaz Daği localiza-se na Ásia Menor, região da Turquia, próximo ao que se conhece como ruínas da antiga cidade de Tróia.

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Fatima Sans Martini

Mestre em Artes Visuais com Abordagens Teóricas, Históricas e Culturais pela UNESP. Pós-graduação em História da Arte pela FAAP-SP. Formada em Artes Plásticas. Experiência profissional: Projetista em Design de Interiores. Experiência acadêmica: nas disciplinas de Projetos, Desenho, História do Mobiliário e História da Arte nos cursos de Arquitetura e Design de Interiores. Professor das disciplinas de Estética e História da Arte Mundial e Brasileira no Curso de Artes da Unimes, Universidade Metropolitana de Santos, SP

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