Tiepolo: entre o Barroco final e o Rococó
Giovanni Battista Tiepolo, o maior pintor representante do período final do Barroco e início do Rococó.
Durante o final do século XVII e o século XVIII, os nobres das mais diferentes localidades se dedicaram à construção de villas[2] e à disputa de quem obtinha o palácio mais suntuoso, bem ao gosto do Palácio de Versailles, símbolo do luxo.
Muitas das villas eram frequentadas na primavera e no verão, quando a elite se reunia para discussões filosóficas com artistas, poetas e pensadores. Paredes e tetos recebiam pinturas em afresco realizadas pelos maiores artistas do período com temas ligados à vida do campo, à mitologia e às histórias ligadas à família. De acordo com Janson (1992, p. 521) o teto proporcionava tantas aberturas ilusionistas que se perdia a demarcação espacial, abrindo-se para um “céu azul e nuvens banhadas de sol” em que figuras aladas, deuses, construções, animais, personagens e figuras da corte vagavam sem limites.
Giovanni Battista TIEPOLO (1696-1770)
O maior pintor representante do período final do Barroco e início do Rococó é Giovanni Battista Tiepolo. Veneziano de nascimento e formação, suas obras anteriormente executadas dentro da herança clássico-Barroca se tornaram ao longo do tempo impregnadas de graça e elegância, próprias do novo estilo francês – o Rococó da corte de Luís XV.
Veneza no século XVIII vivia um período de declínio e os artistas só eram contratados pela igreja, que persistia no incentivo dos antigos e dos novos artistas venezianos. Acolhido pela associação de pintores e inspirado pelas obras de TINTORETTO e VERONESE[3], Tiepolo iniciou a produção de quadros religiosos.
Por volta de 1730 a 1740, com obras mais maduras em que se destacavam o traço veloz e vibrante, cores alegres e suntuosas, e com amplo domínio da luz, Tiepolo dominou a pintura veneziana, principalmente nas telas de grandes dimensões.
Obras em Destaque
A série executada por Tiepolo baseada no poema de Torquato Tasso[4], destaca dois dos principais personagens: Rinaldo e Armida. Dominada pelo amor, a feiticeira Armida, amante do muçulmano Argante, transporta o cruzado Rinaldo em sua carruagem voadora para a ilha de Fortuna, no meio do oceano. Lá, em seu palácio mágico e jardins encantados, Rinaldo esquece a guerra e vive feliz na companhia da feiticeira.
A obra Rinaldo e Armida em seu jardim mostra Armida e Rinaldo nos jardins do palácio sarraceno, em pleno prazer sensual. Encantado o jovem deixa de lado a espada e o escudo e observa Armida que segura um espelho. Sobre o casal sobrevoa um dos Erotes[5]. Seus dois companheiros, Carlo e Ubaldo, aparecem no portão do jardim para persuadi-lo a seguir a razão e retornar ao grupo de cristãos que tentam libertar Jerusalém.
Um dos trabalhos mais importantes de Tiepolo, na década de 1740, foi a realização da pintura em afresco no Palazzo Labia[6], com a colaboração de Girolamo Mengozzi COLONNA[7].
O grande salão foi quase que completamente tomado pela pintura ilusionista, com cenas da vida de Cleópatra e Marco Antônio, em que soldados, músicos e inúmeros personagens se apoiam em varandas, pódios e escadarias em trompe l’oeil[8] enganando totalmente o observador.
O tema aplicado, de acordo com Gombrich (2000), forneceu a oportunidade de Tiepolo mostrar seu gosto por personagens em roupas suntuosas e cores alegres em meio às iguarias das grandes recepções, banquetes e exaltações políticas. Último suspiro da poderosa e luxuosa sociedade veneziana.
A partir de 1750, Tiepolo ganhou o mundo aplicando a arte da pintura de frescos tanto nos tetos como nas paredes dos mais diferentes palácios e igrejas espalhados pela Itália, Alemanha, Espanha e Rússia, ajudado em parte por seus filhos: Giovanni Domenico (1727-1804) e Lorenzo Baldissera (1736-1776)
Contratado pelo príncipe-bispo de Würzburg em 1751 para decorar o Palácio Episcopal de Würzburg[9], Tiepolo cobriu o alto das duas paredes opostas e o teto do Salão elíptico, chamado de Kaisersaal[10], com desenhos ornamentais, rendilhados e ondulados, os quais exprimem a jovialidade e despreocupação da nobreza no período do século XVIII.
O salão do palácio decorado em branco, ouro e tons pastel é um exemplo da transformação da arte barroca final para o estilo Rococó.
