Estátuas gregas e romanas não eram brancas: suposições sobre raça e estética suprimiram essa verdade. Agora, os estudiosos estão fazendo uma correção nas cores dessas relíquias artísticas.
Abaixo veremos melhor o motivo.
Nos anos 2000, Mark Abbe era um estudante de graduação do Instituto de Belas Artes da Universidade de Nova York e, como a maioria das pessoas, pensava nas estátuas gregas e romanas como objetos de mármore branco puro. Na época, trabalhava em uma escavação arqueológica na antiga cidade grega de Afrodisias, na atual Turquia.
Afrodisias abrigava diversos artistas até o século VII d.C., quando um terremoto fez com que o local caísse em ruínas.
Em 1961, os arqueólogos começaram a escavar a cidade, armazenando milhares de fragmentos esculturais em depósitos. Quando Abbe chegou lá, ele ficou surpreso ao descobrir que muitas estátuas tinham manchas de cor: pigmento vermelho nos lábios, pigmento preto em mechas de cabelo e dourados espelhados nos membros.
Durante séculos, arqueólogos e curadores de museus estavam limpando esses vestígios de cores antes de apresentar estátuas e arquiteturas ao público.
“Imagine que você tem uma parte inferior do corpo intacta de uma estátua masculina nua, deitada no chão do depósito, coberta de poeira”, disse Abbe. “Você olha de perto e percebe que tudo está coberto de pedaços de folhas de ouro. A aparência visual dessas coisas era totalmente diferente do que eu havia visto nos livros-texto padrão – que tinham apenas placas em preto e branco”.
A ideia de que os antigos desprezavam a cor brilhante é o equívoco mais comum sobre a estética ocidental na história da arte.
Para Vinzenz Brinkmann, chefe do departamento de antiguidades da coleção de esculturas Liebieghaus, em Frankfurt, os ocidentais haviam se envolvido em um ato de cegueira coletiva: a tendência de igualar a brancura com a beleza; e a ver a cor como estranha, sensual e extravagante.
Sarah Bond, uma professora da Universidade de Iowa publicou dois ensaios argumentando que era hora de todos aceitarmos que a escultura antiga não era branca pura – e nem o povo do mundo antigo. Uma noção falsa, disse ela, reforçava a outra.
Para os estudiosos clássicos, é certo que o Império Romano – que, no auge, se estendia do norte da África à Escócia – era etnicamente diverso.
Embora gregos e romanos antigos certamente notassem a cor da pele, não havia a prática de racismo sistemático. Eles possuíam escravos, mas essa população era formada por uma grande variedade de povos conquistados, incluindo gauleses e alemães.
Na antiguidade clássica, o mesmo tom de pele podia ter diferentes impactos na apreciação estética. Enquanto a pele pálida de uma mulher era considerada um sinal de beleza e refinamento, porque mostrava que ela era privilegiada o suficiente para não ter que trabalhar ao ar livre; a pele branca de um homem era mal vista. A pele bronzeada estava associada aos heróis que lutavam nos campos de batalha e competiam como atletas, nus, em anfiteatros.
A idealização do mármore branco é uma estética nascida de um erro. Ao longo dos milênios, à medida que as esculturas e a arquitetura foram sujeitas a elementos degradantes, a tinta se desgastou. Objetos enterrados mantinham mais cores, mas, muitas vezes, os pigmentos estavam ocultados pela sujeita e eram retirados durante as limpezas.
As esculturas egípcias antigas parecem muito diferentes: elas tendiam a manter uma cor brilhante da superfície, porque o clima seco e a areia em que estavam enterradas não resultaram no mesmo tipo de erosão.
Ninguém nega que esculturas egípcias sejam obras espetaculares. Ninguém lamenta que sejam coloridas. Por não serem ocidentais, isso se torna perfeitamente aceitável por parte do público.
Arte Egípcia: função e representações
O culto à escultura sem cores permaneceu na Europa, reforçando a equação “branco = belo”. Na Alemanha, Goethe declarou que “nações selvagens, pessoas sem instrução e crianças têm uma grande predileção por cores vivas”. Ele também observou que “pessoas refinadas evitam cores vivas em suas vestimentas e nos objetos que as cercam”.
A admiração pela Antiguidade foi tão forte, absorvida principalmente pelos artistas italianos do Renascimento, que a destruição acidental da coloração antiga foi exaltada como um mérito, associado às qualidades ideais de uma arte mais elevada.
No pensamento de muitos, esculturas coloridas não poderiam ser gregas ou romanas, mas sim produtos de uma civilização anterior que era considerada menos sofisticada.
Nós nos beneficiamos de uma série de suposições sobre superioridade cultural, étnica e racial. O Ocidente é visto erroneamente como mais racional. Precisamos ver o passado antigo em um horizonte cultural mais amplo.
Nos últimos anos, ficou mais fácil detectar muitas cores, usando tecnologias como a análise de fluorescência de raios-X (que pode identificar os elementos nos pigmentos).
Com acesso a essas tecnologias, curadores e conservadores estão começando a pegar objetos que se apresentam incolores e, ao mesmo tempo, aplicando um novo olhar sobre suas análises.
Os céticos da policromia questionam porque os artistas gregos e romanos teriam esculpido com materiais tão belos, como o mármore, e depois pintado sobre sua superfície, ou adornado-os.
Se pintores e escultores trabalharam juntos, entendendo como a cor poderia melhorar a luminosidade de uma obra, a policromia passa a fazer mais sentido estético.
Ver esculturas clássicas em cores faz muito mais do que expandir a noção de como eram originalmente esses objetos. Ajuda a entender que tudo o que parece ser definido com tanta clareza e firmeza nem sempre é o que aparenta. Ver essas cores afeta tanto o saber histórico quanto a compreensão das pessoas sobre si mesmas.
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