Em consecutivas batalhas, os Troianos saem vitoriosos. Reunido com os gregos, Agamémnon resolve fugir antes que seja levado pelos inimigos, mas é desaconselhado, entre outros, por Odisseu[2]. Por outro lado, o chefe dos gregos é animado por Poseidon, que transmudado em um velhote, exalta-o a lutar.
Hera, que tudo observa, se entusiasma com a possibilidade de iludir o marido e também ajudar os gregos.
Assim, lavou-se com ambrosia e ungiu-se com óleo divino. Em seguida cingiu-se com magnifico vestido adornado com cinto e fivela dourada, enfeitou as orelhas com graciosos brincos e cobriu-se com translúcido véu. Lembrando do cinto dos desejos e do amor da deusa Afrodite, enganou-a com uma história fictícia. Ao entregar o cinto, Afrodite lhe diz: “Toma-o; no seio tu própria ora deves guardá-lo, cuidadosa, que toda sorte de encantos encerra; não creio que voltes sem que consigas levar a bom termo o que na alma excogitas.” (HOMERO, Ilíada, XIV, 219-221, 2015, p.307)
Sorrindo, com o cinto escondido nos seios, Hera corre em busca do Sono, persuadindo-o a fechar os olhos de Zeus tão logo ela se deitasse ao lado dele.
Com Sono escondido, Hera, rapidamente, se aproxima do alto Ida, onde Zeus logo fica alerta e pronto para o deleite do amor.
Com Zeus dormindo, Poseidon aproveita para novamente agir em favor dos gregos, que avançam sobre os Troianos afastando-os dos navios.
Revoltado, ao descobrir que a esposa ajudara os gregos enquanto dormia, Zeus lhe relata os acontecimentos da guerra até o final da batalha, apresenta os nomes dos heróis vencidos e vencedores e envia Apolo para ajudar os Troianos.
De acordo com o comando de Zeus, em grande formação, os aliados seguem Heitor e Páris, com Apolo avançando à frente, escondido em densas nuvens, a limpar o caminho, causando grande terror ao inimigo. Do pai, Apolo segura, em uma das mãos, a poderosa e terrível égide rodeada por franjas, que Hefesto entregara como presente ao irmão.
Com “Apolo, na frente, a égide sempre a vibrar”, gritos de ambos os lados se escuta enquanto dardos se cruzam e heróis tombam na areia escaldante. (HOMERO, Ilíada, XV, 360-361, 2015, p.327)
Com o apoio de Apolo, os Troianos empurram os gregos em direção às grandes naus e Heitor se prepara para incendiar uma delas.
Ao longe Pátroclo, observa a fuga dos aliados em meio a grande gritaria e corre para a tenda de Aquiles afim de convencê-lo a voltar para os embates.
Aquiles recebe o amigo de infância profundamente abatido. No entanto, nem o pedido urgente de ajuda e nem sequer suas lágrimas convencem o irredutível Aquiles, que em forte desabafo relembra o abuso de poder de Agamémnon. Malgrado a sua ira, ao ver o furor dos combates e os Troianos se aproximando dos próprios navios, Aquiles concorda que o inestimável amigo se cubra com sua armadura, levando consigo os Mirmídones em defesa dos seus navios. Mas, lhe avisa:
Nos cantos XVI e XVII, com fartura de detalhes, Homero apresenta uma sucessão de contendas em torno dos heróis e seus corpos destruídos em batalha, revelando as diferentes condutas dos homens e dos deuses diante da morte e da posse dos despojos, e, simultaneamente, revela o heroísmo e o desejo de glória dos combatentes.
No desenrolar da batalha, assim que Pátroclo, vestido com a esplêndida armadura, aparece, o exército troiano recua em fuga desordenada, acreditando que é Aquiles que chega ao campo de batalha.
A luta se inverte e inflamado pelo sucesso, Pátroclo persegue os troianos até a grande muralha. Heitor, que já adentrava os portões, se volta e confronta-o. Apolo envolto em densa névoa acerta Pátroclo e desfaz sua armadura, deixando-o exposto às armas inimigas e à lança do nobre Heitor, que se enterra no baixo-ventre, indo a ponta aguçada nas costas sair-lhe.
As armas e armadura são retiradas de Pátroclo, ficando seu corpo nu entregue ao solo, enquanto Heitor troca a sua para envergar “a imortal armadura do grande Aquiles, presente que os deuses celestes haviam feito a Peleu”. (HOMERO, Ilíada, XVII, 194-195, 2015, p. 368)
O desenho de John Flaxman mostra a luta dos gregos e Troianos na disputa pelo corpo ultrajado de Pátroclo, que finalmente, depois de muitas mortes de ambos os lados, é recolhido por combatentes gregos.
Enviado por Menelau, a fatídica notícia foi transmitida por Antíloco[9], de pés velozes, a Aquiles, que aguardava, angustiado, o retorno do amigo.
Apoiado no Canto XVIII da Ilíada, Dawe mostra Antíloco de pé de capacete emplumado e um quíton vermelho, cobrindo o rosto amargurado. À esquerda, as escravas recolhidas por Pátroclo e Aquiles, arrancam os cabelos, gritam e desmaiam de dor.
Aquiles se contorce em agonia.
Tétis que, das profundezas do mar, ouvira os gritos terríveis, lamentou e prenunciou às nereides e ninfas, o destino do filho amado, que se voltasse à guerra, não retornaria à pátria e à casa do velho Peleu.
Subindo à terra,
Tétis, desse modo, promete ao filho, voltar com uma armadura forjada por Hefesto, o ferreiro dos deuses, e lhe roga para não se armar para a batalha até que ela volte.