No entanto, é na pintura Alegoria dos Continentes executada no teto do vão da grande escadaria do palácio, que Tiepolo atinge o máximo de sua capacidade artística. O fresco, um dos maiores já produzidos, mostra os quatro continentes representados por paisagens, deuses, animais, figuras femininas e masculinas.
A obra presente no acervo do Metropolitan Museum of Art é uma versão reduzida, esboçada por Tiepolo em 1752 antes de iniciar o belíssimo afresco – Alegoria dos Continentes – no teto do vão da grande escadaria do Palácio Episcopal de Würzburg.
O fresco, um dos maiores já produzidos, mostra Apolo prestes a tomar os cavalos e seguir o curso do dia. Próximo a Apolo encontram-se Vênus, Marte e as Horas com os cavalos e as rédeas. Putti[11] empurram o carro de ouro entre pesadas nuvens. Mercúrio aponta para os cavalos de Apolo, anunciando mais um dia para Júpiter e Juno.
Ao redor da cornija localizam-se os quatro continentes, repletos de animais, figuras femininas e masculinas.
Embora tenha apresentado o esboço, Tiepolo produziu algumas alterações ao longo do trabalho em afresco no teto da escadaria do Palácio Episcopal de Würzburg, principalmente em relação à luz que emana de Apolo, em razão da claridade das janelas e do próprio grande vão da escadaria. Nos quatro cantos as figuras pintadas em monocromático, foram desenvolvidas em estuque por Antonio Bossi[12] e seu filho Giovanni Domenico.
Na Itália, sob o patrocínio das famílias aristocráticas venezianas, Tiepolo retornou aos interiores das villas construídas na região de Veneto, nos arredores de Veneza, onde já trabalhara anteriormente. A Villa Valmanara[13] recebeu uma série de afrescos até 1758, pintados por pai e filho. Entre 1761 e 1762, Tiepolo realizou outra de suas obras primas: Apoteose da família Pisani no teto do salão de baile da Villa Pisani[14].
Por volta de 1760, Tiepolo foi contratado pelo rei espanhol Carlos III (1716-1788) para executar os frescos dos ambientes reais em Madri, permanecendo ali até sua morte. As obras executadas no palácio relembram o domínio da Espanha nas Américas e no mundo, onde deuses, monarquia espanhola, putti, pilares e construções se movimentam entre as nuvens no céu.
Tiepolo executou o esboço como um modelo para o vasto afresco no teto na sala do trono do Palácio Real de Madrid. O projeto tem como sua característica central a figura alegórica da Espanha entronizada e flanqueada por estátuas de Hércules. As laterais estão repletas de figuras em movimento que representam as províncias da Espanha e as colônias espanholas.
No detalhe, Cristóvão Colombo, de costas, está com os braços estendidos no convés de seu navio. Nas proximidades – índios com cocar de penas e Poseidon, deus do mar, guiando a expedição.
REFERÊNCIAS
ART INSTITUTE CHICAGO, Chicago, Illinois, EUA. Disponível em: https://www.artic.edu/artworks/16485/rinaldo-and-armida-in-her-garden Acesso em: 02 fev. 2020.
GOMBRICH, E. H. A História da Arte. Tradução Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: LTC, 2000. 714 p.
JANSON H. W. História da Arte. Tradução J.A. Ferreira de Almeida; Maria Manuela Rocheta Santos. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1992. 823 p.
NATIONAL GALLERY OF ART, Washington D.C., EUA. Disponível em: https://www.nga.gov/collection/art-object-page.12137.html Acesso em: 02 fev. 2020.
NATIONAL GALLERY OF ART, Washington D.C., EUA. Disponível em: https://www.nga.gov/collection/art-object-page.41693.html Acesso em: 02 fev. 2020.
THE METROPOLITAN MUSEUM OF ART, Nova York, EUA. https://www.metmuseum.org/art/collection/search/437790 Acesso em 02 fev. 2020.
WÜRZBURG RESIDENCE, Würzburg, Alemanha. Disponível em: https://www.residenz-wuerzburg.de/englisch/residenz/index.htm Acesso em: 02 fev. 2020.
[1] A história do amor de Apolo por Daphne encontra-se disponível em: https://arteref.com/artigos-academicos/apolo-apaixonado-historias-com-dafne-e-jacinto/ Acesso em: 02 fev. 2020.
[2] O nome villa tem origem na época romana para as residências de campo da alta classe. No século XVIII as construções de villas, ricamente decoradas, proliferaram na Itália, principalmente nos arredores de Veneza, para abrigar os ricos proprietários que se afastavam da cidade na época do verão.