Levado pelos companheiros, o corpo de Pátroclo é recebido por Aquiles. À noite, à volta do corpo, choram as servas e lamentam-se os Mirmídones.
Com água quente limpam as feridas e sobre o corpo nu espalham óleo perfumado.
A pintura de Hamilton, como a maioria de sua autoria, situa o cenário e mostra no primeiro plano os principais personagens, na representação visual do momento dramático e emocional desenvolvido no épico poema de Homero.
Na série encomendada por diferentes patronos, Hamilton segue um estilo que se afasta do neoclássico enfático, produzido por Jacques-Louis DAVID, em que as poucas figuras centrais são solidamente esculpidas, e se aproxima do classicismo empregado pelo francês Nicolas POUSSIN[12].
HOMERO. Ilíada. Tradução Carlos Alberto Nunes. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2015. 536 p.
HOMERO. Ilíada. Tradução Frederico Lourenço. São Paulo: Penguin & Companhia das Letras, 2017. 715 p.
JANSON H. W. História da Arte. Tradução J.A. Ferreira de Almeida; Maria Manuela Rocheta Santos. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1992. 823 p.
MUSÉE THOMAS HENRY, Cherbourg, Manche, Normandia, França. Disponível em: https://www.musees-normandie.fr/musees-normandie/musee-thomas-henry/ Acesso em 09 abr. 2022.
MUSEUM OF NEW ZEALAND
TE PAPA TONGAREWA, Wellington, Nova Zelândia. Disponível em: https://collections.tepapa.govt.nz/object/39407 Acesso em 09 abr. 2022.
MUSEUMS SHEFFIELD. GRAVES GALLERY. Sheffield, South Yorkshire, UK. Disponível em: http://collections.museums-sheffield.org.uk/media/view/Objects/16128/79834 Acesso em 09 abr. 2022.
NATIONAL GALLERIES OF SCOTLAND, Edinburgh, Escócia. Disponível em: https://www.nationalgalleries.org/art-and-artists/5009 Acesso em 09 abr. 2022.
OVIDIO. Metamorfoses. Tradução Domingos Lucas Dias. São Paulo: Editora 34, 2017. 909 p.
ROYAL ACADEMY OF ARTS. Londres, UK. Disponível em: https://www.royalacademy.org.uk/art-artists/work-of-art/the-fight-for-the-body-of-patroclus Acesso em 09 abr. 2022.
STAALICHE MUSEEN ZU BERLIN, Berlim, Alemanha. Disponível em: http://www.smb-digital.de/eMuseumPlus?service=ExternalInterface&module=collection&objectId=686542&viewType=detailView Acesso em 09 abr. 2022.
YALE CENTER FOR BRITISH ART, Paul Mellon Collection. New Haven, Connecticut, EUA. Disponível em: https://collections.britishart.yale.edu/catalog/tms:2038 Acesso em 09 abr. 2022.
[1] Formato semelhante a um cálice, o Kylix era usado para se beber vinho na Antiga Grécia Antiga. O corpo raso recebia duas asas e um pé, e recebia decoração interna.
[2] Odisseu, chamado de Ulisses pelos romanos, é uma figura secundária na narrativa da disputa entre gregos e troianos. O herói, grande guerreiro e extremamente ardiloso é casado com Penélope, filha de Ícaro, prima de Helena.
[3] Saiba mais sobre James BARRY (1741-1806) em: https://arteref.com/artigos-academicos/o-neoclassico-no-reino-unido/
[4] Saiba mais sobre John FLAXMAN (1755-1826) em: https://arteref.com/artigos-academicos/o-neoclassico-no-reino-unido/
[5] Inscrito em tinta marrom, no centro superior: “Apolo precedendo Heitor com sua égide e dispersando os gregos. As palestras de Fuzeli.” Brittania Watermark de cerca de 1787. (Inscribed in brown ink, upper center: “Apollo preceding Hector with his Aegis, and dispersing the Greeks. | Fuzeli’s Lectures.” Brittania Watermark of about 1787.)
[6] Saiba mais sobre Jacques-Louis DAVID (1748-1825) em: https://arteref.com/artigos-academicos/expansao-neoclassica-seculo-xviii/
[7] Em Florença, Tommaso PIROLI[7] (ca. 1752-1824) desenvolveu a técnica da gravura em cobre. Suas gravuras podem ser encontradas na coleção do Museu Britânico e do Museu Nacional de Estocolmo. Entre outras edições posteriores, em 1793 foi publicada pelo editor Francesco Romero: L’Iliade et l’Odyssée d’Homère gravée par Thomas Piroli d’après les desseins composés par John Flaxman, com noventa e quatro gravuras produzidas por Piroli,
[8] Longman, Hurst, Rees and Orme and Robert Harding Evans (1777-1857) and John and Arthur Arch. A partir de A Ilíada de Homero gravada a partir das composições de John Flaxman R.A., escultor, Londres 1805. Disponível em: https://www.royalacademy.org.uk/art-artists/work-of-art/the-fight-for-the-body-of-patroclus Acesso em 09 abr. 2022.
[9] Amigo de Pátroclo e Aquiles, filho de velho Nestor, Antíloco acompanhou seu pai na luta contra os aliados de Tróia.
[10] Saiba mais de George DAWE (1781-1829) em https://arteref.com/artigos-academicos/o-neoclassico-no-reino-unido/
[11] Saiba mais de Gavin HAMILTON (1723-1798) em: https://arteref.com/artigos-academicos/a-pintura-neoclassica-de-gavin-hamilton/
[12] Saiba mais de Nicolas POUSSIN (1594-1665) em: https://arteref.com/artigos-academicos/classicismo-barroco/
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