[3] Maneirista, Paolo VERONESE (1528-1588) dominou a pintura veneziana ao lado do colega TINTORETTO (1518-1594) após a morte de TICIANO (1488/90-1576). Em Veneza, Veronese ficou conhecido pelas cenas de banquetes e costumes da vida opulenta dos palácios venezianos em grande formato. Veronese viveu trabalhando intensamente até sua morte aos sessenta anos.
[4] O poema épico La Gerusalemme Liberata, de Torquato Tasso (1544-1595) concluído em 1575 e publicado em 1581, forneceu a inspiração para a série sobre Rinaldo e Armida executada por Giovanni Battista TIEPOLO (1696-1770) e muitos outros artistas. O poema é ambientado na época da Primeira Cruzada e segue as vicissitudes e embates entre cristãos e sarracenos.
[5] O termo vem do plural de Eros, um dos filhos da deusa Afrodite, chamada de Vênus pelos romanos. Os erotes representam o amor e o sexo.
[6] Construído em Veneza, na Itália, no estilo Barroco final, entre os séculos XVII e meados do século XVIII, o Palazzo Labia apresenta três fachadas: uma para o Canal Grande, outra para o Canal de Cannaregio e a outra para o Campo San Geremia. A família Labia, de origem espanhola, no auge do poder possuía grande riqueza, gasta em parte nas luxuosas recepções venezianas em seu palácio.
[7] Especialista em pintura ilusionista, que inclui a técnica chamada de quadratura, Girolamo Mengozzi COLONNA (1688-1774) trabalhou com alguns artistas do período auxiliando-os na arte da perspectiva arquitetônica.
[8] Expresão francesa para enganar os olhos, a técnica artística chamada de Trompe l’oeil transforma a imagem em três dimensões, ocasionando um ilusionismo espacial. A expressão é usada tanto na pintura como na Arquitetura.
[9] Würzburger Residenz foi construído em Würtzbur, na Alemanha, por ordem da família von Schönborn e outros príncipes-bispos do local. Com obras iniciadas em 1720 e terminadas em 1744, a decoração interna levou por volta de mais quarenta anos para acabar. O arquiteto da corte de Würzburg, Johann Balthasar Neumann (1687-1753), responsável pela coordenação do projeto trabalhou com arquitetos da Alemanha e da França, grandes escultores e um dos maiores pintores do período: o veneziano Giovanni Battista TIEPOLO (1696-1770) responsável de 1751 a 1753 pela pintura em afresco nos tetos do Salão Imperial e acima do vão da grande escadaria. Disponível em: https://www.residenz-wuerzburg.de/englisch/residenz/index.htm Acesso em: 02 fev. 2020.
[10] Salão central dos palácios alemães, o Kaisersaal era reservado para receber o imperador do Sacro Império Romano e demais visitas dignitárias.
[11] Crianças aladas ou anjos representados nas artes visuais são chamados pelos italianos de putti ou putto no singular. Quando se apresentam em cenas de amor ou sexo são interpretados como os erotes.
[12] Colaborador de Tiepolo, o escultor Antonio Giuseppe Bossi (1699-1764) foi responsável por todo trabalho em estuque na Würzburger Residenz, a partir de 1735, quando as obras começaram. O trabalho realizado em estuque junto à Galeria Branca é uma marca do artista e recebeu o nome de Rococó Würzburg.
[13] Construída no Véneto, a Villa Valmanara, em Vigardolo, Província de Vicenza, é uma das primeiras obras do grande arquiteto Andrea Palladio (1508-1580). Junto com outras villas do lugar é classificada como Patrimônio Mundial da Humanidade pela UNESCO.
[14] Localizada entre Padova e Veneza, às margens do rio Brenta, a Villa foi construída no início do século XVIII pela família Pisani, que incentivava a atividade dos pintores e escultores venezianos da época. Com a queda da República de Veneza em 1797, a Villa foi vendida para Napoleão Bonaparte (1769-1821) que repassou para seu enteado. Em 1814 a construçãopassou às mãos do Império Austríaco, hospedando muitos membros da nobreza europeia. Em 1884 tornou-se um museu.
Oi, Fátima. Parabéns pelo belíssimo trabalho. Por gentileza, sou concluinte do doutoramento em Letras Literaturas – Vida Cotidiana, e pesquiso obra que retrata a literatura setecentista, especialmente A Fênix Renascida ou um Engenho dos Melhores Contos Portugueses. Cito, a certa altura, Giovanni Battista Tiepolo que seria criador de fresco barroco A Fênix Renascida. Por gentileza, você tem essa informação e, caso tenha, como consigo acesso a imagem dessa obra? Obrigado, desde já!